A morte de Valmir Alves dos Santos, de 47 anos, no último fim de semana de 2023 no reservatório de abastecimento público da região metropolitana de Goiânia, formado pelo Ribeirão João Leite, trouxe dúvida sobre a eficácia do sistema de fiscalização numa área onde a pesca é proibida. O pequeno empresário, conhecido como Baianinho no setor Vale dos Sonhos, onde tinha um supermercado, praticava pesca subaquática no sábado (30) no lago quando submergiu e não foi mais visto pelo amigo que o acompanhava. Seu corpo foi localizado no dia seguinte a oito metros de profundidade. Em 2023 foram registradas 180 ocorrências de presença de pescadores na área do reservatório, segundo a Saneamento de Goiás (Saneago).
A barragem do Ribeirão João Leite armazena 129 bilhões de litros de água utilizados para abastecer 64% da população de Goiânia e, através do sistema de linhões em construção pela Saneago, vai atender também os moradores de Aparecida de Goiânia. O seu enchimento ocorreu em 2011, após sete anos do início das obras. Embora a Política Nacional de Recursos Hídricos defina o uso múltiplo das águas, quando se trata de abastecimento público, os reservatórios têm destinação única. “A barragem do João Leite precisa ser protegida. O que houve ali foi uma sequência de erros: falta de educação, de conscientização, de fiscalização e de punição”, afirma o titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema), Luziano Carvalho.
Em nota, a Saneago informou que “a responsabilidade pela segurança do Sistema de Produção da Barragem do Ribeirão João Leite (composto pela barragem, pelo reservatório e pela área de conservação no entorno do reservatório) é compartilhada entre a Saneago e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).” A Saneago contratou uma empresa terceirizada para fazer rondas motorizadas 24 horas por dia na estrutura da barragem (vertedouro e maquinários), no reservatório, nos escritórios e nas unidades de captação e bombeamento. Já a Semad fica responsável pela área de conservação composta pelos Parques Estaduais Altamiro de Moura Pacheco (Peamp) e João Leite (Pejol).
“O reservatório é de uso exclusivo para o abastecimento público, não sendo permitida qualquer outra atividade na área para não provocar a alteração da qualidade da água e impactar no abastecimento da população”, lembra a Saneago, reforçando a proibição da pesca na área da barragem e no reservatório. A companhia de saneamento lembra como estão dentro da Área de Proteção Ambiental João Leite (ApaJol), barragem e reservatório são considerados de segurança máxima pelo Plano de Segurança da Barragem do Ribeirão João Leite, disponível em seu site. O atual Plano de Manejo da Apa João Leite também especifica a proibição de caça, pesca e o extrativismo ilegal de recursos naturais.
Segundo a Semad, os dois homens entraram no Ribeirão João Leite nas proximidades da estação de tratamento de água e subiram em direção à barragem para realizar a pesca com arpão. “Por normas de segurança, a unidade não é aberta ao público e a entrada dessas pessoas não foi autorizada”, disse a pasta em nota. Já a Saneago explicou que, embora os relatórios produzidos diariamente pela equipe de vigilantes tenham apontado 180 infrações cometidas por pescadores na área do reservatório em 2023, até o último sábado (30), quando o Valmir dos Santos submergiu, não havia nenhum registro de pesca abaixo da barragem desde o início da operação na unidade.
Lazer
Desde o enchimento total da barragem em 2011 há um grande debate sobre a possibilidade de uso das águas do reservatório para atividades de lazer. A expectativa aumentou em 2022 quando a Semad abriu consulta pública para Planos de Uso Público e de Manejo do Pejol e do Peamp, unidades de conservação (UCs) que integram a área de influência da barragem do Ribeirão João Leite. Esses planos são documentos que servem como referência para as decisões de manejo, identifica o seu propósito e os recursos das áreas de UCs.
A proposta foi rechaçada por ambientalistas durante a audiência pública realizada em abril de 2022. Presidente da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (Arca), Gerson Neto manifestou a sua indignação. “O lago não é para uso de lazer, mas para que a população tenha uma água de qualidade num melhor nível possível. O nosso principal manancial de captação corre o risco de ser ameaçado por atividades econômicas que vão favorecer alguns poucos”, afirmou à época. O delegado Luziano Carvalho, concorda. “Qualquer atividade socioeconômica não pode ter conflito com o uso de água para abastecimento público. Isso é um princípio adotado no mundo inteiro. Se for para explorar turisticamente, não serve para abastecer a população.”
A proposta da Semad está vinculada ao regime de concessão que a pasta contratou junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) para viabilizar a gestão, por empresas privadas, de parques estaduais goianos. Esta semana, a secretaria informou que os planos de manejo estão sendo aperfeiçoados. “Em razão da troca de governo, o BNDES atrasou a assinatura do novo contrato e, por consequência, a retomada dos estudos para a concessão”, explicou em nota. Conforme a Semad, a consultoria contratada pelo BNDES assinou contrato em novembro último e já reiniciou os estudos. “A previsão de início da revisão dos estudos do Peamp e do Pejol é para o segundo semestre de 2024.”
A ApaJol possui aproximadamente 720 km² e abrange os municípios de Goiânia, Terezópolis de Goiás, Goianápolis, Nerópolis, Anápolis, Campo Limpo de Goiás e Ouro Verde de Goiás. Já foram catalogadas na região 409 espécies de animais, 286 delas aves. Embora esteja inserida no bioma Cerrado, nas duas UCs há predominância de florestas estacionais semideciduais, 84,28% do Peamp e 50,52% do Pejol. O restante do último já está antropizado. Prefeituras e grandes investidores aguardam a definição dos planos de uso e manejo com grande interesse. Há ocorrência de empreendimentos clandestinos na região.