O alagamento de mais de 50 casas na Vila Roriz, região Norte de Goiânia, no último dia de 2023, provocou protesto dos moradores e uma série de reuniões entre representantes da Prefeitura da capital e da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago) nesta terça-feira (2), primeiro dia útil de 2024.
Logo pela manhã, o tema foi tratado no gabinete do prefeito Rogério Cruz (Republicanos) e toda a área foi vistoriada pela Defesa Civil e pela Agência de Regulação da Prefeitura de Goiânia para descobrir o que provocou a inundação após dois anos sem esse tipo de sinistro na região. Em 2021, a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra) realizou uma obra de elevação e compactação de um dique que interrompeu os alagamentos.
Na madrugada de 31 de dezembro, quando choveu torrencialmente durante seis horas, parte dos moradores da Vila Roriz foi acordada com a água dentro de casa. Foi o caso do eletricista Alex Pereira, que perdeu um guarda-roupa. “Mal deu tempo de colocar os móveis para cima. A água subiu muito rápido.” Alex foi uma das pessoas que há cerca de 15 dias tentaram impedir que uma retroescavadeira fizesse um buraco construído pela Prefeitura.
“O cara disse que estava cumprindo ordens e a serviço da Saneago. Explicamos que se chovesse, as casas seriam inundadas, e não deu outra.”
Pela manhã, as tubulações estavam no local. Elas serão utilizadas pela Saneago na construção da Conexão Cristina, uma elevatória de água e adutora que fará a ligação entre os sistemas João Leite e Meia Ponte para garantir a ampliação do volume de água tratada fornecido na região metropolitana. Em nota, a Saneago informou que, embora as tubulações estivessem na Vila Roriz no domingo, a obra ainda não foi iniciada. A empresa acrescentou que providencia a retirada dos materiais.
Outro morador, o motoboy Vitor Afonso Rodrigues também chegou a alertar o condutor do maquinário. “Ele estava nivelando o dique”, contou.
Na tarde desta terça-feira (2), após vistoriar a região ao lado de servidores da Defesa Civil e da Seinfra, o presidente da Agência de Regulação de Goiânia, Hudson Rodrigues Novais buscou respostas junto à Saneago. Três diretores da companhia e da empresa terceirizada responsável pelas obras da Conexão Cristina foram à Vila Roriz acompanhados dos representantes da Prefeitura para avaliar os estragos. Algumas decisões foram tomadas para solucionar de imediato o problema dos moradores, mas não ficou definido o que realmente aconteceu no local há mais de 15 dias.
“Estamos levantando toda a documentação para definir de quem é a responsabilidade, mas enquanto isso não ocorre vamos resolver o problema. Essa foi a determinação do prefeito”, disse ao Daqui, Hudson Novais que coordenou os trabalhos de vistoria por parte da prefeitura. As obras para recuperar o dique foram feitas na terça.
O Daqui pediu informações à Saneago sobre a origem do problema. A empresa respondeu que maquinas da companhia estiveram no local apenas para descarregar o material.
Jonathas Luiz, de 33 anos, nasceu na Vila Roriz. Ele perdeu as contas dos prejuízos que a família teve nos últimos anos com as inundações. “Já perdemos colchões, geladeiras e guarda-roupas.” Segundo ele, os últimos anos foram de alívio porque, no máximo, no período chuvoso, a água chegava à altura do meio-fio.
“A obra da Prefeitura resolveu muito, mas agora a Saneago veio e rompeu o dique.” A vereadora Kátia Maria (PT), que coordenou a Expedição Meia Ponte, voltou nesta terça-feira ao bairro. “Estive aqui no dia 31 e foi chocante ver a água nas casas. Isso mostra que é preciso cada vez mais planejamento. A obra da Saneago é necessária, mas houve um equívoco aqui.”
Para o ambientalista Gerson Neto, uma obra da envergadura da Conexão Cristina na altura da Vila Roriz precisa ser monitorada de forma eficiente. “A Vila Roriz é a área de risco mais importante de Goiânia. O monitoramento pela Defesa Civil precisa ser constante.”
O ambientalista considera o dique construído pela Prefeitura uma obra paliativa que pode dar resultados durante alguns anos, mas precisa ser acompanhada em razão do volume de água em períodos chuvosos, resultado do encontro do Ribeirão Anicuns e do Rio Meia Ponte. “O rio não vai deixar esse dique, a não ser que a Prefeitura fique fazendo intervenções frequentes para dar estabilidade.”
Bairro surgiu por decisão da Prefeitura
A Vila Roriz surgiu no fim dos anos de 1980 na planície de inundação do Meia Ponte por decisão da Prefeitura de Goiânia. A capital se expandia para a região Norte impulsionada pela construção do novo Terminal Rodoviário, o que exigiu a construção de uma nova via integradora. Áreas insalubres começaram a ser ocupadas.
Interventor da capital à época, Joaquim Roriz autorizou a retirada de famílias que viviam ao longo do trecho por onde passaria a Avenida Goiás Norte, que foram removidas para o recém-criado Setor Urias Magalhães 2, que ficou conhecido como Vila Roriz. Os pais de Jonatha Luiz estavam nesse grupo.
A área já era uma ocupação irregular e o movimento da Prefeitura atraiu mais famílias para o bairro que passou a ter histórico de alagamento. Para fazer aterramento, os moradores usaram material orgânico e entulhos. Os episódios de inundação chamaram a atenção de pesquisadores que há anos estudam o caso. Entre eles estão Helen Macedo e Bernardo Cristóvão Colombo da Cunha que destrincharam os motivos que levaram a região a ser na capital o maior exemplo de “irresponsabilidade pública”, como afirma o ambientalista Gerson Neto, quando se trata de questões ambientais. “Ali jamais poderia ter sido ocupado.”
Em um de seus estudos, Helen Macedo lembra que no início da década de 1970, o Plano Diretor Integrado de Goiânia não permitia o parcelamento de terrenos sujeitos a inundações. Tudo mudou a partir de 1979 quando as ocupações em áreas urbanas deixaram de ser espontâneas e passaram a ser organizadas por movimentos sociais. O Plano Diretor da década de 1990 agravou o problema ao criar as Zonas de Interesse Social, regularizando as posses clandestinas criadas até 1991. É nesse panorama que entra a Vila Roriz. Para chegar lá é preciso descer o que antes era o barranco que dava acesso ao encontro do Ribeirão Anicuns e o Rio Meia Ponte. Esses dois mananciais recebem águas de afluentes que cortam a Goiânia, como os córregos Cascavel e Botafogo.