Em média, de dois em dois meses, biólogos do projeto Brasília é o Bicho, flagram a movimentação de onças no município de Planaltina de Goiás, no Entorno do Distrito Federal. Cada vez que isso acontece os biólogos comemoram porque sabem que a espécie, com grande risco de extinção nas Américas, sobrevive numa região muito próxima de ambientes altamente adensados. Foi o que ocorreu no domingo (24) quando Planaltina, o nome dado a uma onça melânica, um felídeo preto, voltou a circular diante de uma câmera instalada pelos pesquisadores em 2015.
“Um ano depois que instalamos a câmera, registramos um macho, que batizamos de Barranqueiro. De lá para cá flagramos cinco indivíduos, mas alguns estão desaparecidos. Não sabemos se mudaram de território, se foram mortos por caçadores ou se foram atropelados”, afirma o biólogo Rands Sanginez Zebalos. O projeto Brasília é o Bicho vem fazendo importantes registros de espécies do Cerrado, tanto na área da capital federal, quanto nos municípios adjacentes. Em Planaltina de Goiás, os biólogos monitoram uma região que integra a Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central, que não é de proteção integral.
“Estamos conseguindo acompanhar um pouco da vida desses animais. E isso significa que a região oferece condições mínimas para manter um animal de grande porte como a onça pintada ou, nesse caso a onça melânica, a conhecida onça preta.” Na verdade, elas são da mesma espécie, com a diferença que a preta sofre uma mutação genética conhecida como melanismo, que torna sua pelagem escura. Barranqueiro e Planaltina, o casal que tem sido registrado pela câmera do projeto brasiliense, é formado por onças pretas. Segundo Rands, apenas 9% das onças são melânicas, daí a importância dos registros. “É um privilégio flagrar um indivíduo desses.”
Rands Zebalos não detalha a região onde essa população de onças vem sendo monitorada para evitar a caça predatória. Ele explica que por não ser uma área totalmente protegida, há fazendas que mantêm criações de gado, de cabras e de porcos. “As pessoas acham que é a onça que está no lugar errado gerando o conflito, mas não é assim. Ela está no lugar correto.” A atuação dos biólogos envolve também educação ambiental junto aos proprietários rurais. Eles mostram que o felídeo funciona como um “guarda-chuva”, mantendo uma série de outros animais na natureza.
“A gente chama a onça de animal guarda-chuva. Para ela estar ali a cadeia alimentar está funcionando direitinho. O principal alimento dela é o porco do mato, o caititu ou a queixada. Se eles não existirem, ela vai atacar animais de criação, caso sinta fome.” Não há registros de ataques a animais domésticos ou de criação na região onde o projeto Brasília é o Bicho vem monitorando a população de onças. Ao contrário, moradores relatam encontros com os animais e já sabem como se proteger.
Rands Zebalos atribui a presença das onças nesta área de Planaltina de Goiás ao tipo de relevo, que é irregular, com serras, o que dificulta o acesso. “Provavelmente foi isso que manteve esta região preservada.” O trabalho desenvolvido pelos biólogos traz informações relevantes que são repassadas ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Nossa expectativa é que sejam criadas medidas para preservar a espécie, como corredores ecológicos e unidades de proteção.”
A mesma câmera flagrou desde o início do monitoramento uma onça-pintada e quatro pretas. Em 2018, a fêmea batizada de Calyandra, desfilou por ali com seu filhote de quatro meses. Barranqueiro, assim nomeado pelos biólogos por se locomover usando trilhas em matas e barrancos para fugir do combate com outro macho de onça-pintada, foi flagrado em fevereiro deste ano. Planaltina já tinha sido flagrada em 2018.
Felino é o maior das Américas e o terceiro maior do mundo
A onça-pintada é o maior felino das Américas e o terceiro maior do mundo, depois do tigre e do leão, podendo medir até dois metros de comprimento e pesar até 150 quilos. É um animal em risco de extinção no continente. Nos Estados Unidos já desapareceu, no México raramente é encontrado. O maior problema é exatamente o conflito com o homem. No Brasil, onde sua presença é maior, sumiu da Mata Atlântica e da região Sul. O felídeo ainda resiste, em maior número, na Amazônia e no Pantanal e em algumas áreas do Cerrado, daí a importância dos flagrantes feitos tão perto de Brasília. Ela é classificada pela União Internacional para Conservação da Natureza e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) como espécie vulnerável. No Livro Vermelho da Fauna Brasileira ela também aparece como “vulnerável” e “quase ameaçada”.