Geral

137 crianças esperam por consulta do coração em Goiás

Wesley Costa
Sátia Patrícia, mãe de Laura Vitória, aguarda por atendimento especializado para a filha no Hecad

O Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (Hecad), em Goiânia, conta apenas com uma cardiopediatra para atender todos os bebês e crianças com problemas cardíacos que são acompanhados na unidade. A mãe de uma bebê cardiopata, de 5 meses, que está internada no Hecad esperou quatro dias para ser avaliada pela profissional. A mãe de outra criança cardiopata, de 3 anos, espera por consulta há meses. A Associação Amigos do Coração considera a situação insustentável.

Atualmente, 137 pacientes estão na fila do Complexo Regulador Estadual da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) aguardando por uma consulta ambulatorial de cardiologia pediátrica. Segundo a presidente da Associação Amigos do Coração, Martha Medeiros, os relatos de mães e pais de bebês e crianças cardiopatas desesperados por atendimento são diários. “No Hecad é onde temos o serviço especializado. Isso significa que cardiopatas do estado inteiro se consultam na Atenção Primária e são regulados para cá. Os que operam também são enviados para fazer o acompanhamento na unidade.”

Martha esclarece que mesmo com toda a demanda, a única médica especialista da unidade é responsável por fazer consultas ambulatoriais e ainda prestar assistência para os pacientes internados caso haja necessidade. Ela conta que o período do inverno traz preocupação. “O cardiopata tem a imunidade mais baixa. Nesta época de frio, fica pior. Eles sofrem muito com desconforto respiratório”, diz.

Nathália Araújo, de 19 anos, levou a filha Elloá, de apenas 5 meses, para o Hecad na última sexta-feira (7). A bebê é cardiopata e apresentava desconforto respiratório proveniente de uma bronquiolite. A bebê só foi avaliada pela médica especialista por volta de 13 horas desta terça-feira (11) e até o meio da tarde do mesmo dia ainda não havia sido submetida a um ecocardiograma. “Ela está fraca. O coração dela chegou a apresentar uma descompensação”, conta.

Elloá sofre com forame oval patente (FOP), condição caracterizada como um buraco, devido ao fechamento incompleto de uma estrutura localizada no coração, e com Comunicação Interventricular (CIV), que consiste por uma abertura ou orifício na parede que divide os ventrículos direito e esquerdo. Por conta disso, ela também faz acompanhamento ambulatorial no local. Nathália reclama de atrasos. “Estou aguardando sair uma vaga para ela se consultar com um cirurgião. Só depois da avaliação dele, vamos entrar em outra fila para ela conseguir ser operada. Os profissionais daqui são bons e educados, mas demora muito”, aponta.

Sátia Patrícia, de 35 anos, é mãe de Laura Vitória, de 3, e também aguarda por atendimento especializado no Hecad. Laura sofre com tetrologia de Fallot, uma condição rara causada por uma combinação de quatro defeitos cardíacos presentes no nascimento. Segundo Sátia, ela deveria ter sido operada com seis meses de idade. Entretanto, ela só conseguiu fazer o procedimento com 1 ano e 7 meses. “Era uma espera sem fim. Às vezes faltava a vaga na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), às vezes faltava uma válvula”, diz.

Na tentativa de agilizar o processo, Sátia partiu com Laura de Trindade para São José do Rio Preto, em São Paulo. Lá, ela conseguiu ser operada no Hospital da Criança e Maternidade (HCM). Devido a uma complicação no pós-cirúrgico, a criança desenvolveu uma estenose da traqueia, que é um estreitamento traqueal, dificultando a passagem de ar aos pulmões, o que ocasiona insuficiência respiratória. “Por conta disso, ela teve cinco paradas cardíacas. Hoje, minha filha tem paralisia cerebral e usa ventilação mecânica.”

Por conta do alto custo de vida em São Paulo, Sátia retornou com Laura para Trindade no início de 2023. Atualmente, a criança faz acompanhamento pelo Programa Melhor Em Casa, da prefeitura da cidade, com uma equipe multiprofissional. Entretanto, ainda assim ela necessita de acompanhamento especializado. “Ela precisa fazer um procedimento para amenizar a estenose a cada dois meses. O intuito é evitar paradas cardiorrespiratórias. Estou esperando desde maio para ela fazer isso no Hecad e até agora não consegui. É uma angústia muito grande. Corro risco de perder minha filha a qualquer momento”, emociona-se.

Sobrecarga

A presidente da Sociedade Goiana de Pediatria (SGP), Mirna de Sousa, conta que a instituição já entrou em contato com a diretoria do Hecad para discutir a questão. “Eles nos disseram que a cardiopediatra do hospital atua de forma exclusiva para a unidade e que presta atendimento sempre que eles precisam”, relata. Entretanto, na avaliação da profissional, a unidade de saúde está sobrecarregada, o que acaba motivando a insatisfação dos usuários mesmo que um número alto de atendimentos seja realizado.

“Existe um problema grave no fluxo de pacientes da rede como um todo. Com a Atenção Primária enfraquecida, a Atenção Secundária e Terciária ficam assim (sobrecarregadas). As pessoas sempre vão acionar o Hecad porque ele é praticamente o único pronto-socorro pediátrico mais completo que existe pelo Sistema único de Saúde (SUS) em Goiânia”, esclarece. O SGP entregou um documento que faz uma análise do cenário atual e propõe sugestões de intervenções para Sérgio Vencio, secretário estadual de Saúde. “Também iremos encaminhar para o Durval Pedroso (secretário de Saúde de Goiânia)”, finaliza.

SES-GO diz que serviço oferece suporte integral

A Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) informou, por meio de nota, que o Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (Hecad) compõe uma rede de atendimento em cardiopediatria em Goiás e oferta atendimento ambulatorial e suporte integral via parecer médico em casos de pacientes internados. 

A pasta comunicou que as consultas no ambulatório acontecem de segunda a sexta. A assistência abrange 20 especialidades, dentre elas a cardiopediatria, “que além de acompanhar os pacientes por meio das consultas clínicas - ainda promove a emissão de pareceres/ laudos médicos”. O atendimento ambulatorial em cardiopediatria tem capacidade de realização de 264 consultas mensais. 
“O serviço de cardiopediatria do Hecad oferece também suporte integral via parecer médico, quando o paciente encontra-se internado na unidade de saúde e a equipe de pediatria necessita de apoio da especialidade na condução dos casos clínicos”, diz trecho de nota enviada pela secretaria.
 
Segundo a pasta, o prazo para avaliação médica da cardiopediatria quando o paciente está internado no hospital é de até 24 horas após o acionamento pela equipe de pediatria. No caso de Elloá, a unidade explicou que a bebê “foi internada no Hecad devido a um quadro gripal, que a princípio não provocou descompensação cardíaca” e que “a criança foi avaliada pela cardiopediatria após a requisição da equipe de pediatras que acompanham a paciente”, sendo que “a solicitação de ecocardiograma foi realizada para acompanhamento da doença de base.” 

Município

Por fim, a SES-GO destacou que “o serviço de cardiopediatria não existe somente na rede SES. A SMS Goiânia possui referência do serviço no Hospital da Criança (Setor Sul)”. A secretaria não respondeu o questionamento do POPULAR sobre a possibilidade de ampliação do serviço de cardiopediatria no Hecad.

Comentários
Os comentários publicados aqui não representam a opinião do jornal e são de total responsabilidade de seus autores.
ANUNCIE AQUI