Famosos

Sertanejo Chrystian, que formou dupla com Ralf, morre aos 67 anos

Divulgação

Aquelas vozes eram totalmente incomuns no universo sertanejo quando os irmãos José Pereira da Silva e Ralf Richardson da Silva, conhecidos como Chrystian e Ralf, conseguiram formar uma dupla de sucesso no segmento, estourando com o álbum "Quebradas da Noite", em 1983. A combinação dos ápices agudos da primeira voz de Ralf e a suavidade da extensão vocal de tenor de Chrystian fazendo a base da segunda voz era um encontro mais que feliz: era único. Primeira dupla sertaneja originada de Goiás a ganhar dimensão nacional – abrindo o caminho para as tantas que vieram após, como Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano, Bruno e Marrone e Jorge e Mateus –, Chrystian e Ralf trouxeram para o gênero uma outra leitura possível para as canções que interpretavam.

A afinação irretocável, o pleno domínio técnico de suas vozes e a ousadia no repertório, que contava com arranjos menos habituais até para clássicos do gênero, chamavam a atenção e a carreira deslanchou. Aquele álbum inicial, além da música título que estourou nas rádios do Brasil, trazia gravações que se tornaram antológicas, mesmo de canções já bastante conhecidas, como a animada "Pagode de Brasília" – lançada por Tião Carreiro & Pardinho logo após a inauguração da nova capital – e a versão formidável de "Poeira", tantas vezes gravada por grandes nomes como Pena Branca e Xavantinho e Chitãozinho e Xororó, mas que nas vozes de Chrystian & Ralf ficou especial, com um arranjo moderno, alternando a viola tradicional e uma melodia acelerada, que apontava para algo mais.

E foi esse algo mais que marcou definitivamente a história da dupla na música brasileira. Muito desse diferencial foi contribuição direta de Chrystian, que morreu na madrugada desta quinta-feira (20), aos 67 anos, de septicemia, após ser internado às pressas. Ele já vinha enfrentando problemas de saúde e tinha um transplante de rim agendado para o final do ano, para resolver uma doença genética no órgão. O que a música sertaneja recebia naquele momento era uma influência direta do pop, passando pelo country norte-americano, mas que bebia muito na melhor tradição do rock. Até ali, porém, houve uma longa jornada. Os irmãos nascidos em Goiânia tiveram uma infância de sacrifícios e começaram cedo como meninos-prodígios, graças à persistência do pai, que identificava o talento dos filhos.

Depois que conseguiram, ainda crianças, ter alguma projeção em Goiânia nos anos 1960 – Chrystian, que na época era conhecido como Zezinho, teve até um programa próprio na TV, chamado "Pinguinho de Gente", e conseguiu gravar um disco com duas canções –, eles se mudaram para São Paulo em busca do sonho da fama. Isso não aconteceu de imediato, mas abriu para os dois irmãos outros horizontes musicais. Eles passaram a ouvir mais artistas internacionais e foi na banda Bee Gees, aquela dos hits pop dos "Embalos de Sábado à Noite", que os irmãos inspiraram parte de seu estilo de cantar, usando os falsetes, com a preocupação no uso preciso das notas, das vozes e dos tons. Esse exercício, claro, não é para qualquer um, mas Chrystian e Ralf sabiam superar esse desafio com perfeição.

Isso explica em parte o fato de eles terem decidido cantar também em inglês. Aliás, nos anos 1970, Chrystian foi um dos artistas brasileiros mais ouvidos nas rádios com sucessos que emplacou no outro idioma, mas que poucos sabiam que era um brasileiro quem interpretava. Muitas de suas performances foram parar na trilha sonora de novelas da Globo, com destaque para "Don’t Say Goodbye", que embalou romances no folhetim "Cavalo de Aço", de 1974. Naquela mesma época, ele e o irmão voltaram a tentar emplacar uma dupla, mas não no estilo sertanejo, e sim no nicho das canções românticas cantadas em inglês. O talento, evidentemente, já era notório, mas faltava a explosão do sucesso popular. Ele só veio em 1983, com o primeiro álbum no sertanejo.

Daí para frente é até difícil encontrar nas últimas quatro décadas um momento em que Chrystian e Ralf não estivessem com uma canção cantarolada ou revisitada por artistas que eram seus fãs. É interessante notar o cuidado artístico com a qualidade do repertório que escolhiam. Eles gravaram canções que tiveram imenso apelo junto ao público, como "Chora Peito", sucesso absoluto lançado em 1986, "Cheiro de Shampoo", hit em 1993, e "Perdoa", que traz arranjos muito elaborados e que favorecem o registro vocal de ambos. Ao mesmo tempo, incluíram em seus mais de 30 discos lançados espaços para memórias afetivas, trazendo o melhor da moda de viola raiz, além de surpreender com músicas fora desse universo, como a regravação de "Yolanda", de Pablo Milanés e Chico Buarque, em 1998.

O imenso sucesso dos sertanejos na atualidade só foi possível graças ao pioneirismo de duplas como Chrystian e Ralf, que se fizeram reconhecer não por algum tipo de exotismo, mas sim por uma elevada qualidade musical. Os óculos escuros, o chapéu estiloso e uma atitude forte nos palcos conquistaram o público. Por outro lado, as vozes impressionantes pela afinação em tons altos e uma cultura musical acima da média fizeram a crítica – ao menos a parte menos preconceituosa dela – curvar-se à qualidade daqueles irmãos de Goiânia que abriram tantos caminhos. 

Comentários
Os comentários publicados aqui não representam a opinião do jornal e são de total responsabilidade de seus autores.
ANUNCIE AQUI