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58 famílias precisam deixar faixa de domínio na GO-338 entre Planalmira e Pirenópolis

Wildes Barbosa
Parte das famílias que ocupam trecho de cerca de 40 km da GO-338 estão no local há mais de 40 anos

Na semana passada integrantes da Comissão de Soluções Fundiárias (CSF) do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) fizeram uma visita técnica a um trecho da GO-338, entre Planalmira e Pirenópolis, para verificar as condições de famílias que ocupam a área de domínio da rodovia. Desde 2011 há uma sentença, transitada em julgado, em Ação Civil Pública (ACP) proposta pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), que determina a desocupação, tanto por parte de pessoas físicas quanto por estabelecimentos comerciais. O caso não é único em localidades turísticas goianas.

A CSF entrou no caso a pedido do juiz de Direito da comarca de Pirenópolis, Eduardo Cardoso Gerhardt. No ano passado, como relatam moradores da faixa de domínio desse trecho da GO-338, maquinários enviados pela Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra) chegaram a se posicionar nas imediações para a demolição das casas gerando um grande protesto. Pouco antes, as famílias foram comunicadas pelo órgão da decisão judicial. Estima-se que 58 famílias ocupem a extensão pública, cerca de 40 km, parte delas há mais de 40 anos.

Responsável pelo processo na CSF, o juiz Eduardo Tavares dos Reis explicou que o papel da comissão é evitar que famílias em situação de vulnerabilidade sejam removidas de forma desumanizada. “Nosso foco é que essas pessoas não sejam colocadas em situação pior do que já estão.” Participaram da visita representantes da Goinfra, da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE) e a titular da Secretaria de Bem Estar Social de Pirenópolis, Gildácia Ribeiro, que a pedido do magistrado assumiu o compromisso de realizar um levantamento socioeconômico das famílias.

“Vamos fazer esse trabalho em quatro etapas. Queremos identificar as vulnerabilidades, os vínculos com a região, se há inscrição no Cadastro Único, se o endereço é moradia ou comércio. Tudo será feito junto com a Goinfra”, disse a assistente social. Gildácia lembra que há famílias que ocupam a faixa de domínio há décadas, antes mesmo do asfalto chegar ao trecho. “O que notamos é que trata-se de um problema antigo e a comunidade foi aumentando, passando de pais para filhos. Não está em discussão a parte legal”, enfatizou a secretária de Bem Social de Pirenópolis.

A família do pedreiro Dilmar de Souza, 37 anos, passou a ocupar a faixa de domínio em 2002, um ano antes do início da tramitação da ACP. “Comprei o terreno e passei recibo no cartório. Eu mesmo construí minha casa, de 9m x 6m, trabalhando sábado e domingo. É a única coisa que tenho. Desde que essa história começou, não tenho paz.” Além da mulher e dois filhos crianças, os pais, uma tia e uma prima de Dilmar vivem no local depois de deixarem uma fazenda no município de Cocalzinho. “Nossa situação era crítica. Foi o que deu para comprar.”

Danielly Arruda e o marido Cleiton, também pais de dois filhos, vivem dias de angústia. “Na época do meu pai nem asfalto tinha. Na verdade, nem tráfego porque o acesso a Pirenópolis era feito pela BR-153. Veio a pavimentação e não falaram nada, não tomaram nenhuma providência, o que aconteceu somente agora quando estamos instalados”, diz ela. Segundo Danielly, a casa em que vivem foi construída pelo casal, trabalhando noite e dia. Eles adquiriram o terreno em 2014 de uma vizinha e passaram recibo em cartório.

Promotor de Justiça, integrante da CSF, Márcio Toledo relata que a ocupação de faixa de domínio é um problema recorrente em Goiás. “Em muitos lugares não há sequer uma discussão judicial, a ocupação vai se consolidando e ninguém toma providência. Quando é possível remediar é melhor para todo mundo em razão da segurança.” Ele lembra que a insegurança é também jurídica. “Às vezes a pessoa faz um contrato de compra e venda e um recibo com firma reconhecida em cartório e acha que tem valor, mas em se tratando de área pública, não tem efeito nem de usucapião.”

