Geral

Ao menos 20 nascentes em Goiânia estão em risco

Diomício Gomes
Nascente do Córrego do Abel, no Setor Santo Hilário, está sem proteção. Há casos de afloramentos em Goiânia que são usados para lazer e outras atividades que prejudicam a natureza

A falta de proteção às nascentes dos cursos hídricos em Goiânia revelam o alto risco de prejuízo aos córregos, ribeirões e rios que correm pela capital. O problema também demonstra o descuido das políticas públicas relacionadas à água. Levantamento feito junto ao Sistema de Informações Geográficas de Goiânia (Siggo) e o mapa digital da Prefeitura demonstra que pelo menos 20 nascentes da cidade não possuem a condição que garante a sua manutenção, como o respeito à sua área de proteção permanente (APP) quanto a existência de mata ciliar com vegetação nativa.

De acordo com o Plano Diretor de Goiânia, toda nascente deve ter uma APP de 100 metros de raio, ou seja, não é possível realizar ocupação urbana nesse perímetro, que deve ser preservado com a mata nativa. Na maior parte dos casos verificados pela reportagem, o risco às nascentes se refere justamente pelo descumprimento desta regra, ou seja, a existência de ocupação indevida dentro da APP. Isso ocorre, por exemplo, nas nascentes dos córregos Vitória, situado no Parque das Laranjeiras, e Guanabara, no Jardim Guanabara.

Essas ocupações se dão, sobretudo, por loteamentos de chácaras, que possuem índices mais restritos de uso do solo, ou seja, com menor potencial construtivo. No entanto, há uso maior da água do leito e derrubada da mata nativa com a realização de cultivos, como de hortas, além de falhas na fiscalização que permitem construções irregulares, que aumentam a área de descarga dos corpos hídricos. No Córrego Barreiro, na Região Sudeste de Goiânia, por exemplo, há construção de casas a menos de 60 metros de uma nascente. No Bairro Água Branca, a nascente do Córrego da Mina está rodeada de construções, sendo a mais próxima a 30 metros da sua localização.

Diretor técnico da Associação para Recuperação do Ambiente (Arca), Gerson Neto explica que a principal razão para a necessidade de preservação das nascentes é a sensibilidade ambiental dessas áreas. “Elas possuem função de drenagem. Há um sistema subterrâneo para que a área de recarga da água aflore ali naquele lugar. Se aterra, vai ocorrer em um outro lugar e pode ir até para outra bacia, o que muda até o curso do córrego. É para lá que as águas vão, é uma questão até mesmo física da cidade, que precisa se adaptar, não dá para negociar com o meio ambiente”, diz ao ressaltar pontos além das questões ambientais.

O professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Uniiversidade Federal de Goiás (UFG), Romualdo Pessoa, acredita que a maior parte das nascentes da capital não estão devidamente cuidadas. “Algumas sim, como as do Córrego Botafogo, que estão no Jardim Botânico, mas a maioria não. O grande problema é que as nascentes se mantêm por estarem nos parques e há grande interesse mercadológico nestas áreas e poucos metros depois a água já está suja”, explica. Ele realiza um programa na UFG de Caçadores de Nascentes, que busca mapear os afloramentos de água e identificar as condições.

O trabalho já foi feito, por exemplo, nas bacias dos córregos Palmito, Capim Puba, Cascavel, Botafogo e Flamboyant. Neste último caso, Pessoa cita que, apesar de manter bem preservada a nascente principal do córrego de mesmo nome, o local onde hoje é um parque do Jardim Goiás era brejoso devido a existência de várias nascentes. “Hoje, muitos olhos d´ água do córrego já estão cobertos por prédios, tanto que têm de ser drenados para as ruas”, diz. Já no caso do Córrego Palmito, o professor conta que uma nascente está localizada na área do Viaduto Lauro Belchior, construído sobre a BR-153.

Outro exemplo citado é o do Córrego Cascavel, que possui nascentes no Parque Cascavel e outra no terreno acima dele. Pessoa relata que mesmo protegidas pelo parque, a situação dos afloramentos no local não é boa, visto que as cercas são constantemente vandalizadas e é possível perceber a presença de lixo e da ação humana. “Acredito que tenha pessoas que usam ali para tomar banho ou mesmo brincar”, diz. Situação semelhante é encontrada na nascente do Córrego Vaca Brava, situada no parque de mesmo nome no Setor Bueno. Também há casos em que as nascentes estão sem qualquer proteção, como ocorre nos afloramentos do Córrego do Abel, tanto no Setor Santo Hilário quanto no Parque das Amendoeiras.

Sobre a situação, a Amma informa que todas as nascentes de Goiânia são monitoradas. No caso, são verificados a qualidade das águas que fluem das nascentes, a preservação da vegetação nativa do bioma Cerrado que deve existir em suas APPs, os casos de invasões e ocupações ilegais, dentre outras ações administrativas. Questionada sobre a quantidade de nascentes da capital que possuem ao menos parte da sua APP ocupada indevidamente, a Amma garantiu que essa informação “está dispersa em diversos processos, Ordens de Serviço e Projetos” e completou que “os casos de ocupação a menos de 100 metros de nascente são analisados em processos específicos para cada caso”.

A agência completa ainda que a fiscalização acerca de irregularidades que colocam em risco as nascentes dos córregos que estão em Goiânia ocorre quando há qualquer denúncia em relação ao meio ambiente, há a realização da “averiguação in loco, e constatadas nascentes como alvo do crime ambiental, a Diretoria de Fiscalização realiza notificações e autuações, assim como desocupações”. “Somente em 2022 foram feitas 238 notificações. Destas, várias interferem direta ou indiretamente em áreas de nascentes”, garante o órgão.

