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Alunos de escolas públicas são usados para dar volume a evento conservador em Goiânia

Márcio Leijoto
Ao lado de faixas, crianças não demonstravam interação com marcha

Estudantes de ensino fundamental da rede municipal de Goiânia foram usados para dar volume a uma marcha de cunho político pelas ruas do centro da cidade na tarde desta quinta-feira (18).

Havia mais de 500 crianças, a maioria entre 6 e 14 anos de idade, mas também mais novas, segurando cartazes cobrando aprovação de projetos de lei e com slogans usados por grupos religiosos que são contra o aborto. Elas percorreram cerca de 2,5 quilômetros entre 14 e 16 horas e com um calor de 30 graus.

Entre adultos, havia os professores e servidores das escolas responsáveis por cuidar dos estudantes e organiza-los entre os cinco carros de som usados na manifestação, além dos organizadores do evento, que usaram microfones para discursar contra o aborto aos comerciantes e pedestres presentes naquele horário nas avenidas Tocantins e Araguaia e nas ruas 2 e 4. Não havia nenhum outro grupo presente em volume representativo.

A reportagem também identificou políticos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que durante o percurso aproveitaram para fazer fotos e vídeos, conversar com as pessoas que estavam no local e fazer publicações em suas redes sociais para provocar engajamento entre seus eleitores e seguidores.

Um deles tem feito campanha contra doutrinação em sala de aula usando de fotos, vídeos e informações tirados do contexto para pressionar instituições de ensino.

A Marcha Goiana da Cidadania em Defesa da Vida e contra o Aborto acontece em sua 15ª edição e é organizada pelo Comitê Goiano da Cidadania em Defesa da Vida, com apoio da Arquidiocese de Goiânia, da Federação Espírita do Estado de Goiás (Feego), do Movimento Nacional de Cidadania pela Vida e de grupos que dizem dar apoio a mulheres grávidas. Apesar do número de entidades, a presença de adultos foi ínfima na passeata.

Nos carros de som, os organizadores do evento se revezam em discursos contra o aborto e cânticos religiosos com letras que abordam o tema. A todo momento, era dito que o movimento era ordeiro e pacífico “a favor da vida humana desde a concepção e que os abortos representam um “infanticídio de crianças inocentes que estão no ventre de suas mães”. “Você que teve a oportunidade de nascer junte-se a nós!”

Além da caminhada, os organizadores do evento aproveitaram para fazer panfletagem. No folheto, é pedido apoio à aprovação do projeto de lei 478/2007, o chamado Estatuto do Nascituro, que tramita no Congresso Nacional há 16 anos, e pretende impedir que as mulheres interrompam a gravidez em qualquer situação, até nos casos de violência sexual. Também pedem a aprovação do projeto de emenda constitucional 29/2015, a PEC da Vida, e contra o chamado ativismo judicial, pauta esta que não tem relação direta com o tema aborto.

A interação no local com as crianças presentes foi pouca. No começo da mobilização, na rua 30, entre a 4 e a Tocantins, algumas pessoas discursavam pedindo para as crianças gritarem frases contra o aborto ou as questionando sobre se estariam vivas caso a mãe delas tivessem abortado. “Se a vovó de vocês tivesse abortado, a mamãe de vocês não estaria viva e não teria vocês”, disse uma mulher em um dos carros de som.

As crianças tiveram direito a um lanche simples no começo do evento e receberam um copo plástico com água no final ao embarcarem em ônibus fretados. Além da caminhada e do incentivo a repetirem frases no começo da concentração, a única participação dos estudantes foi fazendo a caminhada e segurando faixas e cartazes, alguns com desenhos de fetos em barrigas.

Negou envolvimento

A Secretaria Municipal de Educação (SME) nega envolvimento com a marcha, diz que não participou da organização do evento e que as escolas foram convidadas por meio de turmas específicas e que os alunos teriam participado “após anuência de pais e responsáveis”. Entretanto, apesar de questionada pelo POPULAR, a pasta não respondeu quais escolas e quantos alunos estiveram presentes nem como avalia a participação de estudantes menores de 14 anos neste tipo de mobilização.

Nas redes sociais da SME e do titular da pasta, Wellington Bessa, não há nenhuma citação à marcha. Pela manhã, nesta quinta, alguns estudantes da rede municipal foram levados para o parque Campininha das Flores para uma atividade da pasta envolvendo a campanha de conscientização do Maio Laranja, que mobiliza a sociedade a denunciar casos de abuso e exploração sexual infantil.

O Conselho Municipal de Educação (CME) informou que foi provocado nesta tarde sobre a participação dos estudantes na marcha e que será aberto um procedimento para apurar as circunstâncias em que ocorreu a participação as crianças no evento. Somente após esta análise será emitido um parecer. As escolas têm autonomia para decidirem pelo envolvimento em ações fora da unidade de ensino, desde que a saída dos alunos seja autorizada pelos pais e que a atividade tenha cunho pedagógico.

Durante a marcha, os organizadores usaram o microfone para agradecer o apoio da SME, do governo de Goiás e dos envolvidos na segurança do fluxo do trânsito, que contou com a participação de policiais militares, guardas civis e agentes de trânsito da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) e do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO).

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