 

Comunicado sobre retomada de área ocorreu em 2023

A Ação Civil Pública que tem como alvo o trecho entre Planalmira e Pirenópolis da GO-338 começou a tramitar em 2003. Em 2009 veio a sentença favorável ao proponente, mas a então Agência Goiana de Transportes e Obras Públicas (Agetop), hoje Goinfra, recorreu por ter sido condenada a construir a metade das cercas da área desapropriada. Somente em novembro de 2011 veio a sentença definitiva. Os responsáveis teriam seis meses para cumprir a decisão e com possibilidade de pagar uma multa de R$ 5 mil a cada vez que fosse verificada a desobediência. 

Até 2023 se passaram 12 anos sem que a desocupação ocorresse. Quando a Goinfra, no ano passado, comunicou aos moradores que a área seria retomada, veio o clamor público que envolveu políticos de Pirenópolis. Defensor público, membro da CSF, Gustavo Alves de Jesus lembra que o alvo são as famílias em situação de vulnerabilidade. “Hoje a tutela é o direito à moradia. Pousadas e outros tipos de comércio não são objeto da atuação da CSF. Se acharem que têm algum direito, os proprietários devem se manifestar no processo.”

Em nota, a Goinfra se limitou a informar que “está acompanhando as decisões do Tribunal de Justiça de Goiás e oferecendo suporte durante as vistorias técnicas”. A agência ressaltou que antes de iniciar qualquer construção ou adquirir áreas próximas às rodovias estaduais, os interessados devem consultar a agência. No estado, os limites da faixa de domínio têm configuração variada, de acordo com cada rodovia, e podem variar de 130 metros a 40 metros, divididos simetricamente em relação aos eixos centrais. Também é obrigatória uma reserva de mais 15 metros para cada lado, na qual não se pode construir, atendendo a Lei Federal 6.766/79. No caso da GO-338, no trecho alvo da ação, a faixa de domínio é de 40 metros, 20 de cada lado. 


Preço alto de imóveis provoca ocupação irregular 

Situação semelhante, envolvendo 12 famílias de baixa renda que adquiriram terrenos que ultrapassam os 40 metros da faixa de domínio da GO-239, no distrito de São Jorge, em Alto Paraíso, é analisada pela Comissão de Soluções Fundiárias (CSF). Na localidade está o portal de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e há um processo judicial para a remoção. Empreendimentos como restaurantes e pousadas também estão em situação irregular.

Em novembro de 2022, o deputado Lucas Calil (MDB) apresentou na Assembleia Legislativa projeto de lei para reduzir no trecho de São Jorge as medidas da faixa de domínio da GO-239 de 40 para 15 metros. Ele justificou a proposta dizendo que há diversas construções antigas, de moradores nativos. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça. 

A valorização do metro quadrado em municípios turísticos pode estar por trás da ocupação irregular das faixas de domínio de rodovias oferecendo riscos à segurança. Em Pirenópolis, em outros dois acessos à cidade há edificações ainda mais próximas aos leitos das rodovias. A secretária de Bem Estar Social de Pirenópolis, Gildácia Ribeiro, lembra que imóveis na cidade são caros e a administração tem dificuldade para elaborar projetos habitacionais porque a revisão do Plano Diretor está sub-judice. 

Atualizado em 2002, o documento teria de ser renovado em 2012, mas atrasou dez anos. A revisão proposta prevê um aumento de 66% da zona urbana e foi dividida em cinco zonas, uma delas direcionada à população de menor poder aquisitivo. Estudos mostraram que há um déficit habitacional no município de 30%. Aprovada em duas votações na Câmara de Vereadores, a revisão do Plano Diretor de Pirenópolis foi contestada pelo Ministério Público que alegou ausência de vários estudos, entre eles de impacto ambiental. Por enquanto, o processo está suspenso por decisão do TJGO.

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