Em contraponto à ficção, aos contos de fada e às belas princesas que esperam ser resgatadas por um príncipe, a série “Antiprincesas”, lançada pela editora argentina Chirimbote, traz histórias de mulheres reais que, através da luta e da superação, transformaram suas próprias vidas. São histórias de liberdade, criatividade, busca pela justiça e amor. “A ideia de se levar para crianças a vida dessas mulheres que deixaram marcas de sua personalidade e contribuição travando, de diferentes formas, uma batalha pela vida, é excelente”, opina Ieda de Oliveira, escritora, crítica literária e especialista em Literatura Infantil e Juvenil pela UFRJ.
Lançada em junho do ano passado, a série foi inaugurada com um livro sobre a pintora mexicana Frida Khalo. Depois, vieram Violeta Parra, cantora, compositora e considerada a mais importante folclorista do Chile e Juana Azurduy, a militar boliviana que lutou pela independência daquele país.
A mais recente heroína escolhida para aumentar a coleção foi a escritora naturalizada brasileira Clarice Lispector, uma das mais importantes do século XX.
“Clarice foi uma mulher intensa, teve uma vida intensa e uma obra de profundidade ímpar. Apresentar Clarice é permitir que os pequenos leitores possam ver e sentir a beleza e dor da arte de ser e escrever”, sugere Ieda, que considera a escolha da premiada escritora, perfeita.
Clarice transitou nos universos adulto e infantil ao longo de sua trajetória na escrita. Para os pequenos, sua primeira obra foi "O mistério do Coelhinho Pensante", uma exigência do seu filho caçula, Paulo, que nasceu em 1953. A autora fez mais outros três livros infantis: "A mulher que matou os peixes", "A vida íntima de Laura" e "Quase de verdade". Para o público mais maduro, sua principal obra foi "A Hora de Estrela". Mas assim como a vastidão de seus escritos, Clarice teve uma vida movimentada: trabalhou em diversos lugares, morou em diferentes países e teve momentos de altos e baixos.
A série conta, ainda, com dois personagens masculinos: o escritor argentino Julio Cortázar e o uruguaio Eduardo Galeano. As edições sobre Frida Khalo e Violeta Parra já possuem versão em português.
Heroínas reais ou contos de fada?
A ideia de apresentar às crianças exemplos de mulheres reais, fugindo dos estereótipos da indústria de entretenimento, pode ser enriquecedora e muito positiva. Assim como explorar o mundo da fantasia é extremamente importante para o desenvolvimento infantil. Segundo Ieda, são, apenas, olhares diferentes. “Saber da existência de heróis e heroínas de carne e osso pode, sem dúvida, alimentar e instigar muito o imaginário da criança conduzindo à realidade e mostrando os limites e extensão do humano. Já os contos de fada atuam na esfera do maravilhoso, do improvável, do impossível que é vivido como possível no jogo do faz de conta”.
A escritora aponta que, no geral, a criação literária reflete o momento histórico e cultural em que foi produzida. Por isso, as personagens “clássicas” são submissas, sonhadoras e isentas de direitos. Dentro dessa lógica, é natural que na construção das personagens femininas, hoje, essa visão soe “absurda e descontextualizada”.