Logo no início do ano, veio o primeiro baque. Perdíamos Elza Soares em 20 de janeiro, aos 91 anos, a Voz do Milênio eleita pela BBC de Londres, a mulher que veio do “planeta fome”, como ela mesma disse num programa de calouros de Ary Barroso. Começava um ano trágico para a música brasileira. Ainda iríamos nos despedir de dois outros gigantes. Em 9 de novembro, o Brasil ficou em choque com a notícia da morte de Gal Costa, aos 77 anos, após um afastamento da turnê que estava fazendo para um procedimento cirúrgico. E no dia 22 do mesmo mês, foi a vez de lamentarmos a partida de Erasmo Carlos, aos 81 anos.
Elza, Gal e Erasmo foram pilares da música brasileira nas últimas décadas. Dona de um suingue único e uma das rainhas do samba, Elza ganhou prestígio no Brasil e no mundo pela destreza em brincar com sua enorme capacidade vocal. Viúva do craque Garrincha, nunca esteve à sombra do jogador, construindo uma carreira na qual enfrentou dificuldades e preconceitos, tornando-se uma das vozes mais ativas contra o racismo. Ia do romântico ao samba, do jazz ao rock com extrema versatilidade e trabalhou até o final da vida. Com alguns problemas de saúde devido à idade avançada, morreu de causas naturais.
Já Gal Costa foi a grande estrela do Tropicalismo, ao lado dos astros Caetano Veloso e Gilberto Gil. Com os dois, mais Maria Bethânia, formou o grupo Doces Bárbaros, mas foi na carreira solo que a cantora de voz aguda e afinadíssima se destacou com trabalhos que figuram entre os mais importantes da MPB. Sua interpretação imortalizou canções de Chico Buarque, Caetano, Gil, Djavan, Luiz Melodia, Cazuza e Milton Nascimento, entre tantos outros que ajudou a revelar. Também gostava de variar estilos e, em 57 anos de carreira, conquistou o reconhecimento de ser uma das maiores cantoras que o Brasil já teve.
Erasmo Carlos, por sua vez, era o Tremendão, um dos pais da Jovem Guarda, parceiro inseparável de Roberto Carlos e autor de várias das músicas mais populares do País, como os sucessos Emoções, É Preciso Saber Viver e Além do Horizonte. Também inesquecíveis são suas versões para hits do rock dos anos 1950 e 1960, dando a ele o pioneirismo do ritmo no Brasil. Com seu 1,93m, era chamado de “Gigante Gentil” e ajudou a construir pontes entre diversos estilos da nossa música, sendo muito respeitado por todas as turmas. Erasmo morreu por inchaços generalizados que comprometeram órgãos e tecidos.
Mais perdas na música
A música, no Brasil e no mundo, sofreu outras perdas importantes em 2022. No mesmo dia do falecimento de Gal Costa, morreu em São Paulo o compositor, ator e apresentador Rolando Boldrin, aos 86 anos. Famoso por canções que falavam do interior, como Eu, A Viola e Deus, ele atuou em novelas na TV Tupi, como as primeiras versões de A Viagem e Mulheres de Areia, e a partir dos anos 1980 tornou-se apresentador de programas que traziam a cultura do Brasil para o palco, como Som Brasil (Rede Globo) e Sr. Brasil (TV Cultura). Neles, Boldrin encantava com seu modo muito especial de contar causos.
Já a cantora Paulinha Abelha, da banda Calcinha Preta, teve uma morte precoce, aos 43 anos, depois de passar mal e entrar em coma. Laudos apontaram a presença de muitas substâncias químicas presentes em medicamentos no corpo da atriz, que teve rins, fígado e pressão arterial afetadas. Outra morte repentina foi a do baterista da banda Foo Fighters, Taylor Hawkins. Aos 50 anos, ele estava em turnê pela América do Sul (viria ao Brasil), quando foi encontrado morto no seu quarto de hotel em Bogotá, na Colômbia, pouco antes de um show. No seu organismo, foram encontrados opiáceos, maconha e antidepressivos.
