Colaborou: Ton Paulo
O julgamento dos acusados de matar os advogados Marcus Aprígio Chaves e Frank Alessandro Carvalhaes de Assis a tiros começou na manhã desta terça-feira (30) com bate-boca entre defesa e testemunha, questionamento acerca de provas e até mesmo choro da ré durante todo o julgamento. A previsão é de que o júri popular se estenda até a próxima quinta-feira (1). As vítimas foram mortas no próprio escritório de advocacia, em Goiânia, em 2020.
O júri acontece no auditório do Fórum Cível, em Goiânia. São réus no caso, Nei Castelli, acusado de ser o mandante do crime; Hélica Ribeiro Gomes, na época namorada de Pedro Henrique Martins, já condenado em 2022 a mais de 45 anos de prisão por ter atirado contra os advogados. A mulher teria ajudado o namorado a se esconder após o assassinato e sabia que o homem cometeria um crime grave; e Cosme Lompa Tavares, que teria intermediado a negociação do crime e contratado Pedro e Jaberson Gomes, outro homem que acompanhou o autor dos tiros até o escritório das vítimas, mas que acabou morrendo em um confronto policial no Tocantins.
De acordo com o Ministério Público de Goiás (MPGO) o fazendeiro Nei Casteli teria ordenado o assassinato depois de perder uma ação que o obrigava a pagar às vítimas, a título de honorários sucumbenciais, o valor de R$ 4,6 milhões. Inconformado, ele entrou em contato com Lompa na tentativa de encontrar alguém para o homicídio. Lompa, então, teria escolhido Pedro Henrique, conhecido pela prática de diversos crimes no Tocantins, e teria acertado com ele a execução. Além disso, conforme apontado pelo MP-GO, prestou-lhe apoio antes e após o cometimento dos assassinatos, transportando os executores e garantindo suas estadias em Goiânia.
Ânimos afloram durante depoimento de primeira testemunha
A primeira testemunha ouvida, cujo depoimento durou quase duas horas, foi o agricultor Luciano Maffra. Em juízo, Maffra contou que Marcus, além de ser seu advogado, era um amigo muito próximo, sendo até mesmo padrinho do filho de Aprígio.
Maffra disse que em 2003 comprou a Fazenda dos Netos, terra na divisa de Goiás com a Bahia, de um outro fazendeiro, Roberto Wypich. Segundo Maffra, os Castelli e os Wypich já disputavam as terras na Justiça. Ao comprar a propriedade, Maffra teria ido com sua esposa até a propriedade dos Castelli para se apresentar, vizinha à sua, e foi recebido com antipatia. Posteriormente, Maffra vendeu as terras um outro homem, Walter Horita.
Apesar da venda das terras, a família Wypich continuou a briga na Justiça contra os Castelli. Maffra, por confiar no trabalho advocatício de Marcus, indicou o advogado aos Wypich. A reintegração de posse aos Wypich aconteceu em 2019 e os Castelli deveriam pagar 10% do valor da propriedade, que custava R$ 46 milhões, a Marcus Aprigio e seu sócio, Frank Carvalhaes, em serviços de honorários sucumbenciais.
Maffra disse que chegou a ser ameaçado de morte pela família de Castelli por sobreposição das terras. Ele contou que um pistoleiro o teria procurado para matar, mas que acabou não cometendo o crime pois lhe conhecia desde a infância. Depois, em outra situação, ele recebeu um telefonema de um policial contando que teria recebido a oferta de R$ 300 mil para o assassinato.
As ameaças de morte foram relatadas ao amigo, Marcus, que sentiu medo ao decidir cobrar pelos honorários sucumbenciais. Em um print mostrado durante o julgamento, Marcus conversa com Maffra e pergunta o amigo ‘Você não acha perigoso executarmos [a dívida] os Castelli? Eles mandaram matar você... Não vão querer me matar também?’.
O amigo responde ‘Faça um testamento e execute’. Marcus responde ‘Credo! Meus filhos precisam de mim aqui ainda... Dinheiro não paga minha companhia’, escreveu.
O ponto alto do depoimento de Maffra foi quando a testemunha foi questionada pela defesa, representada pelo advogado Renato Armiliato Dias, sobre questões relacionadas a datas específicas da ação cível proposta por Wypich contra os Castelli pelas terras. Em determinado momento, Maffra diz:
Vai nos autos da ação cível e olha quando o Dr. Roberto Wypich e os Castelli começaram. Se o senhor tem essa informação, por que vem perguntar para mim? Eu não sei te dizer”. A defesa continua questionando sobre a entrada do Marcus no processo.
