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“Passamos a vida fugindo de abusadores”, diz Ana Paula Araújo

LEO AVERSA

“Não conheço uma mulher que não tenha passado por uma história de abuso sexual, seja mais ou menos grave”, diz a jornalista Ana Paula Araújo, apresentadora do Bom Dia Brasil, da Globo.

A afirmação reflete a normalização do comportamento dos homens pela sociedade, bem como a culpabilização do comportamento das mulheres pelos crimes ocorridos e a falta de atendimento a essas vítimas; é a chamada cultura do estupro. O tema foi pesquisado por Ana Paula durante quatro anos e o resultado pode ser conferido no livro Abuso - A Cultura do Estupro no Brasil, lançado na semana passada pela Globo Livros.

No decorrer das 320 páginas da publicação, a autora analisa alguns casos conhecidos e que provocaram comoção pública, mas também aqueles anônimos que acabaram se perdendo em meio às falhas da Justiça e da sociedade no apoio e atendimento a essas mulheres. No período de pesquisas, Ana Paula viajou pelos quatro cantos do País para entrevistar mais de uma centena de vítimas e seus familiares, criminosos, psicólogos, psiquiatras e outros especialistas, além de juízes e desembargadores envolvidos em casos.

A jornalista e apresentadora carioca integrou em 2011 a equipe do jornalismo da Globo que ganhou o prêmio Emmy Internacional pela cobertura da ocupação do Complexo do Alemão no ano interior. Na ocasião, Ana Paula ficou oito horas ininterruptas no ar.

No novo trabalho, o primeiro livro de sua carreira, ela pretende trazer reflexão acerca dos casos de abuso sexual e a urgência de se discutir a cultura do estupro no Brasil. “Conhecimento, discussão, informação são a base para qualquer mudança. Quis deixar minha contribuição para todas nós e para as gerações futuras, como a da minha filha”, explica. Em entrevista, ela contou sobre as motivações para escrever Abuso, como foi encarar as próprias lembranças e experiências em meio ao processo, as descobertas em relação ao casos, às vítimas e aos criminosos e qual será o tema do próximo livro.

 

Qual foi a sua maior motivação para dar início ao projeto do livro?

Comecei a pesquisar o tema há quatro anos. E acredito que a ideia tenha vindo do conjunto de todas nós, mulheres. O movimento feminino se fortaleceu nos últimos anos. Aumentaram as denúncias e, principalmente, a empatia. A tão falada rivalidade feminina vem cada vez mais dando espaço à compreensão, ao apoio e à solidariedade. Escolhi esse tema porque diz respeito a todas nós.

 

Tem alguma descoberta sobre o tema que te marcou em meio a esse processo de produção do livro?

A maioria dos casos acontece dentro de casa e as vítimas em geral são menores de idade. Nao esperava ter de falar de abuso sexual contra crianças, achei que era outra questão. Mas elas são as principais vítimas. E não por um surto de pedofilia, que é um distúrbio psiquiátrico relativamente raro. A maioria dos abusadores de criança não sofre de nenhum transtorno mental que possa, inclusive, servir de atenuante. São simplesmente criminosos covardes que se aproveitam da vítima mais fraca, mais fácil de dominar, seduzir e ameaçar, e que normalmente estão dentro de casa.

 

Como tem sido a recepção nesses primeiros dias?

A recepção tem sido enorme. Venho sendo procurada por muita gente que foi vítima de abuso sexual, de todos os tipos. Inclusive pessoas próximas que nunca ou pouco tinham conseguido falar sobre o assunto. Só reforça a necessidade de trazer o tema.

 

Se aprofundar nesses casos, principalmente enquanto mulher, pode ser um gatilho e tanto. Como você lidou com o emocional durante a produção?

Tive de voltar pra terapia. Foi muito duro dar de cara com minhas próprias lembranças e perceber como o abuso sexual, ou a ameaça dele, influencia a vida de todas nós, mulheres. Como passamos a vida fugindo de abusadores, o medo constante, a impotência mesmo diante dos ataques menos graves, dentro do transporte público, por exemplo. Por isso resolvi escrever o livro. Porque chega.

 

O quão urgente é falar sobre a cultura do estupro no Brasil?

Não conheço uma mulher que não tenha passado por uma história de abuso sexual, seja mais ou menos grave. Piadinhas absurdas e assédio no transporte público, por exemplo, são algo que todas nós conhecemos bem. Podem parecer pouco, mas fazem parte de uma cultura de desvalorização da mulher que também está por trás dos casos mais graves de estupro. Precisamos em definitivo nos unir e falar sobre isso. Conhecimento, discussão e informação são a base para qualquer mudança. Quis deixar minha contribuição para todas nós e para as gerações futuras, como a da minha filha.

 

Você analisou casos famosos, mas casos anônimos também. Existe algum padrão entre eles?

Não há exatamente um padrão. Encontrei vítimas de todas as idades e classes sociais. Estupradores também podem ser encontrados entre pais de família e estudantes universitários, por exemplo. É importante desmistificar a ideia de que o estuprador só age em ruas desertas, tarde da noite, contra mulheres descuidadas. Os casos acontecem a qualquer horário, o estuprador em geral conhece a vítima e não há nenhum comportamento da vítima que estimule ou impeça um estupro. É absurdo pensar que mulheres com roupas decotadas façam alguém se tornar um estuprador.

 

Você entrevistou também abusadores/estupradores, psiquiatras e outros especialistas. Por que é importante o público entender sobre os perfis desses homens que abusam?

Porque muitos homens sequer se sentem culpados. É muito comum homens que cometeram abusos se justificarem, dizendo que não foi tão grave assim, que foi a vítima que “pediu”, ou que se insinuou. São homens estupradores que, ao mesmo tempo, condenam o estupro porque não conseguem enxergar e admitir para si mesmos o crime que cometem. Acho importante que os homens avaliem e questionem seus pensamentos e suas atitudes nessa área.

 

Têm planos para um próximo livro?

Sim. Meu próximo livro será sobre violência doméstica. Mais uma vez, quero discutir a desigualdade de gênero.

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