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Casal de Anápolis consegue FGTS para fertilização in vitro

Wildes Barbosa/O Popular
Jordana e Mariane, que vivem em Anápolis, conseguiram realizar um sonho graças a decisão inédita que permitiu o saque do FGTS

Desde que se casaram, o sonho de Mariane Stival, de 41 anos, e Jordana Fonseca, de 27 anos, sempre foi exercerem a dupla maternidade. Quando a gestação do pequeno Giuseppe, que deve chegar ao mundo em julho, foi descoberta, elas se sentiram completas.

Entretanto, para que a gravidez ocorresse, elas precisaram se submeter a um método de reprodução assistida, que é dispendioso.

Em uma decisão inédita no Brasil, o juiz federal Alaôr Piacini, da Subseção Judiciária de Anápolis, autorizou Mariane fazer um saque parcial no valor de R$ 28 mil do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dela para custear a fertilização in vitro que permitiu que elas engravidassem. Jordana é quem carrega o bebê. Ela está grávida de 30 semanas. Entretanto, os óvulos são de Mariane. “Já estávamos felizes, agora estamos ainda mais”, diz Mariane.

Uso emergencial

Mariane e Jordana já queriam engravidar há algum tempo. Entretanto, a baixa reserva ovariana de Mariane, por causa da idade, fez com que o tratamento de reprodução assistida se tornasse urgente. “Enquanto eu tinha cerca de quatro óvulos, a Jordana tinha em torno de 20. Daqui a alguns meses eu poderia nem ter”, esclarece.

O direito ao planejamento familiar está protegido pela Constituição Federal. É uma atribuição do Sistema Único de Saúde (SUS) garantir toda a assistência médica e fornecer todos os métodos cientificamente aceitos para dar início a uma gestação. Entretanto, as poucas unidades de saúde especializadas nesse tipo de reprodução assistida e as longas filas de espera não permitiriam que Mariane conseguisse aguardar. Com base nisso, houve a decisão judicial favorável.

Com a urgência do procedimento e a necessidade de capitalizar dinheiro para dar início ao tratamento, em uma conversa de Mariane, que é professora e advogada, com um colega de trabalho, o advogado Jefferson Luiz Maleski, que cuidou do caso, surgiu a ideia de usar o FGTS. “Infelizmente, a reprodução assistida é cara. Já estávamos pagando, economizando. Conversando com o Jefferson, surgiu essa ideia e ele entrou com a ação”, explica Mariane.

Família

Mariane já é mãe de Maria Eduarda, de 14 anos, que vive com o casal. Ela e a esposa começaram a namorar no final de 2018 e se casaram em 2019. A vontade de ter um bebê fruto do relacionamento sempre existiu. “Eu sempre tive vontade de ser mãe e, quando conheci a Mariane, isso aumentou. Queria ser mãe com ela do meu lado”, conta Jordana.

Depois de uma visita a uma clínica de fertilização, em Goiânia, elas começaram os procedimentos para engravidar no início de 2020. O sêmen usado para fecundar o óvulo de Mariane veio de um banco internacional de doadores. Ao todo, o casal conseguiu fertilizar três embriões, sendo que dois foram transferidos para Jordana. “Tínhamos muita vontade de ter gêmeos”, conta Jordana.

Entretanto, apenas a gestação de Giuseppe evoluiu. “Mesmo assim ficamos muito felizes. A chance de uma transferência dar certo na primeira vez é de 25%”, relata Mariane. Atualmente, mãe e filhos estão saudáveis e toda a família ansiosa pela chegada do bebê. “Ele vai ser o primeiro neto da minha família e o primeiro bisneto de ambas”, diz Jordana.

O bebê é a peça que faltava para a vida da família ficar completa. “Minha avó, de 90 anos, me liga e manda mensagens fazendo orações perguntando como o Giuseppe está. Toda a família está envolvida com a chegada dele”, alegra-se Mariane.

Dupla maternidade

O casal conta que está muito feliz com a decisão judicial, especialmente pelo fato dela ter ocorrido em prol de uma família composta por duas mães. “Estamos nos sentindo muito acolhidos pelas nossas famílias”, afirma Mariane. “Nós estamos muito contentes em mostrar que existem opções viáveis para famílias com a nossa configuração também poderem realizar o sonho de se tornarem mães”, afirma Jordana.

 

Decisão abre precedentes 

A decisão judicial inédita concedendo autorização para que a advogada e professora Mariane Stival, de 41 anos, fizesse o saque parcial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para custear a reprodução assistida dela e da esposa abre precedentes para que outras famílias possam tentar o mesmo. “Isso vai permitir que muitas pessoas realizem sonhos. As pessoas têm que saber que isso é possível para qualquer casal, seja homoafetivo ou não”, diz Mariane.

O advogado Jefferson Luiz Maleski, que é especialista em direito fiduciário - casos envolvendo FGTS - e foi o responsável pela ação de Mariane, explica que apesar de na época que em que entrou com a ação não existir nenhuma decisão favorável, ele resolveu tentar.

Pela Lei 8.056/90, as hipóteses relacionadas a tratamentos de saúde para saque total ou parcial do FGTS são para os casos de trabalhadores ou dependentes que tenham HIV, diagnóstico de câncer, que estejam em estágio terminal de doença rara grave e/ou quando o trabalhador com deficiência, por prescrição médica, necessitar de órtese ou prótese. Por isso, para casos como o de Mariane é necessário recorrer ao Poder Judiciário.

Entretanto, Maleski aponta que é preciso contratar um advogado especialista nesse tipo de assunto para que as famílias consigam ter sucesso. “Esse tipo de trabalho fica próximo do direito trabalhista, mas também do direito familiar e da saúde”, diz.

Na decisão, que foi proferida em abril e não cabe recurso, o juiz federal Alaôr Piacini concordou que o rol de situações apresentado na lei tem um caráter apenas explicativo das situações mais comuns que permitem o saque do dinheiro. 

“Não se poderia exigir do legislador a previsão de todas as situações fáticas ensejadoras de proteção ao trabalhador, mediante a autorização para levantar o saldo de FGTS”, argumentou o magistrado.

O uso emergencial do recurso também foi levado em conta. “A questão se assemelha de certa forma à hipótese de um tratamento de saúde grave, razão pela qual entendo plenamente possível o saque do valor necessário ao custeio do tratamento almejado”, diz outro trecho da decisão.

O resultado positivo da ação poderá servir agora de exemplo para outras diversas famílias que desejam fazer o mesmo. “Para justificar a ação, usei os diretos à vida, à família e à saúde, que estão presentes na nossa Constituição. Fico muito feliz e satisfeito com o resultado. Sem dúvidas, é histórico. Isso vai permitir com que muitas famílias consigam o mesmo”, acredita o advogado. 

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