“Também não sei precisar. Todas essas datas têm nos autos. Minha memória não irá lembrar de datas específicas. Eu podia até ter estudado isso, mas não acho necessários, pois todos vocês já têm isso. O senhor está fazendo perguntas que não tem nada a ver”, rebateu.
A certa altura, a defesa e Maffra chegaram a protagonizar uma discussão acalorada após o agropecuarista dizer que estava cansado de ser constrangido. “Falaram até que eu era pistoleiro, colocaram outdoor pela cidade”, bradou, ao que o advogado rebateu dizendo que a defesa não o estava constrangendo.
Maffra conclui seu depoimento dizendo que os Castelli possuem um patrimônio de mais de R$ 1 bilhão e que os R$ 4,6 milhões que deveriam ser pagos aos advogados não fariam diferença em sua vida financeira.
Delegado é ouvido
O delegado Rhaniel Almeida, responsável pelo inquérito policial, foi a segunda testemunha a ser ouvida. De acordo com ele, a Polícia Civil de Goiás (PC-GO) concluiu que Cosme indicou Pedro Henrique para cometer o crime após ser procurado por Castelli. Pedro Henrique, por sua vez, chamou Jaberson Gomes (morto em confronto com a PM do Tocantins dias depois do crime) para ajudá-lo.
Segundo o delegado, Pedro Henrique confessou ter matado os advogados nas duas vezes em que foi interrogado, contudo, disse que era um latrocínio, roubo seguido de morte. O delegado explica que essa versão não condiz com os fatos, pois Pedro Henrique e Jaberson Gomes, teriam saído do Tocantins e viajado mais de mil quilômetros para um roubo de apenas R$ 2 mil, que foi o valor encontrado no escritório dos advogados.
"Ficou claro pra gente que não se tratava de um roubo, mas sim de um homicídio. E como eles não tinham nenhuma relação com os advogados, pra gente ficou evidente que tinha sido um crime encomendado", disse o delegado. O delegado disse que Pedro Henrique tinha ‘fama de matador’ e que chegou a confessar que já tinha matado, ao menos, 12 pessoas.
Envolvimento da namorada do matador
Hélica Ribeiro era namorada de Pedro Henrique na época do crime. Durante todo o julgamento, a mulher esteve aos prantos. A polícia chegou até ela depois de uma denúncia informando que a mulher teria intermediado o crime com os mandantes.
No entanto, o delegado relatou que, apesar de ter constatado que Hélica sabia que o namorado havia ido para Goiânia para “cometer um crime grave e que renderia uma quantia em dinheiro”, ela não sabia que se tratava de um homicídio e não teve participação direta nele.
Após a prisão de Pedro Henrique, Hélica teria recebido ordem de uma advogada ligada ao namorado para buscar a quantia de R$ 10 mil em um balneário, que seria de propriedade de Cosme Lompa.
Quando foi presa, Hélica contou que Cosme Lompa foi até sua casa e buscou Pedro Henrique e Jaberson Gomes para viajarem até Goiânia e que todas as despesas haviam sido pagas pelo homem. Em defesa, Cosme contou que apenas transportou os homens até Goiás.
Portanto, para a testemunha, ela teria somente favorecido Pedro Henrique, ao hospedá-lo em sua casa após o crime já sabendo o que ele havia feito, além de cumprir uma ordem de uma advogada ligada ao atirador de buscar a quantia de R$ 10 mil na propriedade de Cosme Lompa após o homicídio dos advogados. Segundo Almeida, dessa quantia, R$ 5 mil teria ficado com Hélica.
Carta de ajuda
Rhaniel Almeida chegou a receber uma carta do irmão de Nei Castelli pedindo ajuda para provar a inocência do irmão mais de um ano e meio depois do fechamento do inquérito. Na época, o delegado comunicou sobre o recebimento da correspondência ao Ministério Público e ao Poder Judiciário e entendeu a carta como uma ameça velada.
Para o delegado, Hélica não participou dos crimes e não sabia que o crime havia sido cometido. Foi imputado a ela somente os crimes de favorecimento pessoal e real, e não de homicídio.
A reportagem pediu um posicionamento à defesa de Castelli sobre o primeiro dia de julgamento e aguarda retorno.