Laços de Família, novela das 8 exibida pela Globo em 2000, completa 20 anos de sua estreia neste sábado, 6. A trama, que trouxe nomes como Vera Fischer, Reynaldo Gianecchini e Carolina Dieckmann, foi um sucesso de audiência e enfrentou problemas na Justiça.
Entre as polêmicas, estiveram a proibição de crianças nas cenas e gravações, críticas da igreja católica, que proibiu uma cena de casamento filmado em uma igreja de verdade e até a disputa pelo nome Laços de Família com a Record.
A novela também ficou marcada pela cena em que Carolina Dieckmann raspou seu cabelo em frente às câmeras interpretando Camila, personagem com leucemia.
Relembre a seguir as principais polêmicas e momentos marcantes de Laços de Família:
Liminar na Justiça contra Laços de Família
Em novembro de 2000, o juiz Siro Darlan concedeu liminar obrigando a emissora a tirar todos os menores de 18 anos das cenas da novela Laços de Família e exibir a trama após as 21h.
Os motivos seriam cenas com "conotação sexual" e "violência doméstica ou urbana", além de uma criança exposta a "abuso psicológico" por participar de uma cena de discussão familiar.
A cena em questão precisou ser repetida por 19 vezes por Larissa Honorato, de um ano e 10 meses, que vivia a filha de Clara (Regiane Alves) e Fred (Luigi Baricelli) na trama. Ela foi substituída no início da novela por "não ter se adaptado".
Em 13 de novembro de 2000, comissários da 1ª Vara da Infância e da Juventude estiveram no estúdio da novela e constataram a participação de 11 menores sem alvará judicial. À época, o juiz havia estipulado uma multa diária de 70 mil reais em caso de descumprimento da liminar.
A cena do casamento entre Edu (Reynaldo Gianecchini) e Camila (Carolina Dieckmann) precisou ser regravada para deixar de fora Júlia Almeida, 17, filha de Manoel Carlos que interpretava Estela na trama.
"Além de autor de novela, e um autor muito consciente, tenho uma filha adolescente de 17 anos que trabalha nela e não admito e não permito que um juiz ou até o presidente da República interfira no meu direito de pai, de autorizar minha filha a participar da novela", reclamava Manoel Carlos. Pouco depois, foi feita uma exceção para Julia.
O presidente da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil à época, Reginaldo de Castro, classificou a decisão como "ato de censura inadmissível no sistema constitucional vigente".
A Associação dos Roteiristas considerou a decisão "uma arbitrariedade preocupante, um ato de censura semelhante ao que aconteceu na época da ditadura e é preciso dizer não a isso".
"O que aconteceu é uma palhaçada, uma vergonha para a Justiça brasileira", criticava Giovanna Antonelli. Luigi Baricelli afirmava que "isso tudo é um retrocesso".
"A Justiça não deve se intrometer na produção artística. Sou católico e sei muito bem o que é família. Essa novela incomoda porque mostra as feridas da sociedade", opinava Tony Ramos.
"A classe artística está mal informada", dizia Siro Darlan ao Estadão. Ele rebatia também as declarações do presidente da OAB: "Acho melhor ignorar. Talvez ele não conheça o ECA [Estatuto da Criança e Adolescente]. É melhor dar de presente um exemplar".
A medida, porém, teve efeito contrário e a polêmica acabou aumentando a audiência de Laços de Família.
Em dezembro, Siro Darlan pediu que os pais de Natã e Andrey Beltrão, 1, que interpretaram Bruninho na novela, e os de Larissa Honorato, 2, fossem autuados por infração ao ECA por permitir que as crianças participassem de cenas violentas. O pedido foi bastante criticado à época, até por entidades que apoiavam a decisão anterior.
Posteriormente, a decisão foi revogada. A Globo assumiu o compromisso de não deixar que jovens participassem de determinadas cenas com conteúdo sexual ou violentas.
Almoço do elenco de Laços de Família com o presidente FHC
Em 23 de novembro de 2000, o então presidente Fernando Henrique Cardoso participou de um almoço para discutir a qualidade da televisão e a questão da censura com parte do elenco de Laços de Família na casa de Toninho Drummond, diretor da Globo, em Brasília.
