Antes de estrear na F3, Gabriel Bortoleto estudou as últimas temporadas do campeonato que está na linha de acesso à F1. Aos 18 anos, ele não queria ser apenas um debutante na edição deste ano. O objetivo dele era brigar pelo título, inédito para o automobilismo brasileiro.
Por isso, buscou entender o que foi determinante para cada um dos campeões recentes. Assim, chegou à conclusão de que a consistência seria a chave para o sucesso.
"Nos últimos campeonatos, os pilotos que lideraram tiveram muitos erros, batidas e etapas sem pontuar", observou Gabriel à reportagem. "Muitas vezes, não é preciso ganhar uma corrida, mas sempre chegar no top 5, assim um líder consegue manter sua vantagem. Foi isso o que eu fiz este ano inteiro."
Foi também o que ele fez nesta sexta-feira (1º), com a quinta colocação no treino de classificação. Como a pole position (que vale dois pontos) não ficou com o estoniano Paul Aron nem com o espanhol Pepe Martí, ninguém mais pode alcançar o paulistano.
"Durante muito tempo neste ano, eu não pude arriscar certas coisas", reconheceu. Aliviado, ele se sente livre para lutar por vitórias na corrida sprint deste sábado (2) e na prova longa do domingo (3).
"Gostaria muito de mostrar mais agressividade", disse. "Lógico, vou usar a cabeça para não provocar batidas, nenhum problema, mas vou arriscar mais, para fazer ultrapassagens bonitas e tudo o que neste ano, durante muitas etapas, não pude fazer, para somar pontos."
Piloto da equipe italiana Trident Racing, o brasileiro liderou a competição desde o primeiro fim de semana do calendário, que teve sua abertura no Bahrein. Além da vitória na corrida de estreia, ele ganhou a etapa seguinte, na Austrália.
Daí por diante, percebeu que não deveria mais arriscar. Com inteligência e paciência, dedicou-se a somar pontos nas demais provas.
Além de seguir a estratégia traçada antes da competição, o piloto mentalizou os conselhos que recebeu do espanhol Fernando Alonso, dono da A14 Management, empresa de agenciamento de pilotos fundada pelo bicampeão de F1, responsável por cuidar da carreira do paulista.
"Ele sempre deixou claro que eu tinha que pontuar e que eu tinha que ser consistente. Isso é algo que você vê nele até hoje. Ele é uma das pessoas mais consistentes da F1", disse o brasileiro.
Aos 41 anos, o piloto da Aston Martin é atualmente o terceiro colocado no Mundial de F1, atrás somente de Max Verstappen e Sérgio Pérez, ambos da hegemônica Red Bull.
"O Fernando já me deu dicas de pilotagem importantíssimas, como nas corridas do Bahrein e da Austrália, que ele conhece muito bem", relatou Gabriel.
O apoio de Alonso também foi fundamental para o próximo passo da trajetória do brasileiro. Antes mesmo da confirmação do título, ele já garantiu presença na F2 de 2024. Embora ainda não possa revelar a escuderia com a qual vai correr, está confiante: "É uma ótima equipe".
Seja qual for o time, a postura dele será a mesma da vista neste ano. Quando não estiver nas pistas, ficará o máximo de tempo possível nos simuladores. É assim que ele acredita que pode desenvolver sua técnica.
"Eu sou um cara que sou, digamos, workaholic com preparação", afirmou. "Hoje em dia, não vejo nenhum piloto na F3, nem na F2, que faça tanto simulador quanto eu. Muito menos na F1. Bom, talvez o Verstappen."
Questionado se tem o holandês como inspiração nesse aspecto, Gabriel afirma que é apenas coincidência, embora valorize a dedicação do bicampeão. "Quando um campeão como ele faz isso, você sabe que não é algo errado, né?"
Reconhecer as virtudes das pessoas é uma habilidade que ele desenvolveu desde criança. "Uma coisa que eu aprendi com meu pai é observar onde estou, quem está à volta e como as pessoas se comportam", disse. "Também é assim nas pistas, analisando as voltas de um piloto, vendo onde ele freia, onde vira o carro."
Antes de chegar à F3, Gabriel usou isso para se destacar no kart nacional e no europeu, até chegar em 2020 aos campeonatos de Fórmula, quando disputou a F4 italiana. Depois, teve destaque na Fórmula Regional Europeia, de onde despertou o interesse de equipes da F3, como a Trident, vice-campeã em 2022.
Somente o talento, no entanto, não será suficiente para ele alcançar seu grande objetivo, chegar à F1. Desde 2017, quando Felipe Massa se despediu da categoria, o Brasil vive um hiato no grid, ainda que bons nomes tenham surgido, como Felipe Drugovich, campeão da F2 em 2022.
O aspecto financeiro passou a ser um grande obstáculo para os brasileiros. De acordo com levantamento da empresa DNA Racing, especializada em acompanhamento da carreira de pilotos, a trajetória até a F1 pode custar, pelo menos, 11,9 milhões de euros (R$ 63,98 milhões).
O valor considera os custos gerais para correr quatro anos de kart no país, dois anos de kart na Europa, dois anos de F4, dois anos de Fórmula Regional, dois anos de F3 e mais dois anos de F2.
Às vésperas de confirmar o título da F3, porém, Gabriel Bortoleto fechou um acordo de patrocínio com o banco BRB, de Brasília, que promete apoiar financeiramente o jovem até ele chegar à principal categoria do automobilismo. "Fico extremamente feliz de ter eles a bordo comigo."