Esporte

'Mostro sagrado' da locução esportiva, Edson Rodrigues deixa legado

Reprodução / Instagram
Edson Rodrigues morreu aos 79 anos
Wesley Costa / O Popular
Edson Rodrigues é sepultado em Goiânia

O rádio esportivo goiano e brasileiro perdeu na manhã desta quinta-feira (26), em Goiânia, o locutor Edson Rodrigues, de 79 anos, um dos principais profissionais da área. Mineiro de Araguari, oriundo do distrito de Amanhece e profundamente identificado com as narrações de futebol, uma das paixões em vida, o narrador lutava contra um tumor no pâncreas diagnosticado há mais de um mês. Casado com Leila Rodrigues, deixa, além da viúva, seis filhos – Edson Júnior, Rafael, Juliane, Carla, Adriana e Luana – e sete netos. O velório e o sepultamento do narrador esportivo ocorreram na tarde desta quinta (26), no Cemitério Parque Memorial, na saída para Bela Vista de Goiás.

Edson Rodrigues deixa órfãos os familiares, amigos, o rádio esportivo e, principalmente, uma legião de ouvintes. No meio radiofônico, poucos profissionais criaram tamanha empatia com o público, desde os tempos dos rádios a pilha, das antenas instaladas nas casas da zona rural, entre os fãs que ele cativou durante quase 63 anos de carreira como narrador de jogos, âncora de programas esportivos e até como comentarista de TV.

Edson Rodrigues teve passagens por várias rádios, como Araguari, Cultura (Uberlândia-MG), Itatiaia e Guarani (Belo Horizonte). Trabalhou no Rio. Em Goiás, onde atuou por mais tempo, foi locutor nas rádios Imprensa (Anápolis), Anhanguera (Grupo Jaime Câmara), Clube, Difusora, Brasil Central, K do Brasil (depois, 730 e Sagres), Band News e Bandeirantes (Goiânia), por último. Também participava de alguns programas na PUC TV e na Televisão Brasil Central (TBC).

Nas memórias, a primeira narração se deu em Araguari-MG, no jogo Fluminense-MG x Ponte Preta, no dia 11 de abril de 1960. Nascido no dia 5 de abril de 1943, Edson Rodrigues havia completado 17 anos à época. A estreia foi como um presente de aniversário. “Meu pai pegava latinhas de extrato, ia para a beira do campo para narrar ”, detalhou o filho, Edson Júnior.

Segundo ele, foi a senha para que isso passasse de um ato espontâneo para a profissão que abraçou logo depois. Edson Rodrigues estava narrando um jogo de handebol. Recebeu convite para fazer o teste na Rádio Araguari. Despontava um talento nato. As latinhas foram trocadas pelos microfones de cabines ou de estúdios de rádio. Só parou de narrar por causa da doença.

Durante mais de seis décadas, passou por prefixos de Araguari, Uberlândia, Belo Horizonte, Brasília, Anápolis e Goiânia. Narrou três Copas do Mundo: 1970 (pela Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte), 1990 (Rádio Brasil Central) e 1998 (Rádio K do Brasil). Era avesso às viagens. Por isso, não esteve na transmissão de outros Mundiais, citam os amigos. Também não era chegado às festas, não gostava de badalação. Era narrador popular e um homem do povo sem o microfone. Sempre se lembrava dos feirantes, garis, guardas, motoristas, trabalhadores rurais e outros profissionais.

O gol longo, em alto e bom som, com o peito estufado e a emoção como ingrediente essencial, marcaram as jornadas de Edson Rodrigues. Viraram referência. Um gol diferenciado, vibrante, que fica gravado na memória dos torcedores, como o golaço de bicicleta de Fernandão na Série B 1999, o chute alto e forte de Anailson para fechar jejum de títulos do Atlético-GO em 2017, a histórica virada para 5 a 3 do Vila Nova sobre o Goiás, no Goianão 1999, a desafiadora final nos pênaltis do Estadual de 1973, entre Vila Nova e Goiás, são lembrados e citados.

Referência

É difícil ou improvável narrar com tanto rompante um gol como Edson Rodrigues, que virou referência e entrou no rol de nomes de destaque dentro da comunicação esportiva, sem exageros. Também antevia os lances. Assim, chamava atenção dos comentaristas e avisava os repórteres para se ligarem nos lances. Raramente errava uma dica. A transmissão ficava mais rica, polêmica, informativa.