O músico e poeta Luiz Galvão, um dos fundadores do grupo Novos Baianos, morreu aos 87 anos em 22 de outubro. Ele estava internado no Hospital do Coração, em São Paulo. Já o multi-instrumentista e arranjador Paulo Jobim, filho do maestro Tom Jobim, morreu em 4 de novembro, aos 72 anos, de câncer. O cantor e compositor Ruy Maurity, que obteve grande sucesso nos anos 1970 e autor de sucessos como Serafim e Seus Filhos, morreu, também aos 72 anos, em 1 de abril, depois de sofrer paradas cardíacas após uma endoscopia. Por fim, a lenda do rock Jerry Lee Lewis morreu aos 87 anos, em setembro, nos EUA.
Ícones negros
Dois ícones negros das artes cênicas se despediram em 2022. Sidney Poitier, o primeiro ator negro a ganhar um Oscar por sua atuação em Uma Voz nas Sombras, de 1963, tinha 94 anos. Chamado de “O Príncipe de Hollywood”, ele era reverenciado por seu pioneirismo por artistas afroamericanos de várias gerações, como Denzel Washington e Viola Davis, que reconheciam sua importância para abrir caminhos, conquistar espaços e quebrar tabus, como fazer par com atrizes brancas, algo por muito tempo inconcebível na indústria do cinema. Seu papel contra o racismo também foi homenageado em várias oportunidades.
No Brasil, perdemos um ator que teve atuação semelhante por aqui. Milton Gonçalves morreu em 30 de maio, aos 88 anos, depois de uma longa convalescença após ter sofrido um derrame cerebral. Um dos primeiros artistas contratados pela Rede Globo ainda em sua fundação, em 1965, Milton foi presença constante na nossa telinha, em novelas, séries e especiais. No último deles, Juntos A Magia Acontece, fazia um Papai Noel negro. Esteve no elenco de novelas como O Bem-Amado, Pecado Capital, Irmãos Coragem e Sinhá Moça, e de filmes como Eles Não Usam Black-Tie, Lúcio Flávio, Macunaíma e Cinco Vezes Favela.
Pranto na comédia
O mês de agosto foi especialmente triste para o humor brasileiro. No dia 5, o Brasil acordou com a notícia da morte de Jô Soares, uma das personalidades mais populares da TV, seja com seus programas de humor, seja como entrevistador nos finais da noite, primeiro no SBT, depois na Globo. Ele tinha 84 anos e enfrentava problemas cardíacos e circulatórios. Desde o programa A Família Trapo, na TV Record, nos anos 1960, passando por Viva O Gordo, até o Programa do Jô, na Globo, exibido até 2016, ele esteve sempre no ar, fazendo graça e desfilando sua inteligência. Também era romancista, dramaturgo e diretor teatral.
Por uma dessas tristes coincidências, uma das atrizes que estrearam num dos programas de Jô Soares, Cláudia Jimenez, morreu poucos dias depois de seu mestre, no dia 20 de agosto. Gravada na memória do público com personagens como Cacilda, da Escolinha do Professor Raimundo, e a empregada Edileuza, da sitcom Sai de Baixo, Cláudia teve vários problemas de saúde, inclusive um câncer, cujo tratamento fragilizou seu músculo cardíaco. Ela também fez novelas na Globo e foi sucesso no teatro. Uma delas foi Como Encher um Biquíni Selvagem, escrita para ela por Miguel Falabella. A atriz tinha 63 anos.
Outros participantes de programas de humor famosos na TV também morreram em 2022. Roberto Guilherme, que interpretou o atrapalhado Sargento Pincel em Os Trapalhões, faleceu em novembro, aos 84 anos, de câncer. Nádia Carvalho, que deu vida à Dona Santinha Pureza, da Escolinha do Professor Raimundo, além de ser uma requisitada dubladora de animações, morreu aos 67 anos, em julho, em consequência de um AVC. E o comediante Ivanildo Gomes Nogueira, conhecido pelo personagem Batoré do humorístico A Praça É Nossa, do SBT, morreu em janeiro, de infecção generalizada.
Luto no cinema, na TV e no teatro
Em 2022, o mundo perdeu um dos mais criativos e revolucionários cineastas do século 20. O francês Jean-Luc Godard, pioneiro do influente movimento da Nouvelle Vague e diretor de clássicos como Acossado, tinha 91 anos e preferiu fazer uso do suicídio assistido, direito assegurado na Suíça, onde morava. Outro diretor de renome, este brasileiro, também partiu neste ano. Breno Silveira, autor do grande sucesso 2 Filhos de Francisco, que conta a história da dupla goiana Zezé di Camargo & Luciano, tinha 58 anos e teve um mal súbito quando filmava as primeiras cenas de seu novo filme, em Pernambuco, e não resistiu.
