Morreu na noite deste domingo (8), aos 98 anos, o ex-árbitro goiano Urias Crescente. Ele estava internado no Instituto do Rim desde o dia 17 de agosto. Segundo a família, uma pneumonia levou à internação. Neste domingo (8), ele estava na UTI, foi entubado e não resistiu. Urias Crescente era casado há 73 anos com Olga Costa. O ex-árbitro tinha cinco filhos.
Urias Crescente Alves Júnior é uma das figuras mais conhecidas no futebol goiano. É popularmente chamado de Tio Urias no meio esportivo e entre amigos. Ele era natural de Morrinhos, nasceu no dia 9 de janeiro de 1926.
Quando o futebol começava a ser um esporte popular no País, Urias Crescente procurou primeiro a bola, mas o apito caiu-lhe quase que por acaso. Na fase adolescente, brincava de bola nos jogos que eram organizados pelos padres na cidade. Por causa da “rebeldia”, recebeu um apito e passou a mediar as partidas. Nunca mais parou.
Abraçou a causa, a função, mesmo que não seja profissão reconhecia na legislação trabalhista. No início da década de 1950, fez o curso de arbitragem da então Federação Goiana de Desportos (FGD). Em 1955, entrou para os quadros da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje CBF.
Virou uma referência na arbitragem goiana e nacional num tempo em que o árbitro não tinha recursos tecnológicos, muitas vezes apitava jogos no interior sem assistentes (bandeirinhas) e precisava viajar de ônibus para as cidades na véspera da partida.
Ser árbitro era atividade de risco e coragem. Urias Crescente relatou, entre as inúmeras passagens pela arbitragem, que era preciso trabalhar armado. Tinha sempre uma arma "na cinta" como se dizia, uma pistola (revólver 22). Quando o apito não resolvia a parada e alguém partia para a ignorância, era preciso mostrar pulso e imposição pela força.
Porém, a história mais curiosa com uma arma ocorreu com a mãe dele, Ester, durante um jogo no Estádio Olímpico, onde o Goiânia vencia o Botafogo, time local. Houve um princípio de confusão, a mãe ouvia o jogo pelo rádio. Ela morava perto do Olímpico, se preocupou com o filho e chegou correndo no estádio. Estava armada com um revólver, dentro do avental. O episódio foi controlado.
Alto, magro, bem preparado fisicamente, Urias Crescente tinha conhecimento vasto do futebol e das regras. Apitou por 40 anos e parou aos 67 anos, em 1993, quando o convencional para um árbitro é parar aos 50 anos. Esteve sempre preso à arbitragem.
Além de árbitro e bandeirinha, foi delegado nos jogos, instrutor, observador, diretor do Departamento de Arbitragem da FGD, manteve outros vínculos com a atividade. Também ajudou na preparação de árbitras, quando a ideia contrariava o padrão no futebol. Era comum vê-lo nos estádios com um guarda-chuva, barba bem feita, cabelo aparado e curto. Gentil, Tio Urias não negava um cumprimento, estava sempre sorridente e guardava sempre um caso interessante para contar. Nenhum árbitro goiano teve carreira tão longa.
Urias Crescente guardava também uma camisa 10 do Santos, autografada por Pelé, logo depois de amistoso no Olímpico, diante do Goiás. O Rei do Futebol enviou a peça numa caixa, alguns dias depois da partida, ao árbitro goiano.
Também apitou decisões, como a do Torneio da Integração Nacional (em 1971, em que o Atlético-GO venceu a Ponte Preta por 1 a 0), a do último título do Goiânia (em 1974) e a da primeira conquista do Goiás (o Goianão, em 1966). Todos esses jogos foram no Estádio Olímpico, lotado e com um ambiente de pressão sobre o trio de arbitragem.
Urias Crescente comandou o segundo jogo no Estádio Serra Dourada, no dia 12 de março de 1975, quando o Flamengo de Zico, Júnior, Doval e Geraldo goleou a seleção goiana por 3 a 0 pelo Torneio Leonino Caiado. Não cabia mais ninguém na recém-inaugurada praça esportiva – o time carioca venceu o Palmeiras por 1 a 0 na final e foi o primeiro campeão do principal estádio do futebol goiano.
Tio Urias foi convidado para apitar a partida Itumbiara 0 x 0 Vasco, em 1976, na inauguração do Estádio Jk, assim como foi designado, quase dez anos depois (em março de 1986), para a abertura do Centro Olímpico de Ceres. Afinal, nos bons momentos, o futebol também pede um craque do apito.