Participaram do encontro FHC, José Gregori, então Ministro da Justiça, Tony Ramos, Vera Fischer, Cláudio Manoel, do Casseta e Planeta, os autores Silvio de Abreu e Glória Perez, o cineasta Ricardo Waddington e Toninho Drummond e Marluce Dias, diretores da TV Globo.
Além da decisão judicial envolvendo Laços de Família, houve diálogo sobre a Portaria 796, que estabelecia classificação etária na programação de TV conforme o horário.
Perguntado se a reunião se tratava de "lobby", Tony Ramos respondeu: "Lobby é uma palavra mais forte. Aqui são profissionais defendendo seu trabalho e a dignidade de seu trabalho".
"A gente não veio pedir nada, só veio conversar, e a nossa conversa foi o mais profícua possível", garantia Vera Fischer.
José Gregori, ministro da Justiça, falava sobre a situação envolvendo a Globo: "Acho que talvez pudesse ter havido um diálogo, que ele [juiz Darlan] pudesse ter evitado uma medida dessas. Estamos recebendo diariamente manifestações a favor e manifestações contra".
Sobre a presença de FHC no almoço, explicava: "É uma coincidência de um encontro com um velho amigo dele, um encontro de afeto, com a presença de pessoas que todo o Brasil conhece e admira".
Na saída do almoço, que durou cerca de duas horas, FHC deu risada e fez gesto de abraços quando questionado se assistia à novela. "Mas a dona Ruth assiste", brincou Vera Fischer, em referência à primeira-dama.
Semanas depois, por sugestão de Ruth Cardoso, Manoel Carlos incluiu na reta final de Laços de Família cenas com mensagens sobre a campanha Solidariedade e Cidadania, que incentivava o trabalho voluntário à época.
"Uma novela tem o dever de se engajar em campanhas que resultam em benefício da população", explicava Manoel Carlos.
Críticas de católicos a Laços de Família
Em outubro de 2000, a produção da Globo encaminhou um pedido à Arquidiocese do Rio para gravar o casamento de Edu e Camila em uma igreja de verdade, o que foi negado pelo cardeal Eugênio de Araújo Sales.
A ideia era gravar na Capela São Pedro de Alcântara, da UFRJ, na Urca. Na ocasião, a assessoria de imprensa da entidade afirmou que a novela apresentava "valores contrários aos da família, além de ferir a moral cristã".
"Parece incrível a exaltação de taras morais, o elogio e apoio aos desvios sexuais como sendo algo aceitável, a transformação da imoralidade em atitude normal na convivência social", esbravejava Sales.
A Globo, então, usou uma igreja cenográfica usada na antecessora de Laços de Família, Terra Nostra, para fazer as cenas - que precisariam, ainda, ser regravadas por conta da decisão liminar citada anteriormente.
Disputa entre Globo e Record por Laços de Família
No primeiro trimestre de 2000, a Record iniciava a produção de uma novela que contaria com o mesmo nome que a da Globo, Laços de Família. A trama contava com artistas como Irene Ravache, Carlos Casagrande, Eriberto Leão e Cláudio Cavalcanti.
Solange Castro Neves, a autora, cogitou mudar o título, mesmo que a produção já tivesse começado, para Laços de Ternura ou As Herdeiras para evitar confusão, mas demonstrava insatisfação.
"O nome da minha novela está registrado. Por que eu é que tenho de mudar? Durante muito tempo, sugeri na Globo títulos como esse, mas eles diziam que era piegas...", reclamava Solange.
O martelo foi batido no fim de março de 2000. Laços da Família, que foi registrado antes pela Globo, foi deixado de lado, e a Record lançou a novela como Marcas da Paixão.
Participação especial de Raí em Laços de Família
O jogador de futebol Raí, que havia anunciado sua aposentadoria do esporte jogando pelo São Paulo meses antes, fez uma participação em Laços de Família ao se deparar com a personagem Ciça em um aeroporto. Clique aqui para assistir a cena.
Laços de Família foi a primeira oportunidade na TV, ou ao menos a primeira grande chance de brilhar, de alguns nomes conhecidos da dramaturgia brasileira hoje.
Entre eles, Reynaldo Gianecchini, que deu vida a Edu, personagem que 'disputou' mãe e filha, vividas por Vera Fischer e Carolina Dieckmann. À época, com currículo de ex-modelo e tendo atuado em apenas duas peças de teatro, ganhou sua chance de ouro na novela.