Atores e atrizes relevantes também perderam a vida no ano que termina. William Hurt, que ganhou um Oscar de Ator Coadjuvante por seu desempenho no filme O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco, morreu em março, uma semana antes de completar 72 anos, de câncer. James Caan, que interpretou um dos filhos de Dom Corleone no clássico O Poderoso Chefão (papel que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Ator Coadjuvante), morreu em julho, aos 82 anos. Já Ray Liotta, que trabalhou em Os Bons Companheiros, de Martin Scorsese, tinha 67 anos quando faleceu enquanto dormia, em 26 de maio.
Olivia Newton-John, que fez tanta gente dançar ao som das canções que entoou nos filmes Grease, ao lado de John Travolta, travou uma longa batalha contra o câncer nas várias vezes que ele apareceu, mas em 8 de agosto seu organismo não resistiu. Ela tinha 73 anos. Anne Heche, atriz de sucessos como Volcano e 6 Dias, 7 Noites, morreu em agosto, aos 53 anos, depois de ficar internada com graves queimaduras após um acidente de carro, em Los Angeles. No início de dezembro, os fãs dos filmes da franquia Olha Quem Está Falando se entristeceram com a morte de Kirstie Alley, aos 73 anos, de câncer.
Outros veteranos do cinema nos deixaram em 2022. A atriz britânica Angela Lansbury estava prestes a completar 97 anos quando morreu em outubro. Indicada três vezes ao Oscar, ficou conhecida por interpretar uma detetive na série Assassinato por Escrito, além de fazer filmes baseados em grandes clássicos da literatura. Já a italiana Monica Vitti tinha 90 anos e morreu em fevereiro, em Roma. Dona de uma beleza incomum, estrelou vários filmes do diretor Michelangelo Antonioni. E aos 83 anos, Paul Sorvino morreu em julho. Ator famoso por seus papéis de gângster, ele era pai da atriz Mira Sorvino, ganhadora do Oscar.
No Brasil, também houve muitas perdas. Uma das mais recentes foi a do ator Pedro Paulo Rangel, presença constante nos palcos e na TV, com papéis em novelas como Vale Tudo, Belíssima e O Cravo e a Rosa. Ele teve enfisema pulmonar e morreu aos 74 anos. Em junho, partiu a atriz Marilu Bueno, aos 82 anos. Ela ficou conhecida por seus papéis em novelas como A Gata Comeu e Guerra dos Sexos. Outra atriz muito familiar ao público faleceu aos 64 anos, em janeiro. Françoise Forton fez novelas de sucesso, como Tieta, Bebê a Bordo e Por Amor. Ela vinha tratando um câncer há muitos anos.
A atriz Suzana Faini, outra atriz que esteve em produções conhecidas de nossa TV, morreu em abril, aos 89 anos, por complicações da doença de Parkinson. Ela trabalhou em novelas como Top Model, Salve Jorge e A Favorita. Já Márcia Manfredini, nome conhecido no teatro paulista e em programas de humor, como A Grande Família, morreu no início de dezembro, aos 62 anos. E agora, na última semana do ano, a TV perdeu o diretor Reynaldo Boury, de extensa carreira em várias emissoras, desde a TV Excelsior, nos anos 1960, passando pela Globo, onde dirigiu novelas, e SBT, implantando produções infanto-juvenis. Tinha 90 anos.
Em 2022 também faleceram atrizes que foram muito conhecidas em décadas passadas, mas que estavam afastadas. Caso de Djenane Machado, que morreu em março, aos 70 anos. Ela viveu a Bebel, da primeira versão de A Grande Família. Aos 96 anos, morreu em julho a atriz Maria Fernanda, que trabalhou em novelas como Gabriela e Pai Herói. Ela era filha da poeta Cecília Meirelles. Em janeiro, já havia partido Thereza Amayo, aos 88 anos, de câncer. Ela trabalhou em novelas como Sangue e Areia e Pecado Capital. Em junho, Ilka Soares morreu três dias antes de completar 90 anos. Ela fez novelas como Top Model.
