Quatro a cada dez mulheres que estão presas em Goiás tiveram envolvimento com o tráfico de drogas. Um levantamento da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) aponta que 420 (41,5%) das 1.011 apenadas no sistema penitenciário goiano foram parar na prisão com base na Lei de Drogas Os dados incluem as custodiadas dos regimes fechado, provisório, semiaberto e aberto.
A proporção é o dobro do que é encontrado entre os homens presos nos mesmos regimes. Apenas 21,6% dos 20.605 apenados cumprem pena com base na Lei de Tóxicos. Especialistas apontam que parte das mulheres são presas por esses crimes após assumirem o posto de traficantes, com os quais costumam ter relacionamentos amorosos, que estão cumprindo pena em regime fechado. O sustento da família também é uma motivação dessas mulheres.
A associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Giane Silvestre, diz que essa incidência é uma tendência em todo o Brasil. De acordo com dados de junho de 2022, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 55% das mulheres apenadas no Brasil cumprem pena com base na Lei de Drogas e na Lei N° 6.368, de 1976, que foi revogada em 2006.
“O tráfico em si não é uma atividade que envolve violência, já que funciona como uma transação comercial. Isso acaba facilitando a entrada das mulheres nesse cenário. A parte violenta vem justamente por conta do movimento de repressão. Considerando isto, é importante destacar também que o tráfico de drogas é uma das atividades criminosas mais vigiadas pelas forças de segurança. Isso reflete diretamente na proporção de pessoas presas por crimes relacionados ao assunto”, explica Giane.
A professora Gabriela Sabino publicou uma dissertação de mestrado sobre a vida das mulheres egressas do sistema carcerário feminino no interior goiano. De acordo com ela, em muitos casos, essas mulheres têm relacionamentos amorosos com homens que têm envolvimento com o tráfico de drogas e quando eles são presos, elas acabam assumindo as atividades. “Existe um machismo aí também. Elas dependem deles financeiramente e acabam dando continuidade às atividades para garantir o sustento da família.”
De sete mulheres entrevistadas por Gabriela no estudo, quatro foram presas por envolvimento com o tráfico de drogas. “Elas já estavam invisibilizadas antes mesmo de entrarem no sistema prisional”, pontua. Segundo dados do Depen, as mulheres pardas representam a maioria das presas em Goiás. “No meu estudo também constatei que a maioria delas são pobres, não possuem escolaridade, tem muitos filhos e vem de um contexto de muita violência. São mulheres que aceitam uma quantia pequena em dinheiro para transportar drogas em uma mochila de um local para o outro e acabam presas.”
Prisão
As unidades prisionais administradas pela Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) oferecem tanto para as mulheres, quanto para os homens, acesso aos ensinos Fundamental, Médio e Superior, além de outros cursos profissionalizantes. Em março de 2023, as custodiadas da Casa de Prisão Provisória (CPP), no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, deram início ao Projeto Àreté: Educação, Cultura e Leituração, parceria da DGAP com a Universidade Estadual de Goiás (UEG) que estimula a escrita e a leitura.
Entretanto, Gabriela considera que dentro da prisão, a reinserção dessas mulheres na sociedade ainda é pouco estimulada. “Na prática, a reintegração social ainda não é eficaz. Muitas dessas mulheres chegam a ficar anos em regime fechado sem estudarem, nem desenvolverem nenhum outro tipo de atividade. Isso contribui para uma reincidência criminal”, enfatiza.
Políticas Públicas
A presidente da Associação dos Familiares e Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade em Goiás (AFPL-GO), Patrícia Benchimol, convive cotidianamente com mulheres que foram presas por conta do tráfico e considera que a ausência de políticas públicas eficazes é a cerne do problema. “Quando essa mulher não tem uma creche para deixar o filho para poder estudar ou trabalhar, pode acabar indo por esse caminho. Quando ela sai da prisão e encontra um mundo ainda mais hostil, pode ver o crime como a única possibilidade para ela”, finaliza.
620 foram presas como mulas
Entre 2019 e 2022, 620 mulheres foram presas sendo utilizadas como mulas por pessoas privadas de liberdade nas unidades prisionais de Goiás, o que representa quase uma ocorrência a cada dois dias. De acordo com a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP), os principais delitos são tentativa de entrega de drogas, armas e celulares para os companheiros.
A DGAP considera que uma grande porta de entrada de drogas nos presídios acontecia quando as visitas íntimas estavam liberadas, o que ocorreu até março de 2020, quando começou a pandemia de Covid-19. Segundo a DGAP, com a suspensão das visitas, as tentativas de burlar as regras passaram para a Cobal, com a inserção de drogas e outros ilícitos no meio dos alimentos, materiais de limpeza e produtos de higiene entregues aos custodiados nas unidades prisionais.
No intuito de coibir a entrada de ilícitos, a DGAP diz que criou regras mais rígidas e específicas para entrega da Cobal, que deve acabar ainda neste ano, quando forem finalizados os processos licitatórios para novo contrato de fornecimento de alimentos e aquisição de itens de higiene e limpeza aos detentos.
Já as visitas íntimas foram alvo de polêmica recentemente. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) concedeu, no dia 22 de fevereiro deste ano, uma medida cautelar para suspender a eficácia da Lei estadual de nº 21.784, que proíbe visitas íntimas nos presídios de Goiás e estava em vigor desde o dia 18 de janeiro. O governador Ronaldo Caiado se mostrou descontente com a decisão do TJ-GO de suspender a nova lei. Em resposta, o desembargador Carlos França, presidente do TJ-GO, afirmou que a decisão analisou só a constitucionalidade da lei e que a regulamentação das visitas íntimas nos presídios de Goiás compete ao Executivo.
A presidente da Associação dos Familiares e Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade em Goiás (AFPL-GO), Patrícia Benchimol, diz que a suspensão das visitas íntimas prejudica os presos e as famílias. “As pessoas julgam só como um momento de sexo, mas é mais do que isso. Ter um contato íntimo com a esposa ajuda na humanização desses presos. O número de mulheres presas por tentarem entrar com ilícitos é pequeno frente a quantidade de visitas. Basta o Estado regulamentar o funcionamento dessa atividade”, afirma.
A associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Giane Silvestre, explica que as vítimas íntimas são importantes no processo de reintegração dos presos à sociedade. “Além disso, já existe tecnologia suficiente para fazer revistas que não são vexatórias, mas são eficazes. Ninguém embarca em um avião com armas ou drogas. Por que não prover essa mesma tecnologia para os presídios?”