Principais atingidos pelo decreto municipal de Goiânia com restrição parcial ao funcionamento de atividades econômicas, feirantes e donos de bares e restaurantes estão insatisfeitos e querem reverter a medida. Representantes de entidades reclamam de sacrifício maior que o de outras categorias para tentar conter a disseminação do coronavírus (Sars-CoV-2).
Decreto estadual de março, que era seguido pela capital, previa o fechamento das atividades consideradas não essenciais durante duas semanas a partir desta quarta-feira (14). No entanto, após pressão do setor produtivo, representantes do Estado e município optaram pela continuidade da abertura do comércio e serviços, mas com restrições, anunciadas na última terça-feira (13), um dia antes de serem implementadas.
Entre os mais atingidos por essas novas restrições estão as feiras especiais que funcionam nos fins de semana. De acordo com o decreto de Goiânia, só serão permitidas atividades essenciais aos sábados e domingos, como hospitais e supermercados. Os dois dias são os de maior faturamento para bares e restaurantes, que também terão horário limite de funcionamento entre segunda e sexta, além de proibição de som e música ao vivo.
No caso da Feira Hippie, que costuma operar entre sexta-feira e domingo, só restaria um dia de funcionamento. A Associação dos Feirantes da Feira Hippie e Liga dos Amigos da Praça do Trabalhador entrou com um pedido na Prefeitura de Goiânia nesta quarta, para que possam funcionar até sábado às 14 horas, ou que possam funcionar também na quinta-feira, entre 5h e 19h.
“Fizeram decreto sem perceber a existência da Feira Hippie. Precisamos trabalhar” lamenta e reivindica o presidente da entidade, Waldivino da Silva. Ele se reuniu no fim da tarde desta quarta com o secretário interino de Desenvolvimento e Economia Criativa da capital, Rafael Meirelles.
A proibição do funcionamento da feira, sem auxílio financeiro para os feirantes, piora uma situação que já é difícil, de queda no movimento dos clientes. “Antes da pandemia a gente vendia muito bem, mas já estava caindo (o movimento). Assim que a pandemia veio, caiu de vez”, relata a feirante Márcia Pereira Stival Lopes, de 42 anos, que fabrica e vende enxovais. Ela conta que chegou-se ao ponto de ter de arrecadar cestas básicas para aqueles colegas feirantes que não conseguem comprar os mantimentos necessários para suas famílias.
Para Márcia, a possibilidade de ficar os dois próximos fins de semana sem fazer a feira é desesperador, já que as vendas pela internet são muito baixas. Ela explica que toda a família, formada pelo esposo, neto e dois filhos, depende exclusivamente da feira. “Tem muitas pessoas que estão trabalhando pela fé. Você fica impressionado. Por isso estamos recorrendo. Está um estado de calamidade.”
Outros prejudicados são os feirantes da Feira da Lua, que funciona todo sábado na Praça Tamandaré. A Associação da Feira da Lua também tenta conseguir permissão junto à Sedetec, por entender que além de seguirem os protocolos sanitários, trabalham ao ar livre, em que é mais difícil o contágio. “Temos direitos e deveres, porém não suspenderam as taxas de funcionamento e ainda assim querem que paremos de trabalhar”, se posicionou a entidade.
“Fakedown”
No caso dos bares e restaurantes, a estimativa é que 60% do faturamento corresponda aos dias de sábado e domingo, dias em que não será permitida a abertura. É o que afirma o presidente do Sindicato dos Bares e Restaurantes do Município de Goiânia (Sindbares), Newton Pereira. Ele avalia que além do fechamento, donos desses estabelecimentos se sentem desamparados, sem auxílio financeiro e burocracia para conseguir acessar créditos oferecidos pelo governo Estadual.
Pereira defende que se o objetivo era diminuir a contaminação no fim de semana, deveriam fechar não só os bares e restaurantes, mas também proibir parte das atividades essenciais como supermercados e transporte coletivo, para que as pessoas não se reunissem com amigos e familiares dentro de casa. “Optaram por fazer ‘fakedown’. ‘Faz de conta que estou fazendo lockdown’. (...) Temos tido várias notícias de pessoas que perderam a vida após atividades entre familiares”, lembra o presidente do Sindbares.
