Os muros às margens do Rio Vermelho, na cidade de Goiás, se tornaram testemunhas da trajetória única do artista plástico Veiga Valle (1806-1874), revelando as nuances de sua genialidade. Nove fotografias que capturam a fé dos goianos adornam a Galeria Beira Rio, fachada externa do Instituto Biapó e do Museu Casa de Cora Coralina, transportando os visitantes para o seu universo criativo. Os registros são do fotógrafo Paulo Rezende e a curadoria é de PX Silveira. A exposição de longa duração marca o início das celebrações dos 150 anos da morte de um dos principais nomes das artes de Goiás.
“Veiga Valle é um artista santeiro que se destaca enormemente pelo detalhamento, planejamento e pela técnica apurada que utilizava na produção de suas obras. Elas são fantásticas do ponto de vista do acabamento, algo que os estudiosos ficam perplexos quando as analisam, considerando que não existem registros que o artista tenha atravessado as fronteiras de Goiás para aprender isso. Tudo isso fez com que ele se transformasse em um dos ícones da nossa história, porque antes dele talvez não existisse uma produção. Ele é o início de tudo”, destaca PX Silveira, que é coordenador do Instituto Biapó.
Os trabalhos são reproduções fotográficas das obras do acervo do Museu de Arte Sacra da Boa Morte e foram feitas em 2011 para um livro editado pelo então Instituto Casa Brasil de Cultura, para o governo de Goiás. As imagens medem 2 metros de largura por 1,5 de altura e estão em cartaz desde dezembro de 2023 embaixo das janelas do Instituto Biapó e da Casa de Cora Coralina proporcionando uma visão privilegiada para o público que atravessa a ponte sobre o Rio Vermelho. O conjunto exposto foi impresso em material resistente ao sol e à chuva e montado em chassi de metalon.
Anteriormente, o mesmo espaço já recebeu outras duas exposições de longo prazo. A primeira ocupou o local pelo período de um ano e exibiu imagens do Rio Vermelho transbordando em várias enchentes ao longo de sua história, chamando atenção para o cuidado com o meio ambiente. A segunda, em cartaz por oito meses, levou para debaixo das janelas fotografias de desenhos do artista Octo Marques (1915-1988) em nanquim - técnica de desenho que utiliza tinta preta e branca. De acordo com a curadoria, a previsão é que a mostra a céu aberto de Veiga Valle permaneça até o segundo semestre.
Paulo Rezende fotografou Veiga Valle pela primeira vez para o próprio Museu da Boa Morte no final da década de 1990, na ocasião da restauração do edifício levantado em 1779 e que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ele registrou todas as obras para documentação e catalogação do acervo que conta com cerca de mil peças, de vários autores, composto por prataria, mobiliário, porcelana, retábulos, indumentárias, gravuras e pinturas, coroas, cálices, tocheiros e lampadários dos séculos 18 e 19.
Boa parte da produção de Veiga Valle está no Museu da Boa Morte e na mão de colecionadores. As imagens da exposição retratam o seu ofício como um dos mais refinados santeiros de Goiás e do Brasil. O artista produziu uma variedade imensa dos mais diversos santos, de acordo com a devoção de cada pessoa que encomendava. Destacam-se as Madonas, representadas por Nossa Senhora da Conceição, d’Abadia, dos Remédios, das Dores, da Penha, do Bom Parto, das Mercês, da Guia, do Carmo, do Rosário e da Natividade. No tocante aos santos, os Meninos Jesus e Santo Antônio são os mais recorrentes.
Veiga Valle
Nascido em Arraial da Meia Ponte, hoje Pirenópolis, José Joaquim da Veiga Valle desenvolveu-se nas artes em grande parte de forma autodidata, sem um aprendizado formal e acadêmico. Desde cedo, dedicou-se a esculpir, sobretudo, santos, sob forte influência da arte portuguesa. Na carreira, não se sabe ao certo quantas obras ele produziu. As principais características da sua arte são os detalhes e os acabamentos de sua estatuária religiosa, que estão, segundo muitos especialistas, entre os mais belos do gênero. Outro detalhe é que ele utilizava o cedro, sua madeira preferida por ser macia e durável.
Os trabalhos de Veiga Valle começaram a ter visibilidade a partir da década de 1830. Uma de suas primeiras esculturas a ficarem famosas foi a da imagem do Divino Pai Eterno, encomendada por devotos. Pouco tempo depois, ele passou a receber diversos pedidos. Em 1841, ele mudou-se para a cidade de Goiás, quando começou a trabalhar na douração dos altares da igreja matriz, para, em seguida, partir para a escultura de imagens sacras. Ele morreu no dia 24 de janeiro de 1874 e sua obra ganhou notoriedade décadas depois, quando foram feitas catalogações, exposições, como no Museu de Arte de São Paulo.
Celebrações
Além da exposição na cidade de Goiás e do lançamento do Selo Sesquicentenário de morte do artista, criado por Gino Achkar Petrillo, uma extensa programação está prevista para janeiro. No dia 21, em Pirenópolis, será realizada a abertura oficial da 1ª Semana Veiga Valle, com a exibição do filme Passos da Tradição, de Carlos Cipriano, no Cine Pireneus, às 14 horas. Cortejo, missa na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, recital e serenata pelas ruas da cidade histórica completam a agenda de homenagens ao escultor.
De 22 a 27 de janeiro será a vez da cidade de Goiás celebrar a data. A abertura será às 20 horas com a exposição Veiga Valle, na Villa Boa de Goyaz, da fotógrafa Karina Carvalho, na Igreja São Francisco de Paula. Visita guiada ao Museu de Arte Sacra da Boa Morte, missas, serenata e uma mesa-redonda com os principais pesquisadores da obra de Veiga Valle, caso de Elder Camargo de Passos, que tem catalogado mais de 200 obras do artista. O evento é organizado pela Venerável Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos, da ex-capital de Goiás. Vale lembrar que Veiga Valle também era membro da entidade, tendo assinado termo de compromisso em 30 de março de 1862.