A rotina é fundamental para toda e qualquer criança. Para aquelas com desenvolvimento atípico, ela torna-se ainda mais importante.
Talvez isso explique por que o isolamento social e as mudanças no cotidiano trazidas pela pandemia da Covid-19 têm exigido dos pais de crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista (TEA) um esforço fora do comum.
A dificuldade em encontrar alternativas para as terapias, feitas de forma presencial, além das crises de humor causadas pela mudança repentina de rotina, são alguns dos muitos desafios.
“O início da quarentena foi o período mais difícil para nossa família. Meu filho tinha uma rotina de ir todo dia para a escola cedo, fazer as terapias durante a semana e, de uma hora para a outra, tivemos de interromper tudo”, explica a contadora Vera Lúcia Almeida Viana, de 42 anos, mãe do pequeno José Eduardo, de 6, diagnosticado com o TEA.
O transtorno engloba diferentes condições marcadas por perturbações do desenvolvimento neurológico, todas relacionadas com a dificuldade no relacionamento social.
No caso de José Eduardo, a alteração da rotina veio junto com crises de mudanças de humor. “Ele ficou muito agitado, estressado e ansioso. Tentamos fazer as terapias on-line, mas não funcionou muito bem. Notei também que houve regressão no aprendizado”, conta Vera, que se desdobra entre o trabalho em casa e a atenção ao filho.
Com a flexibilização da quarentena, o menino voltou a fazer algumas terapias presenciais, mas cercado de cuidados. “Ele tem muita sensibilidade sensorial. Apesar de aceitar o uso da máscara, leva muito a mão na boca. Então, toda vez que saímos, sei que o risco ainda é grande”.
Passeios diários de carro e na pracinha em frente à casa da família ajudam a aliviar o estresse.
Autistas, em geral, têm dificuldade de lidar com mudanças, por menores que sejam. Por isso, os especialistas sempre recomendaram que era importante manter o mundo da criança organizado e dentro de uma rotina, algo impossível em tempos de coronavírus.
“O mais preocupante nesse novo cenário que vivemos é a ausência da rotina de terapias, o que causa impacto no processo do tratamento dessas crianças”, destaca a fonoaudióloga Daniella de Pádua Sales Brom.
Além de autistas, crianças com paralisia cerebral, microcefalia, transtornos de percepção sensorial, surdas ou com dificuldades auditivas, entre outras, foram duramente impactadas com as medidas de isolamento social e prevenção à Covid-19.
Um dos maiores desafios ainda é o uso da máscara. “Embora fundamental, o uso não foi projetado analisando as consequências provocadas com a inclusão social de grupos, como as pessoas surdas ou com dificuldades auditivas que necessitam observar os movimentos labiais e as expressões faciais da outra pessoa para interagir”, exemplifica Daniella.
Também não considerou as dificuldades das crianças com TEA que, em muitos casos, não conseguem utilizá-las.
“Não só a obrigatoriedade do uso de máscaras, mas a necessidade de se manter em casa provocou enorme sofrimento para boa parte delas”, explica a fonoaudióloga. Para evitar que as crianças percam algumas das habilidades desenvolvidas com as terapias, o apoio de pais e responsáveis tem sido fundamental.
“Quando começamos o atendimento on-line, explicamos para as famílias que precisaríamos de um mediador para que a criança compreendesse as atividades. Nesses casos, os familiares tornaram-se coterapeutas e tivemos ótimas surpresas no empenho de cada família.”