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Cartão corporativo de Bolsonaro mostra gasto de R$ 4,7 milhões em feriadões e motociatas

Ueslei Marcelino/Reuters/AgenciaBrasil

O fim do sigilo do cartão corporativo de Jair Bolsonaro (PL) mostra gasto de ao menos R$ 4,7 milhões em dias em que o ex-presidente estava sem agenda de trabalho, curtindo férias ou feriadões --em especial em Guarujá (SP)--, assistindo a jogos de futebol ou participando de motociatas.

Os valores debitados no cartão corporativo da Presidência incluem não só gastos diretos do presidente, mas da equipe que o acompanha de perto, entre outras despesas.

A Folha de S.Paulo cruzou o gasto do cartão com as principais datas em que Bolsonaro tirou folga ou participou de eventos sem relação com as suas funções, como motociatas ou idas a jogos de futebol.

Os gastos foram publicados em resposta a um pedido feito pela agência Fiquem Sabendo por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

Como a Folha de S.Paulo mostrou em maio, Jair Bolsonaro aproveitou uma série de feriadões, folgas autoconcedidas e dias de expediente normal para converter em lazer ou praticar atividades sem relação com o cargo que ocupava.

Temporadas nos litorais paulista, catarinense e baiano (15 vezes), idas a jogos de futebol, motociatas, cavalgadas, "jeguiatas", "lanchaciata" e afins produziram uma profusão de imagens do presidente conduzindo jet-skis, motos, cavalos, em camarotes de estádios, parques de diversão, restaurantes ou aproveitando um dia de sol nas praias pelo país.

Em praticamente todos esses momentos houve gastos do cartão corporativo relacionados ao lazer presidencial. Os valores não aparecem em nome de Bolsonaro, mas vinculados a CPFs de servidores lotados na Presidência da República.

Os casos mais ilustrativos estão relacionados ao Forte dos Andradas, em Guarujá, para onde o presidente se deslocou 11 vezes em sua gestão.

No final de 2020, por exemplo, Bolsonaro largou formalmente o expediente em 19 de dezembro, e foi para o Forte Marechal Luz, em São Francisco do Sul (SC), onde ficou até o dia 23. Voltou a Brasília, onde passou o Natal, e, de 28 de dezembro a 4 de janeiro foi para o Forte dos Andradas.

Os gastos do cartão corporativo nesses dias somam quase R$ 1 milhão, sendo o maior relativo a duas faturas do Ferrareto Hotel, no centro de Guarujá, que totalizam R$ 493 mil. Há ainda R$ 57 mil em gastos em um mercado de alimentos da cidade, entre outras despesas.

Não há detalhamento nos documentos oficiais do que foi comprado ou contratado e a quem exatamente estava destinado.

Como o cartão inclui gastos da equipe presidencial, há valores menores que não estão relacionados à folga de Guarujá.

Na virada de ano seguinte, de 2021 para 2022, Bolsonaro voltou ao litoral catarinense, ocasião em que visitou o parque Beto Carrero World. Dias antes, quando estava em Guarujá, fez passeios de lancha com dança de funk.

O Réveillon no litoral catarinense resultou em R$ 198 mil com gastos no hotel Zibamba, em São Francisco do Sul, R$ 73 mil em combustível em um posto da cidade e R$ 66 mil em uma padaria, entre outras despesas.

Ao final do primeiro ano de mandato, em 2019, Bolsonaro tirou três dias de folga na praia de Inema, na base naval de Aratu, na Bahia. Na ocasião, foram realizadas despesas com hospedagem no total de R$ 70,1 mil, debitadas em três cartões corporativos usados por assessores palacianos. Os valores foram pagos ao Real Classic Bahia Hotel, em Salvador.

Nos mesmos períodos de gestão, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) tiraram menos folgas do que Bolsonaro.

A Folha de S.Paulo tentou contato com ex-assessores do presidente e com seus advogados, mas não obteve resposta. Nas redes sociais, Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro e integrante da campanha à reeleição do presidente, escreveu: "Para quem conhece minimamente os hábitos do presidente e sua família saberia sem nenhuma surpresa que não haveria nenhum gasto extravagante no cartão corporativo. Essa é a verdade, o resto é narrativa mentirosa".

O cartão também foi usado em apoio a uma atividade a que Bolsonaro dedicou especial atenção durante o seu mandato, a ida a estádios para acompanhar partidas do Campeonato Brasileiro, em especial.

