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Caso 'Choquei' reacende discussões sobre o combate às fake news

Blad Meneghel
Xuxa Meneghel já foi vítima de diversas mentiras

No tribunal da internet, não há juiz, promotor, advogado ou escrivão. Existe apenas espectadores e vítimas. É o que pôde ser comprovado na última semana, quando Jéssica Vitória Caetano, de 22 anos, tirou a própria vida após protagonizar uma fake news envolvendo o instagrammer Whindersson Nunes. A mentira, replicada pelo portal de fofocas Choquei, do goiano Raphael Souza, é apenas mais uma das tantas que pipocaram em 2023.

As fakes news e a especulação da vida alheia no mundo digital são assuntos que cada vez mais preocupam especialistas. O caso do youtuber PC Siqueira, que tirou a própria vida na quarta-feira (27), é outro episódio que ilustra a questão. O paulistano se afundou em uma depressão profunda após ter seu nome envolvido com uma acusação de pedofilia, que nunca foi concluída pela Polícia Cívil de São Paulo.

“As plataformas de mídias sociais precisam ser responsabilizadas por conteúdos deliberadamente nocivos à vida em sociedade. Não podemos ficar limitados às políticas estabelecidas pelas próprias plataformas”, adianta o professor Tiago Mainieri, do programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG. De acordo com o especialista, o arcabouço jurídico necessita contemplar as especificidades das plataformas criando elementos que resguardem os cidadãos.

No documentário Se Eu Fosse Luísa Sonza (2023), disponível na Netflix, a cantora destaca como as fakes news e o comportamento de ódio nas redes a deixaram em um estado de ansiedade e depressão. O cantor Bruno, da dupla com Marrone, foi vítima de notícias falsas em abril que afirmavam que ele havia morrido. Por meio das redes sociais, o sertanejo desmentiu a notícia falsa, mas o estrago já estava feito.

O próprio Whindersson Nunes é alvo constante de fakes news. Nas redes, o influenciador, humorista e lutador publicou um vídeo que critica o que chamou de “jornalismo não oficial” e prometeu se engajar na aprovação de uma lei que combata as fake news. “Vou me comprometer a acompanhar as investigações e iniciar um movimento para ver se a gente contribui com uma lei chamada Jéssica Vitória para aprimorar a legislação brasileira”, disse.

Com tamanha onda de fake news, a pergunta que se faz é: de onde vem essa necessidade constante de saber da vida alheia nas redes sociais? Como explicar a especulação da fofoca? “Em uma sociedade extremamente atravessada pelo capital e pela competição, desde a escola primária, com as gincanas, por exemplo, vamos internalizando que eu não basto saber do outro para aprender com ele, eu preciso ser melhor que os que me cercam”, aponta a psicóloga clínica e da saúde Marina Morabi, docente da PUC Goiás.

O termo fake news pode ter surgido nos últimos anos, mas as notícias mentirosas sempre rodearam famosos e pessoas com vida pública. Nos anos 1980, por exemplo, a apresentadora Xuxa Meneghel sofreu com várias mentiras envolvendo seu nome, a exemplo do pacto com o diabo ou da boneca amaldiçoada. O fato é que as fofocas, principalmente as que marcam e ofendem, é algo que vai muito além da internet.

“Cada um que transita a notícia, traz de si na fala, aumentando um ponto ou distorcendo uma narrativa, como no telefone sem fio, que, com os aspectos de globalização on-line, cria efeito manada, amplificando a fofoca e, portanto, o seu impacto”, comenta Marina. Segundo a especialista, no atual momento social vivido todos sentem ter autoridade e autorização suficientes para expressar verbalmente e literalmente o que se pensa, sente, julga e imagina dos outros, sem a peneira ética mínima de cuidado da repercussão da informação.

Combate

As formas de assegurar que as fake news não se tornem uma bola de neve e tirem as vidas de mais inocentes, como o caso da jovem Jéssica Vitória Caetano, é, primeiro, garantir as informações fidedignas. Com a inteligência artificial, por exemplo, é cada vez mais fácil manipular as informações. De acordo com o pesquisador Tiago Mainieri, hoje é comum as pessoas compartilharem uma desinformação simplesmente por receberem de alguém conhecido, sem checar a veracidade das informações.

“Vejo que um dos caminhos é o que chamamos de letramento informacional, ou seja, analisar como as pessoas consomem, compartilham e disseminam informações, com o propósito de estabelecer padrões que possibilitem a checagem e a redução da circulação de informações falsas”, argumenta o especialista. É necessário, também, responsabilizar os culpados. “O que dizemos conta de nós, mas também impacta o outro”, finaliza a psicóloga Marina Morabi.

Regulamentação das mídias sociais 

Na legislação brasileira, no campo do digital, existem leis que definem alguns tipos penais de crimes cibernéticos, a exemplo da Lei Carolina Dieckmann, de 2012, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, de 2018, e o Marco Civil da Internet, de 2014. Com o crescimento das fakes news, a discussão da regulamentação das mídias sociais tem crescido nos ambientes virtuais. Tramita no Congresso, por exemplo, o projeto de Lei nº 2.630/2020, a chamada PL das Fakes News, que pretende regular a transparência nas mídias digitais e responsabilizar os conteúdos publicados.

De acordo com a jornalista Carolina Zafino, que também é advogada e professora de Comunicação da PUC Goiás, de 2012 pra cá a sociedade parece querer discutir mais a fundo a necessidade da regulação das mídias sociais, em razão das fake news e demais situações recentes de desrespeito à dignidade das pessoas. “É isso que movimenta o campo legislativo e o jurídico, a dinamicidade da sociedade e a forma como as pessoas passam a exigir mudanças para que determinadas situações não sejam mais toleradas”, destaca a pesquisadora. 

Na internet, os mesmos internautas que compartilharam a fake news sobre Whindersson Nunes pedem, agora, que Raphael Souza, proprietário da Choquei, seja responsabilizado pelo caso. Nos últimos dias, o goiano prestou depoimento à Polícia Civil de Minas Gerais e publicou uma nota nas redes sociais dizendo que apresentou documentos que “contribuem para elucidar o episódio” e “dar real dimensão do papel” da página no caso.

Para Carolina Zafino, todos os internautas são atores sociais nos espaços das mídias sociais. Não só produzem conteúdos, como também interagem, curtem, compartilham e provocaam engajamento para a informação de qualidade ou a desinformação. “Somos responsáveis por tudo isso, independentemente de existir responsabilidade das big techs, proprietárias das plataformas de mídias digitais”, reitera a pesquisadora.

Garantir uma educação midiática para as pessoas, começando pelas crianças e adolescentes e passando pelos adultos e alcançando os idosos, é o primeiro passo para uma conscientização sobre as notícias falsas. “A ideia é preparar as pessoas para essa alternância de fluxos entre ser produtor e consumidor de informações. Enquanto consumidores, é necessário que as pessoas possam, no mínimo, diferenciar informação de opinião e consigam identificar informações falsas das verdadeiras e processos mal-intencionados de desinformação”, arremata Carolina.

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