"Percebo as limitações, sei que preciso melhorar, mas está sendo bacana", contou Gianecchini ao Estadão à época.
Casado com Marília Gabriela [o casal se divorciou em 2006], ele também negava boatos de romance com Vera Fischer, sua companheira de cena: "Não gosto de falar do caso porque é mentira. Não penso em ter nada com ela. Minha vida não pode ser chamariz de novela".
Laços de Família também foi a primeira novela de Juliana Paes na TV. Ela deu vida à empregada Ritinha, que tinha um caso com seu patrão, Danilo (Alexandre Borges), engravidando de gêmeos.
Giovanna Antonelli, por sua vez, já tinha trabalhado em diversas produções, mas ganhava sua primeira oportunidade no horário nobre da Globo. Para viver a prostituta Capitu em Laços de Família ela saiu do elenco de Malhação.
"As garotas de programa são inteligentes, falam corretamente e vestem-se como qualquer moça da minha idade", falava sobre sua personagem.
O figurino da Capitu foi tendência durante o verão brasileiro à época em que a novela foi exibida, e sua personagem chegou a ser indicada como a mais querida pelo público em pesquisa.
Laços de Família também foi o primeiro trabalho de Paulo Zulu como ator: "Sei que muitos atores temem perder espaço para modelos, mas a TV precisa de galãs".
Gravações de Laços de Família no Japão
Como é costume em diversas novelas, Laços de Família também contou com gravações no exterior, mais especificamente nas cidades de Tóquio, Kyoto e Nikko, no Japão.
Quando os atores voltaram ao Brasil, a sequência de algumas cenas precisou ser gravada. O hotel Le Mèridien, do Rio de Janeiro, emprestou itens para ajudar na continuidade de algumas que foram iniciadas no hotel da mesma rede em Tóquio.
A trama de Laços de Família
Laços de Família começa com a protagonista Helena (Vera Fischer) conhecendo Edu (Reynaldo Gianecchini). Ela usava o celular enquanto dirigia quando se envolveu em um acidente com o carro dele.
Com uma diferença de idade de quase 20 anos, os dois se envolvem em um romance, que tem a desaprovação de Alma (Marieta Severo), tia de Edu. Camila (Carolina Dieckmann), filha de Helena, acaba se apaixonando pelo namorado da mãe.
Com o tempo, a personagem de Vera Fischer resolve se afastar do amado para que sua filha possa ser feliz com ele. Helena, então, se envolve com Miguel (Tony Ramos), dono da livraria Dom Casmurro. As coisas mudam quando Camila descobre estar com câncer.
Carolina Dieckmann raspa o cabelo para Laços de Família
O tratamento de leucemia ao qual Camila teria que passar dependia de um transplante de medula óssea. Seu irmão, Fred (Luigi Baricelli) era o doador em potencial, mas Helena revelou que os dois tinham pais diferentes, que inviabilizaria as chances de compatibilidade.
Helena resolve se distanciar de Miguel e tenta ter um novo filho com Pedro (José Mayer), o verdadeiro pai de Camila - ainda que nem ele soubesse do fato, mantido em segredo por Helena por décadas - para salvar a filha.
A personagem de Vera Fischer dá à luz Vitória, que doa medula óssea e salva a personagem de Carolina Dieckmann. Helena termina a novela ao lado de Miguel, enquanto Camila fica feliz com Edu.
Em uma cena histórica, a atriz Carolina Dieckmann chora ao raspar seu cabelo ao som da música Love By Grace, de Lara Fabian.
"Sempre me perguntam se foi a cena mais emblemática da minha carreira. Sem dúvida, se tivesse que escolher uma, seria essa", comenta a atriz em 2020, por meio de sua assessoria de imprensa.
Em seguida, continuou: "Raspar a cabeça é um rito de passagem, até, em algumas religiões. E a cena simboliza bem o que foi esta novela para mim. Era meu primeiro trabalho depois do nascimento do Davi, e, até aquele momento, eu estava em dúvida sobre o que fazer da vida, se ia querer continuar a ser atriz".
"Ter ganhado esse papel, escrito especialmente para mim pelo Maneco, foi incrível. Minha escolha consciente sobre seguir a carreira aconteceu a partir dali", continuou Carolina, que relembra que as gravações no Japão foram a primeira vez que precisou se afastar do filho.