O vozeirão e a vibração não eram por acaso. Havia todo um ritual, levado a sério por Edson Rodrigues, assim como um jogador que se concentra antes de cada partida. “Ele não fumava nem bebia. Em dia de jogo, sempre se levantava mais cedo, se alimentava mais cedo. Tinha todo o cuidado com as cordas vocais. Gostava de chegar mais cedo para trabalhar nas jornadas e transmissões”, detalhou o radialista e senador Jorge Kajuru, amigo do narrador desde 1979. Às vezes, Edson Rodrigues nem se alimentava para ficar com a voz afiada. Para comunicadores, há produtos como óleo, manteiga, leite e outros alimentos gordurosos que são inimigos.

Na contabilidade pessoal, foram mais de quatro mil jogos transmitidos e algo em torno de 13 mil gols narrados. Sempre com o mesmo tom vibrante, pois o manual do bom radialista ensina que só o locutor que consegue prender a atenção e emocionar durante a transmissão segura o ouvinte no outro lado do aparelho, sem a imagem. Ganhou muitos prêmios na carreira, todos guardados com carinho em casa numa sala preparada pela mulher, Leila Rodrigues.

Edson Rodrigues era criativo e inventava termos para designar atletas. Termos que se fixaram como uma etiqueta. Lincoln se tornou “O Leão da Serra”, Matinha virou “Garoto Gato”. Paghetti foi batizado de “Rui Barbosa”, Fernandinho era “O Pequeno Polegar”, enumeram Evandro Gomes, que fez uma dupla de sucesso no rádio goiano com o narrador, e Charlie Pereira, radialista, comentarista, blogueiro e chefe de equipes de esporte que trabalhou com Edson Rodrigues por quase três décadas.

“Como profissional, é algo único. São poucas pessoas que chegam aos 79 anos como Edson Rodrigues, com a carreira de 60 anos como ele. É algo raro e isso sé dá pelo profissionalismo”, atesta Charlie.

Primeiro repórter e depois comentarista esportivo, Evandro Gomes conviveu com “compadre Edson” por mais de 50 anos – Evandro é padrinho de Edson Júnior. De criador, Edson Rodrigues virou criatura. “Monstro Sagrado” foi criação de Jorge Kajuru que colou no nome e na pele do locutor esportivo. Ele também era conhecido como “Melhor Locutor Esportivo do Brasil.”

Companheiros de rádio, Jorge Kaluru e Evandro Gomes lembram boas passagens ao lado de Edson Rodrigues. Porém, mais do que as memórias profissionais, ambos lembram que esta relação ultrapassou estúdios e cabines.

“É o meu segundo pai. Quando cheguei a Goiânia, em 1979, para ser plantão esportivo, ele (Edson Rodrigues) me levou para a casa dele. Sempre me chamava de filho”, contou Jorge Kajuru, revelando que não tem condições emocionais de estar no velório do “segundo pai”.

Segundo Kajuru, numa sentença mais forte ainda, a morte de Edson Rodrigues antecipa outro fato. “O rádio goiano morreu hoje (nesta quinta, 26). Como narrador, nós nunca mais teremos outro”, previu o político e comunicador, desfiando passagens interessantes ao lado do “Monstro Sagrado” ao longo de quase 45 anos.

Caseiro e cozinheiro

Edson Rodrigues não era só narrador nato de futebol. Também dividiu parte da juventude com o esporte. Foi jogador, e dos bons. Quando morou em Anápolis, jogava no aspirante do Anápolis e treinava com o elenco principal, campeão do Goianão de 1965. Na partida em que o Galo da Comarca conquistou o principal título da história, Edson Rodrigues narrou para milhares de ouvintes o jogo disputado no dia 28 de novembro daquele ano.

Os amigos Jorge Kajuru e Evandro Gomes contam que Edson Rodrigues era meia-atacante. “Era o melhor cobrador de pênaltis. Não errava”, descreve Evandro Gomes.

Entre ele e Edson Rodrigues, houve uma parceria de décadas, desde o início dos anos de 1970. Como no futebol, Edson preparava a bola para a finalização de Evandro, que lembra a dupla que saiu para fora do campo. “Éramos os compadres do rádio”, definiu Evandro, padrinho de Edson Júnior. “Era um profissional responsável, vibrante, voz bonita. Tinha muita responsabilidade, não era bajulador, não precisava fazer média”, comentou Evandro Gomes.

Quando estavam na mesma equipe e viajavam, ficavam no mesmo apartamento, faziam refeições na mesma mesa. Uma relação tipo carne e unha, de irmão, um compadrio sadio.  Por isso, Evandro Gomes disse que sofreu muito ao visitar o compadre pela última vez, na terça-feira (24). Para ele, a noite foi muito dolorida por ver o amigo em fase terminal.

Evandro conta que Edson Rodrigues era “simples, caseiro, família” e gostava de ficar na chácara, na região metropolitana de Goiânia, e numa casa na Cidade de Goiás.

