Geral

Advogados e igreja são condenados por expor vítima de crime sexual publicamente em reunião

Dois advogados e a Igreja Tabernáculo Da Fé, em Goiânia, foram condenados a pagar R$ 50 mil por danos morais a uma vítima que denunciou ter sido exposta em uma reunião com mais de 300 pessoas e que foi transmitida ao vivo na internet. A mulher relatou à Justiça que sentiu estar em um “tribunal” durante a reunião após ter denunciado o então pastor-presidente da igreja na época por abuso sexual. A instituição religiosa é a mesma onde um pastor disse que crianças abusadas sexualmente são culpadas pelo crime.

Em nota, os advogados condenados, Leandro Silva e Ozemar Nazareno, que também respondem pela igreja, informaram que irão recorrer da sentença e que a condenação “é um efeito colateral da defesa que fizeram do saudoso pastor Joaquim Gonçalves” (veja a nota completa no final da matéria).  

A sentença foi assinada no dia 12 de junho pela juíza Renata Farias. Conforme o documento, a reunião aconteceu no dia 11 de julho de 2021, na sede da igreja localizada no Bairro Ipiranga.

Na ocasião, os advogados realizaram uma reunião pública denominada “a verdade que liberta”, para prestar esclarecimentos sobre as várias denúncias de mulheres que frequentavam a igreja contra o então pastor-presidente, Joaquim Gonçalves Silva, de 85 anos, por violência sexual e psicológica. O pastor morreu em agosto do mesmo ano devido à Covid-19.

No processo, a vítimas disse que o evento foi amplamente divulgado pela igreja, semanas antes, com a finalidade dos fiéis saberem “a verdade real que estaria sendo acobertada por mentiras levantadas pelas vítimas dos casos”.  

Contudo, a mulher alegou que a reunião mais parecia um “verdadeiro tribunal contra as vítimas”, que tiveram as iniciais dos nomes citadas pelos advogados diante toda a igreja, na reunião transmitida ao vivo, cujo vídeo teve mais de 40 mil visualizações. 

A vítima declarou que após a exposição, foi alvo de perseguições na internet, difamações e inúmeros xingamentos, que colaboraram para o desenvolvimento de uma “forte depressão”, sendo preciso se submeter a tratamento médico. 

Decisão 

Inicialmente, a defesa dos advogados alegou que até mesmo a vítima disse que o nome dela não foi divulgado, mas apenas as iniciais. Reforçou ainda a imunidade do advogado. 

Contudo, a juíza entendeu que, diante das declarações de testemunhas, “foi possível ligar o fato à sua pessoa, especialmente por ser conhecida por todos no meio, já que era fiel da igreja”. Ela também afirma que, na reunião, os advogados tentaram desacreditar e descredibilizar a palavra e a imagem da vítima diante dos fieis. 

"Nessas circunstâncias, resta claro que a exposição da autora, dentro do ambiente da igreja, perante toda a comunidade local, cerca de 400 pessoas, além das milhares de visualizações, caracterizam forma de constrangimento, que configura ato ilícito, diante do abuso do direito", declarou a Farias

A magistrada frisou ainda que quanto à imunidade dos advogados, não possui caráter absoluto, devendo observar “os parâmetros da legalidade e da razoabilidade e não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem". 

Inicialmente, a defesa da mulher exigiu a indenização de R$ 100 mil, mas a juíza entendeu que o pagamento de R$ 50 mil seria suficiente, valor que deve ser corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), mais juros de 1% a partir do mês que aconteceu o evento. 

Crianças culpadas

Após falas de pastor sobre crianças vítimas de abuso sexual serem também culpadas pelo crime, presidente do colegiado dos conselhos tutelares de Goiânia, Erika Reis, entregou denúncia de abuso sexual envolvendo nome de líderes da Igreja Tabernáculo da Fé à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).

A fala repercutiu no final de abril e denúncias foram registradas por situações de violência psicológica e abusos sexuais vividas com líderes do local.

Ao Daqui, a conselheira confirmou, na época, que o documento se baseia em uma ocorrência do Disque 100 e em relatos de uma testemunha que presenciou atitudes de abuso sexual e psicológico na instituição.

No relato feito ao disque-denúncia, a pessoa que era frequentadora da igreja confirma que há anos existem situações de abusos, além de supostas tentativas de aborto induzidas por partes dos dirigentes. Na época, a Polícia Civil disse que recebeu o ofício e que estava apurando o caso. A reportagem não conseguiu confirmar se houve uma instauração de inquérito.

Em outra ocasião, o pastor também falou sobre violência doméstica e ainda orientou a esconder possíveis hematomas.

"Deixem para brigar quando estiverem longe dos filhos. Mandem eles para a casa da avó e, aí, você e a sua esposa se pegam na briga e rola. Se tiver com algum hematoma [risos], cobre com um esparadrapo", disse.

Veja a nota completa dos advogados sobre a condenação por danos morais

Os advogados, Leandro Silva e Ozemar Nazareno, declaram que esta demanda é um efeito colateral da defesa que fizeram do saudoso pastor Joaquim Gonçalves, da Igreja Tabernáculo da Fé, em meados de julho de 2021. No exercício da advocacia, protegemos uma instituição cristã e um sistema de caridade que atende milhares de pessoas desde 1968, especialmente mulheres. Estamos felizes e orgulhosos de sermos advogados. É isso que somos: advogados. Quanto ao processo, haverá recurso e medidas judiciais.

Comentários
Os comentários publicados aqui não representam a opinião do jornal e são de total responsabilidade de seus autores.
ANUNCIE AQUI