A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera os acidentes por animais peçonhentos como um dos maiores problemas de saúde pública em países tropicais. O Brasil, que não foge à regra e possui um alto número de agravos, obriga que casos como esses sejam incluídos na Lista de Notificação Compulsória do Ministério da Saúde. Durante todo o ano de 2022, foram feitas 6.602 notificações no estado de Goiás e este ano, até a última quinta-feira (23), foram 1.129, com dois óbitos.
Animais peçonhentos são aqueles que possuem glândulas de veneno em seu corpo e estruturas especializadas em sua inoculação, como ferrões, dentes ocos e espinhos. O veneno é utilizado, normalmente, para afastar predadores ou capturar sua presa. Geralmente, os acidentes com seres humanos ocorrem quando esses animais são ameaçados.
Os números fornecidos pelo Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Goiás (Ciatox), da Secretaria Estadual de Saúde, mostram que as ocorrências com animais peçonhentos têm crescido nos últimos anos. Os acidentes mais notificados envolvem, pela ordem, aranhas, serpentes e escorpiões. Médica do Ciatox, Fabiana Camargo lembra que a combinação do verão, quando as chuvas são intensificadas, e os períodos de férias e feriados, como Carnaval e Semana Santa, ampliam as notificações. “Nas férias as pessoas costumam se deslocar para áreas mais rurais, como chácaras e fazendas, beiras de rio e de represas, onde os acidentes acontecem.”
Embora as aranhas apareçam no topo do ranking do maior número de ocorrências, são as cobras que mais preocupam por serem mais venenosas. Somente em 2021, 15 pessoas perderam a vida no estado em razão de picadas de serpentes. Os trabalhadores rurais, com idade entre 20 e 59 anos, são as maiores vítimas. E não por acaso, municípios como Jataí e Rio Verde, no Sudoeste goiano, expoentes do agronegócio, estão entre os que mais notificam.
Dados coletados pela enfermeira Marina Figueiredo da Silva, do Ciatox, revelam que os acidentes ocorrem exponencialmente em meses com maior volume de chuvas entre outubro e março em Goiás. “Nesse período as serpentes movimentam-se mais, à procura de alimento e abrigo, é também o de maior trânsito de trabalhadores nas lavouras, com a colheita entre março e abril.” Em 2022, esses foram os meses de maior número de notificações em Goiás.
Cerca de 90% dos acidentes com cobras envolvem o gênero Bothrops (jararaca, jararacuçu, urutu-cruzeiro, caiçaca). A espécie costuma ficar camuflada em folhas secas, dificultando sua visualização. Além de áreas de cultivo, são encontradas em locais úmidos, como matas e próximo a rios, brejos e lagoas. “Quando estiver em locais assim, o ideal é que a pessoa use vestimentas e calçados adequados, como uma calça de tecido mais grosso ou bota de cano longo”, avisa a médica Fabiana Camargo.
No caso das mãos, a médica alerta para nunca tocar em um ponto desconhecido, sem usar um graveto ou algo similar, capaz de afugentar o animal. Uma Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego define que o empregador é obrigado a fornecer equipamento de proteção individual para os trabalhadores rurais.
Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, antes da criação do soro antiofídico por Vital Brazil em 1901, a letalidade dos envenenamentos por serpentes era de 25%. Essa taxa reduziu ao passar dos anos com a ampliação da produção e distribuição do antiveneno no Brasil, tendo atualmente uma letalidade de aproximadamente 0,4%.
Plantão
Em maio do ano passado, depois de registrar 22 mortes em 2021, 15 por serpentes, a SES realizou uma capacitação direcionada a médicos e enfermeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) para diagnóstico e tratamento de acidentes com animais peçonhentos. Para os profissionais do Ciatox, a avaliação dos principais sintomas clínicos e a escolha da melhor soroterapia com agilidade, é determinante para o desfecho do caso.
A médica Fabiana Camargo ressalta que, no caso de ataques de serpentes e escorpiões, se a pessoa for alérgica, não piora os casos. “O que pode ocorrer é uma reação ao soro, mas os médicos já ficam preparados para isso, mesmo sem histórico de alergia”, explica. No caso de picadas de abelhas, uma reação alérgica ao veneno pode ser perigoso.
Em Goiás, para auxiliar profissionais da saúde e toda a população em situações de envenenamento por animais peçonhentos, o Ciatox mantém serviço durante 24 horas. O contato deve ser feito através dos telefones 0800 646 4350, 0800 722 6001 ou (62) 3241-2723.
Em áreas urbanas, quando a pessoa encontra animais peçonhentos no interior da residência, o ideal é que ela se afaste lentamente, sem assustá-los. A dica é do Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, que pode ser acionado pelos telefones: 3524-3131, 3524-3129, 3524- 3130. O Corpo de Bombeiros (193) também atende esse tipo de ocorrência.
Escorpiões
O tempo quente e úmido no verão é propício ao aparecimento de escorpiões que costumam usar o veneno como mecanismo de defesa. E eles gostam muito de lugares mais sujos, com lixo acumulado ou o mato alto. No ano passado, a SES registrou em Goiás 921 acidentes com esses animais, 82 somente na capital. Na maioria dos casos, os sintomas apresentados pelas vítimas foram leves.
A picada de escorpião causa dor, formigamento, vermelhidão e suor no local da ferida. As crianças costumam sofrer mais e apresentar náuseas, vômitos, excesso de saliva, tremores e até hipertensão. Todos os escorpiões são venenosos e a gravidade do ataque depende da espécie e da quantidade de veneno inoculada. Há soro específico para combater o veneno de escorpião.
Cuidados básicos podem evitar o ataque de escorpiões, como o uso de calçados e luvas no campo e em jardinagem, balançar roupas e sapatos antes de usar e afastar camas das paredes. O principal, entretanto, é manter a moradia e toda a área próxima limpa. Em caso de picada, o local deve ser lavado com água e sabão antes de procurar uma unidade de saúde próxima. Fotografar o escorpião é importante para auxiliar o profissional de saúde no momento do tratamento.
Lagartas
Em Goiás, as taturanas, lagartas com pelo, também costumam proliferar nesta época do ano. São várias espécies de taturana, nome que em tupi-guarani significa “aquilo que arde como fogo”. As mais ameaçadoras são as taturanas-bezerras, também conhecidas como lagarta-cachorrinho ou taturana-ursinho, pela quantidade causam queimaduras muito doloridas e, para as quais não existe soro.
O Brasil é o único país produtor de soro contra um único tipo de taturana, a Lonomia Oblíqua, popularmente conhecida como Lagarta de Fogo. Ela é comum no Sul do País. Em Goiás, segundo a médica Fabiana Camargo, é muito rara a sua aparição. A primeira vez ocorreu na região do Entorno do Distrito Federal há mais de cinco anos. “A Lonomia Oblíqua é o único tipo de lagarta que pode causar efeito sistêmico, com risco à vida”, salienta a médica.