Jorge Kajuru revelou outra predileção de Edson Rodrigues, a culinária. Tinha as mãos mágicas para preparar uma galinhada, chamada por ele de “amarelinha’’ por causa do uso do açafrão. “Está pronta, venha comer a amarelinha”, eram as palavras do amigo, relembra Kajuru. Talento e a vocação na culinária que o filho, Edson Júnior, abraçou nos últimos anos “e pegou a mania”, segundo Evandro Gomes. Nas viagens, Edson Rodrigues costumava cozinhar para os colegas de equipe.

Prêmios

No rádio, os dois faturaram prêmios. Evandro cita uma passagem em que a extinta Caixego abriu uma votação popular para escolha dos melhores profissionais do meio em Goiás. Os dois foram os escolhidos. Segundo ele, ganharam troféus, diplomas e uma poupança, fruto de uma votação em que praticamente dobraram a quantidade de votos dos concorrentes.

“Era um homem do rádio. Tinha idolatria do público, respeito dos companheiros de imprensa, era querido pelos jogadores, técnicos, dirigentes e amado pela família”, acrescentou Evandro Gomes, citando outras perdas recentes do rádio goiano, como Adolfo Campos (outubro de 2020), Cunha Filho (outubro de 2021) e Mané de Oliveira (fevereiro de 2021).

Para Jorge Kajuru, Edson Rodrigues merece uma homenagem à altura do significado que tem para a imprensa goiana e o legado deixado. Porém, ainda não sabe dimensionar o que poderá ser feito para o locutor.  Por enquanto, respeitar a dor da família e relembrar as boas passagens no rádio.  

Numa transmissão de Copa do Mundo, Evandro Gomes e Jorge Kajuru contam que as cabines em que dividiam microfone com Edson Rodrigues ficavam próximas da da Rede Globo. No relato de ambos, Edson Rodrigues encantou com a narração e o grito de gol o outro Edson, ao lado, como comentarista. Era Pelé, mineiro como Edson Rodrigues e que, no fim do ano passado, morreu no dia 29 de dezembro.

Edson locutor narrou o milésimo gol de Pelé, em 1969.  Na Copa, Pelé, o narrador Galvão Bueno e outros profissionais se juntavam à equipe goiana para tocar transmissões de jogos. Audiência garantida, pois a rádio continuava no ar quando a TV seguia a grade de programação .

Filho e irmão no rádio

Principal herdeiro de Edson Rodrigues na comunicação, Edson Júnior se mostrava inconsolável nesta quinta-feira (26). Afinal, além de filho, Edson Júnior é quem mais de perto seguiu os passos e a carreira do locutor esportivo. Pela convivência familiar, por estarem juntos nas equipes de rádio e por aprender a curtir o estilo do pai, Edson Júnior conheceu como poucos o jeito de ser e fazer do “Monstro Sagrado.” Diferentes no estilo, estavam sempre próximos. Na voz dele, a partir de agora, continuará o legado do pai.

“Sei que não serei nem 10% do que o meu foi. Ele era meu ídolo em duas situações: o da profissão e no lado pessoal, de família, o meu pai”, lamentou Edson Júnior em contato rápido com a reportagem. No DNA radiofónico, herdou a capacidade de interagir com o público. É repórter e âncora.  Por isso, quer usar pelo menos uma das vinhetas do pai quando estiver na cabine do estúdio ou do estádio durante uma transmissão.

Edson Júnior é casado com a jornalista Nathália Lima, repórter da CBN Goiânia, do Grupo Jaime Câmara.  Além do filho e da nora, Edson Rodrigues tem na família outro irmão, Jair Rodrigues, que também é homem do rádio e trabalhou no programa “A Voz do Brasil”.  Por isso, Edson Júnior sabe que terá muita responsabilidade em zelar e se espelhar no legado do pai. O radialista lembra que, em casa, há um espaço devidamente organizado com os títulos, troféus e prêmios recebidos pelo narrador esportivo.

Ao se preservar para a narração, conseguiu manter o pique por mais de 60 anos e abrir com o vozeirão dele as jornadas com frases como “nós abrimos para Goiás, o caminho do rádio moderno” e gritava “gol” com rara carga de emoção.  

O filho lamentou o sofrimento do pai nos últimos dias. A partir de meados de dezembro, os problemas com o pâncreas pioraram o quadro de saúde. Por isso, não resistiu às complicações gástricas, segundo Edson Júnior.

Alguns meses antes, ele se sentiu mal durante jogo no Estádio Antônio Accioly. Foi diagnosticado, tratado e acompanhado pelo cardiologista e ex-presidente do Goiás, Sergio Rassi. Estava com duas coronárias obstruídas. Passou pelo procedimento da desobstrução, se recuperou e voltou a narrar, mas percebeu que estava debilitado, fez outros exames e descobriu o tumor no pâncreas.

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