Não era uma excursão diplomática, mas um acerto de contas de sangue do mesmo sangue. O imperador deixou para trás o local onde cresceu, se formou e fez a independência a fim de preparar a luta contra o irmão Miguel pelo trono em Portugal, onde é tido como traidor.
A Viagem de Pedro, protagonizado por Cauã Reymond e que estreia nesta quinta-feira (1º) no Cine Cultura, retrata uma passagem de d. Pedro I, durante o retorno ao país natal, em 1831. O longa, dirigido e roteirizado por Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças e Como Nossos Pais), aborda um capítulo sem muitos registros.
Coprodução entre Brasil e Portugal, o filme tem como ponto forte seu elenco internacional. Francis Magee, integrante da Patrulha da Noite na série Game Of Thrones, vive o comandante Talbot, e Luise Heyer, atriz que deu vida a Doris Tiedemann em Dark, interpreta Leopoldina. A artista plástica Rita Wainer estreia como atriz no papel de Domitila. No elenco português, estão Victória Guerra (Amélia), Luísa Cruz (Carlota Joaquina), João Lagarto (d. João VI), Isac Graça (Miguel) e Isabél Zuaa (Dira). O diretor de arte inglês Adrian Cooper e o diretor de fotografia espanhol Pedro J. Márquez foram os responsáveis pelo trabalho de reconstrução da época.
O filme foi rodado no final de 2018, mas, por conta do fechamento das salas de cinemas durante o período mais pesado da pandemia e pela proximidade das comemorações do bicentenário da Independência, ficou na gaveta para ser lançado nesse momento. A estreia do longa também coincide com a chegada do coração de d. Pedro I para as festividades de 7 de setembro. O órgão do imperador, conservado há mais de 180 anos em uma solução de formol, dentro de um cálice revestido de mogno, pertence à cidade do Porto, em Portugal, e foi emprestado e recebido com honras de chefe de Estado no Brasil.
A Viagem de Pedro chega às telonas na semana que o Comitê Brasileiro de Seleção do Oscar 2023 anunciou o filme entre os pré-selecionados para representar o Brasil na categoria de melhor filme internacional, antigo melhor filme estrangeiro. De uma lista de 28 inscritos, foram escolhidos seis e disputam a preferência com o longa histórico: A Mãe, de Cristiano Burlan, Carvão, de Carolina Markowicz, Marte Um (em cartaz no Cine Cultura), de Gabriel Martins, Pacificado, de Paxton Winters, e Paloma, de Marcelo Gomes. Na segunda-feira (5), será conhecido o longa que disputará uma indicação para a maior festa do cinema mundial.
A obra da cineasta Laís Bodanzky já fez uma trajetória bem-sucedida antes mesmo da exibição para o grande público nacional. Em Portugal, foi lançado em maio, além de ter sido rodado no 19º Indie Lisboa – Festival Internacional de Cinema, no mesmo mês. Em junho, o longa-metragem venceu o prêmio de melhor filme da América no Septimius Awards, em Amsterdã (Holanda), foi exibido no Brooklyn Film Festival, em Nova York – que qualifica produções para concorrer ao Bafta e ao Oscar. No Brasil, ganhou raras sessões em 2021 como na 45ª Mostra de São Paulo e no 23º Festival do Rio de Janeiro.
Trama
Em 7 de abril de 1831, d. Pedro I abdicou do trono no Brasil e embarcou em uma fragata britânica de volta à Europa. A saída não foi nada amistosa, o que chega a desconstruir aquela imagem de herói do imperador tão presente na literatura. Os brasileiros o acusam de ganância, por querer governar dois impérios, o que afeta seu humor, pois ele batalhou para tornar a nação independente desde quando chegou com sua família aos 10 anos de idade. Em Portugal, é visto como um traidor, por ter escolhido o outro lado do Atlântico e ele precisa reunir força para derrotar o irmão, detentor do trono.
O caminho até Portugal é bastante doloroso para o ex-imperador principalmente por conta da sua condição física, pelo sentimento de rejeição de seu povo, por carregar a culpa pela morte de Leopoldina em 1826 e pela relação com a amante Domitila. Pedro começa a ter sinais de loucura enquanto luta com sintomas de uma doença, o que o abala psicologicamente já que ele se torna um homem impotente, logo ele que é conhecido por seu apetite sexual. Já com a segunda mulher, Amélia, o monarca busca remédios escondido nos porões da embarcação para os seus males com os trabalhadores negros.
Os tripulantes da fragata são a maioria serviçais escravos negros, que sonham em chegar à Europa para serem livres, além de membros da corte e oficiais. Além dessa questão, o protagonista apresenta certo arrependimento por sua insistência nas gestações seguidas da imperatriz - e por gestos violentos desferidos contra ela, tão gentil, inteligente e carismática. Ele também sofre por deixar sua família - d. Pedro II fica no Brasil com apenas 5 anos – mas, ao mesmo tempo, ele tenta manter sua imagem de monarca numa clara demonstração de força para a tropa vislumbrando uma guerra.
O trajeto foi de pouco mais de dois meses entre o embarque no Rio de Janeiro e o desembarque primeiramente na França. Ainda não se sabe como o filme vai retratar o desfecho do conflito. Mas, nesse período, d. Pedro buscou apoio militar para invadir Portugal e destituir seu irmão, fazendo de sua filha Maria II a rainha. Liderando um exército de 7 mil homens, ele foi para a guerra, onde teria de enfrentar um exército milhares de vezes maior que o seu. Ele inspirou os soldados de tal maneira que o improvável se tornou realidade. No entanto, ele não viveu muito para comemorar o reinado da filha e morreu mais tarde de provável tuberculose no dia 24 de setembro de 1834.