Números estão subnotificados

O Sistema de Informações Geográficas de Goiânia (Siggo) e o mapa da Prefeitura apontam a existência de 257 afloramentos de corpos hídricos na capital, mas especialistas entendem que o número é subnotificado. A quantidade, no entanto, é a utilizada pela Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma). Historicamente, porém, os mapas da capital pontuaram apenas um afloramento por curso d´água, o que é condição rara do Cerrado, visto a existência mais comum de nascentes difusas ao longo do corpo hídrico. Desta maneira, a quantidade de nascentes em risco ou até mesmo já desaparecidas também está abaixo da realidade. 

Um exemplo disso é o caso do Córrego dos Buritis, que nem mesmo tem demarcação do afloramento no mapa ambiental de Goiânia. Há relatos técnicos da presença da nascente deste córrego desde a altura da Alameda Ricardo Paranhos, no Setor Marista, a até o Jóquei Clube, na Rua 3 do Setor Oeste, passando pelo Clube de Engenharia, Clube dos Oficiais e até mesmo antigo Clube da Celg, todos estes no Setor Sul.

Nesta semana, moradores do Setor Sul, a contive da associação do bairro (Aprosul) e urbanistas protestaram contra a derrubada de árvores em um terreno agora particular na Avenida 136, onde acusam ser área de nascentes do Córrego dos Buritis. A Amma nega a informação e informa ainda que “a autorização concedida para a área localizada na Rua 132 com a Avenida 136 e a Rua 148, no Setor Sul, estabelece que a nascente que dá origem ao Córrego dos Buritis deve ser preservada em um raio de 100 metros.” Além disso, foi estabelecida uma compensação ambiental ao proprietário do lote pela derrubada das árvores.

O diretor técnico da Associação Para Recuperação do Ambiente (Arca), Gerson Neto, explica que no Cerrado as nascentes são difusas. “Não é apenas uma nascente para um córrego, não existe uma nascente só. Mas a Carta de Risco de Goiânia, de 1993 e atualizada em 2008, é que aponta uma nascente só. Com essa situação, cada uma deveria ter uma área de proteção permanente (APP) de 100 metros, mas elas não estão catalogadas”, acrescenta.

Neto ressalta ainda que é em razão desta subnotificação das nascentes que as áreas de respiro que ainda existem, sobretudo nas regiões mais adensadas da cidade, são essenciais para a preservação, como é o caso do lote da Avenida 136 do Setor Sul. Para o ambientalista, há pelo menos três modelos de preservação das nascentes nos ambientes urbanos. O primeiro deles seria a implantação de parques lineares ao longo dos corpos hídricos e suas nascentes, mantendo as áreas de proteção. “Mas eu entendo que não é possível uma prefeitura, mesmo de Goiânia, manter e fiscalizar tantos parques assim”, admite.

Sendo assim, é possível, segundo Neto, permitir outros tipos de ocupações, com menor densidade e uso do solo, de modo a preservar as nascentes. Para ele, o loteamento de chácaras nessas áreas, com lotes de no mínimo 1.000 metros quadrados é uma boa iniciativa, assim como a implantação de clubes recreativos, como é o caso dos clubes de Engenharia e dos Oficiais nas ruas 132 e 148 do Setor Sul. “Se colocar com ocupações menores, construções pequenas e mais áreas de lazer é uma boa oportunidade para manter as matas ciliares. Tem até condomínios que ocupam essas áreas de nascentes como suas áreas de lazer, preservando a mata. É possível”, afirma.

Sensoriamento remoto aponta cerca de 500 nascentes

O geógrafo e pesquisador do Laboratório de Geomorfologia, Pedologia e Geografia Física do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Elizon Dias Nunes, realiza trabalho de mapeamento das nascentes de corpos hídricos em Goiânia a partir do conhecimento de relevo e solo convertido em metodologia operada por tecnologia de sensoriamento remoto. Em seus estudos, considerando entre perenes e intermitentes, o município de Goiânia tem, aproximadamente, 512 nascentes. “Aproximadamente porque, se considerarmos as evidências hidrológicas é possível que outras nascentes possam existir, ainda que de forma não muito evidente. Daí a importância da relação entre a definição de nascente, análise consistente e a legislação que estabelece uma referência para que os integrantes da sociedade possam dialogar e, assim, dirimir questões relacionadas”, afirma. 

Ele confirma que as situações de ocupações indevidas das áreas de proteção permanente (APPs) são verificadas com alguma frequência nos ambientes urbanos. “Isso é preocupante, especialmente quando se leva em conta o atual Plano Diretor, o qual estabelece que, dentro da macrozona construída, são consideradas como APPs as áreas circundantes das nascentes ou olhos d’água perenes e intermitentes, com um raio de no mínimo 100 m. Considerando esta definição e os nossos padrões de ocupação urbana fica evidente que temos muito a cumprir.” Ele explica que nestes casos “as nascentes têm cada vez menos condições de continuar desenvolvendo suas funções, em especial evitando alagamentos e mantendo a perenidade dos canais fluviais”.

Para ele, se ocorre o processo de compactação e impermeabilização do solo nas áreas dos afloramentos o resultado é um maior escoamento superficial e menor infiltração no solo. “Em áreas habitadas esse processo acarretará, para alguns ambientes, em eventos de alagamento ou até mesmo inundações. Para as nascentes e canais fluviais implicará na redução da perenidade especialmente nos períodos de estiagem.” O professor alerta ainda sobre a necessidade de planejamento quando a política de proteção das nascentes é a implantação de parque urbano, já que se ela estiver no limite da área do parque, a proteção não será tão eficiente. “A existência de uma nascente depende, além da chuva, de uma superfície a qual podemos chamar de área de contribuição.”

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