Artistas que fizeram carreira, sobretudo, nos palcos também deixaram saudades. Hugo Rodas, diretor uruguaio radicado no Brasil, morreu em abril, aos 82 anos. Professor de teatro da Universidade de Brasília, era uma referência com suas montagens criativas. Já o ator Rubens Caribé morreu aos 56 anos, de câncer. Na TV, ele participou de produções como Anos Rebeldes e Fera Ferida. O Brasil perdeu em fevereiro o ator e dublador Isaac Bardavid, aos 90 anos. Ele dava voz ao personagem Wolverine no Brasil. O ator Hugh Jackman, que interpreta o mutante no cinema, prestou uma homenagem.
Lágrimas no jornalismo
Em 2022, três dos principais repórteres fotográficos brasileiros se despediram, todos eles especializados na cobertura política em Brasília. Orlando Brito, premiado profissional de veículos como Veja e O Estado de São Paulo, tinha 72 anos quando foi vencido pelo câncer, em março. Outro profissional do Estadão, Dida Sampaio, morreu em fevereiro, após um AVC, aos 53 anos. Também referência na área, Sérgio Amaral, que atuou para jornais como Correio Braziliense e ganhou vários prêmios nacionais e internacionais, sucumbiu a um câncer de pulmão e a um enfisema, em junho, aos 67 anos.
Dois homens que coordenaram o jornalismo de grandes grupos de comunicação faleceram neste ano. Luiz Fernando Rocha Lima, diretor-geral de Jornalismo do Grupo Jaime Câmara entre 2000 e 2016, depois de ter comandado emissoras da TV Anhanguera no Tocantins e o Jornal de Brasília, morreu em dezembro, de um câncer, aos 75 anos. Em maio, Alberico Souza Cruz, que comandou o jornalismo do Grupo Globo nos anos 1990, faleceu aos 84 anos, de leucemia. Em setembro, partiram o comentarista esportivo Sílvio Lancellotti, aos 78 anos, e Susana Naspolini, repórter da Globo, vítima de câncer aos 49 anos.
Vazio na literatura
Num mesmo ano perder Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon? Definitivamente, 2022 não foi um ano dos mais fáceis para a literatura brasileira. A data de nascimento da autora de As Meninas e Seminário dos Ratos não é consensual. Sempre se acreditou que ela teria vindo ao mundo em 19 de abril de 1923, mas após seu falecimento, surgiu a informação de que, na verdade, ela teria nascido em 1918. Seja como for, Lygia Fagundes Telles era um pilar de nossa literatura no último século e ainda que não lançasse algo inédito já há algum tempo, o legado desta integrante da Academia Brasileira de Letras é inestimável.
E por falar em ABL, a primeira mulher a comandar a instituição foi Nélida Piñon, que morreu agora em dezembro, aos 85 anos. Dona de uma prosa poderosa em romances, contos e crônicas, ela gostava de salientar a resistência feminina em suas histórias. Também em dezembro, morreu Sérgio Flaksman, um dos mais importantes tradutores brasileiros, aos 73 anos, de complicações da Covid. O poeta Thiago de Mello, um porta-voz da Amazônia na literatura, partiu em janeiro, aos 95 anos, em Manaus. Já o espanhol Javier Marías, nome de relevo na literatura hispânica, faleceu em setembro, de problemas pulmonares.
Quem também se foi
Arnaldo Jabor – Cineasta premiado, cronista e comentarista político polêmico, Jabor morreu aos 81 anos, após sofrer um AVC. Entre seus filmes, destaca-se Eu Sei Que Vou Te Amar.
Elifas Andreato – Designer gráfico e artista plástico de referência, sobretudo na concepção de capas de discos, morreu em março, aos 76 anos, de infarto.
Sérgio Paulo Rouanet – Ex-ministro da Cultura no governo Collor, ele batizou a lei de incentivo na área. Era filósofo, diplomata e escritor. Morreu aos 88 anos, em julho.
Robbie Coltrane – Imortalizado no imaginário dos fãs da franquia Harry Potter como o personagem Hagrid, o ator britânico tinha 72 anos e morreu de falência dos órgãos.
Coolio – Um dos rappers norte-americanos mais conhecidos da atualidade e que emplacou o hit Gangsta's Paradise, morreu aos 59 anos, em setembro. Ele ganhou um Grammy.
Bob Saget – Um dos atores da série Três É Demais, ele foi encontrado morto em janeiro em um hotel na Flórida, aos 65 anos. Saget sofreu uma queda e teve traumatismo craniano.