Em julho de 2019, ainda no primeiro ano de gestão, o presidente voltava do Rio para Brasília em um sábado e fez uma escala em São Paulo para assistir ao empate de 1 a 1 entre Palmeiras, seu time, e o Vasco.

Os dados do cartão mostram gasto de quase R$ 20 mil em hospedagem e em alimentação na capital paulista.

A nota de alimentação é da lanchonete Tony & Thais Ltda, na zona sul de São Paulo, que aparece como cliente do cartão corporativo da Presidência desde 2007, na gestão Lula, tendo recebido R$ 1,5 milhão em valores não corrigidos --40% desse montante só nos anos Bolsonaro (2019 a 2022).

Em suas redes sociais, a empresa afirmou que vem sendo vítima de "denúncias caluniosas e infundadas" e que serve comitivas presidenciais desde 2006, sempre dentro da legalidade, "com excelência e justo trato nas negociações".

Bolsonaro e equipe também usaram o cartão nas motociatas que o então presidente promoveu na tentativa de manter inflamada sua base de apoio nos anos finais de sua gestão. Ele participou desse tipo de evento em praticamente todos os estados do Brasil, vários deles em dias de semana.

Em uma das maiores, em São Paulo, no dia 12 de junho de 2021, teve registro de gasto no cartão de R$ 61 mil no Blue Tree Faria Lima e R$ 13 mil na lanchonete Tony & Thais.

Na que fez em Porto Alegre, em julho de 2021, houve 17 notas de abastecimento em posto de gasolina pagas com o cartão corporativo, totalizando R$ 1.640.

O gasto com cartão corporativo é apenas uma parte das despesas custeadas pelos cofres públicos. A soma não inclui, por exemplo, passagens aéreas. Como a Folha de S.Paulo mostrou no final de 2021, as motociatas em apoio a Bolsonaro já haviam custado até então R$ 5 milhões, o que incluía gastos assumidos pelos estados para garantir a segurança da população e da comitiva de Bolsonaro.

O cartão de pagamentos da Presidência da República também foi usado na loja de panelas de luxo francesas Le Creuset. Uma unidade básica sai por mais de R$ 500 e vários modelos custam mais de R$ 1.000. O cartão foi utilizado para comprar esse modelo de panela em duas ocasiões. Em 12 de novembro de 2019, foram R$ 1.349 gastos no local. Já em 23 de março de 2022, ocorreu uma transação de R$ 567.

Conforme noticiado pelo UOL, a comitiva de Bolsonaro gastou R$ 55 mil em uma padaria do Rio um dia depois do casamento de seu filho Eduardo, em maio de 2019. Também gastou R$ 109 mil em um restaurante de Roraima quando visitou o estado para encontro com refugiados venezuelanos, em outubro de 2021.

Os dados do cartão mostram gastos pulverizados com alimentação, incluindo lojas de chocolate e sorvete.

Ainda não é possível haver uma comparação exata dos gastos de Bolsonaro com os de seus antecessores.

As faturas do cartão corporativo da Presidência são publicados mensalmente no Portal da Transparência do governo federal, que reúne informações de 2013 até fim de 2022. No entanto, os tipos de gastos e as empresas que receberam os pagamentos não são detalhados.

Essas informações foram divulgadas agora pelo governo Lula, que também abriu dados de despesas desde 2003.

No entanto, os números do Portal da Transparência indicam que ainda há gastos de Bolsonaro a serem divulgados. As faturas do cartão em 2022, por exemplo, ultrapassam a marca de R$ 10 milhões, enquanto que as informações detalhadas desse ano somam cerca de R$ 5 milhões.

Essa diferença é bem pequena nos anos anteriores -em alguns casos, nem existe.

A legislação define que o cartão, que no caso de Bolsonaro é gerido por assessores, serve para despesas imediatas como compra de materiais, alimentação e diárias de assessores, entre outras.

Excluindo o último ano, no período de 2019 a 2021, a média anual dos gastos de Bolsonaro com cartão corporativo foi de R$ 8,6 milhões.

Já corrigindo pela inflação do período, a média dos gastos anuais de Lula, de 2003 a 2010, com cartão corporativo foi de R$ 12,99 milhões.

No governo Dilma Rousseff (2011-16), a média anual foi de R$ 10,2 milhões. No período Michel Temer (2016-18), a cifra média ficou em R$ 5,6 milhões.

 

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