Na avaliação de Pererira, parte dos bares e restaurantes vai optar por não abrir de segunda a sexta, já que pode não compensar o custo de se manter o estabelecimento aberto só até as 23 horas, conforme previsto no decreto. “Deixar de faturar no sábado e domingo é uma catástrofe”, diz o presidente do Sindbares. Ele calcula que o cliente de sábado e domingo, não vai migrar para os dias no meio da semana, preferindo fazer atividades em casa com convidados.
Comerciantes da 44 dizem perder sem feira e sábado
O presidente de honra da Associação Empresarial da Região da 44 (AER44), Jairo Gomes, reconhece as dificuldades por não abrir as lojas no sábado e domingo, mas avalia que o cenário é mais favorável para os comerciantes do que seria caso se tivesse sido mantido o decreto de março, que previa 14 dias de fechamento a partir desta quarta-feira (14), mas foi suspenso. “Melhor perder um dedo, do que perder a mão toda”, sintetiza o representante.
Na manhã desta quarta, representantes da AER44 tomaram um café da manhã com o prefeito de Goiânia, Rogério Cruz (Republicanos), e obras da região foram vistoriadas. Gomes avalia que a mudança do decreto ocorre depois das administrações municipais e estadual se sensibilizarem com o setor produtivo. “Independente da questão da pandemia, não se pode fazer gestão sem ouvir o setor produtivo. Prioridade zero é vida, mas trabalho também é vida.”
O presidente da AER44 lamenta o fechamento da Feira Hippie, que funciona na mesma região, e na visão dele, deve refletir também no movimento para os lojistas. “É uma cadeia frágil separadamente. Não são só lojas. São as lojas e a Feira Hippie.”
A empresária do ramo de confecção, Luciene Salustiano Nascimento Santos, que trabalha na 44, conta que o movimento de clientes tem caído bastante. “Já tinha dispensado um pouco das minhas costureiras. Se não fosse deixar o comércio aberto, ia ter de dispensar mais.”
No entanto, ela avalia que não poder abrir sábado vai diminuir o faturamento, já que era um dia em que as lojas costumam ser frequentadas por excursões, que fazem compras no atacado. Além disso, também há muitas compras no varejo de pessoas que trabalham no meio da semana e só podem sair para comprar no sábado.
Divergência entre decretos coloca fim a consenso que durou 14 dias
Os decretos publicados no mesmo dia pelo governo estadual e pela Prefeitura de Goiânia para tratar do funcionamento das atividades não-essenciais durante a atual fase da pandemia divergem principalmente em um ponto: o turno diário das atividades comerciais. Para o governo estadual deveria ser de seis horas. Mas na capital vai ser de oito. O executivo municipal chegou a divulgar um decreto colocando as atividades comerciais das 10 às 16 horas, mas em minutos substituiu por outro, autorizando a abertura das 9 às 17 horas.
Outra diferença é que no decreto municipal, ao contrário do estadual, não há determinação de limite de turno diário para o setor da construção civil e industrial.
Não é a primeira vez que os decretos apresentam divergências, mesmo quando seguem pelo mesmo caminho. No fim de janeiro, a Prefeitura acompanhou o Estado na proposta de lei seca para evitar aglomerações em bares e similares, mas ao contrário do governo de Goiás que impôs a proibição da venda de bebidas após às 22 horas, a capital determinou o fechamento dos estabelecimentos a partir das 23 horas.
Na primeira quinzena de março, o governo estadual apoiou um decreto municipal que fugia um pouco do que o Estado pretendia ao lançar o mapa de calor com o risco Covid-19 em Goiás. E ambos os poderes voltaram a ter um consenso no período de reabertura dos estabelecimentos durante a adoção do modelo de revezamento 14x 14 no fim de março e primeiros dias de abril.