Em 2015, uma média de 49 mulheres foram atendidas por dia na rede pública e privada de saúde após serem vítimas de estupro. Destas, a maioria era criança ou adolescente.
Dados preliminares, contabilizados por meio do Sinan (Sistema Nacional de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, indicam ao menos 17.871 atendimentos no último ano a mulheres vítimas de estupro.
O número, que representa apenas os casos notificados por profissionais de saúde, ainda deve crescer, já que novos registros ainda podem ser enviados pelas secretarias de Saúde e incorporados ao sistema nos próximos dias.
Na prática, a pasta também estima que o total de casos seja muito maior - segundo o Ministério da Saúde, cerca de 40% dos municípios brasileiros ainda não registram os atendimentos feitos no SUS a vítimas de violência.
Ainda assim, os dados são vistos com preocupação por técnicos do governo. Do total de casos de estupro notificados no último ano, 71% foram de meninas de até 12 anos e de 13 a 19 anos.
O levantamento também mostra que, na maioria dos registros, a violência é cometida por pessoas conhecidas da vítima, como familiares e amigos. O pai ou padrasto, por exemplo, é apontado como o autor do estupro em 27% das notificações cuja vítima era uma criança (ou seja, tinha até 12 anos). A maioria das agressões também ocorreu dentro de casa, segundo os relatos feitos às equipes de saúde.
Para o Ministério da Saúde, a situação é ainda mais grave quando observados os dados de nascimentos no período. Só em 2015, foram 5.671 registros de bebês recém-nascidos cujas mães tinham menos de 12 anos.
Deste total, cruzamento de dados da pasta indica que ao menos 333 são filhos de mães que já constavam nos registros recentes de atendimentos a crianças vítimas de estupro - situação na qual o aborto é permitido por lei.
"Morte Anunciada"
Dados da rede de saúde também mostram o desfecho trágico da violência contra mulheres no Brasil. Só em 2015, ao menos 997 mulheres que morreram vítimas de homicídio, suicídio e outras "causas externas", como afogamentos e queimaduras, já tinham sido atendidas em hospitais e unidades de saúde após serem vítimas de agressões físicas.
Os dados foram obtidos a partir de levantamento feito por meio do nome das vítimas nos sistemas de notificação mantidos pelo Ministério da Saúde. "É a crônica de uma morte anunciada", define a diretora de doenças não transmissíveis, agravos e promoção da saúde do ministério, Fátima Marinho.
"Atrás desses números, estão pessoas. Hoje, cerca de 25% dos registros de violência tem repetição, ou seja, é a mesma pessoa atendida em momentos diferentes", diz a coordenadora de vigilância de agravos, Marta Alves da Silva. "E essa é a só a ponta do iceberg. O Estado está falhando na proteção", diz.
Para Silva, é preciso reforçar a integração entre ações dos serviços de saúde, Justiça e assistência social, de forma a oferecer maior assistência às mulheres vítimas de violência - e, assim, evitar novas mortes.
A notificação feita pelos serviços de saúde, assim, é apenas o primeiro passo. "O profissional de saúde que registra esses casos pode salvar uma vida", afirma Silva. "A violência é um problema de saúde pública. E é possível preveni-la".