SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A TV Globo foi notificada extrajudicialmente pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) após um suposto episódio de intolerância religiosa envolvendo os participantes do BBB 23. A entidade afirma que o médico Fred Nicácio foi exposto, em cadeia nacional, a situações de constrangimento, ultraje e desprezo em razão de sua fé -e cobra uma reparação.
As falas questionadas ocorreram durante o feriado de Carnaval, quando os brothers Cristian, Key Alves e Gustavo se referiram de forma pejorativa à crença do médico. Enquanto Cristian relatou que teria visto Nicácio "fazendo os negócios dele" no quarto em que estavam, Gustavo afirmou que começou a rezar por medo, e Key Alves sugeriu que gostaria de deixar o programa por se sentir desconfortável.
Fred Nicácio, que é candomblecista, havia se levantado para pedir um remédio à produção. Ao retornar ao quarto em que os demais participantes dormiam, ficou parado momentaneamente enquanto tentava se orientar pelo cômodo escuro. A cena, no entanto, foi interpretada de outra forma por causa de sua crença.
"Salta aos olhos que a religião de Fred Nicácio 'justificou' expressões de medo, repulsa, estado de mal-estar, desconforto e ameaças de abandono do reality show, reverberando o discurso de ódio que diariamente demoniza as religiões afro-brasileiras e lhes atribui responsabilidade por todas as mazelas da humanidade", afirma o Idafro, em notificação enviada à TV Globo.
"A exibição pública do ultraje, aviltamento e menosprezo atinge frontalmente Fred Nicácio, na mesma proporção em que vulnera o sentimento religioso de milhões de brasileiros que professam as diferentes denominações das religiões herdadas do tráfico transatlântico", diz ainda.
Procurada pela reportagem, a TV Globo diz repudiar qualquer tipo de intolerância e preconceito. "A Globo respeita a diversidade e repudia com veemência qualquer tipo de intolerância e preconceito, em todas as suas formas, como foi pontuado por Tadeu Schmidt no BBB 23 no programa do dia 20 de fevereiro", afirma, em nota.
Após o ocorrido, o apresentador do programa, Tadeu Schmidt, fez uma intervenção ao vivo em que falou sobre a necessidade de se respeitar a diversidade religiosa.
"Todas as religiões têm o nosso respeito. Todas! Nenhuma religião é melhor do que as outras, nenhuma religião é pior do que as outras, não tem religião do bem e religião do mal. Todas têm os mesmos direitos, todas têm a nossa admiração. É assim no Brasil, é assim no BBB", disse.
O Idafro pede que a emissora efetue uma reparação pecuniária a Fred Nicácio e que seja dado, à entidade ou ao participante, o direito de resposta à situação. O instituto também quer que a Globo adote, imediatamente, "protocolos, programas, ações e medidas educativas que promovam igualdade de tratamento a todas as convicções filosóficas (ateus e agnósticos) e crenças religiosas".
"O Idafro é uma instituição que tem legitimidade para propor ações coletivas. Então, o direito de resposta pode ser dado ao Idafro ou pode ser assegurado ao rapaz para que ele se manifeste. A gente não quer especificar para que a Globo possa tomar uma decisão sobre isso", afirma o advogado Hédio Silva Júnior, coordenador-executivo da entidade.
"Para nós, o que é essencial é a adoção de protocolos e que se prepare a corporação e a cadeia de negócios para valorizar a diversidade religiosa", acrescenta.
Após ser eliminado do reality show, o participante Cristian se retratou pelo episódio. "Não foi a minha intenção falar mal de religião de ninguém. O preconceito não está enraizado na minha vida. A intolerância religiosa pesou um pouco mais na minha votação [de eliminação]", disse, em entrevista a Ana Maria Braga.
"Tentei conversar com ele sobre o que tinha acontecido, mas abri o olho assustado, vi uma pessoa parada ali e foi só isso. Vi nas imagens que não foi isso o que rolou e peço desculpas", acrescentou.