Toda a ciclorrota criada entre o Terminal Isidória e a Praça Cívica, em 2015, está apagada desde as obras de recapeamento da via com a construção do BRT Norte-Sul, assim como o trecho escolhido para ser compartilhado entre automóveis e bicicletas na Região Noroeste, entre a Avenida Perimetral Norte e a Avenida dos Ipês que passou por reconstrução asfáltica. A ciclovia que faz parte do Corredor T-7, na Avenida Assis Chateaubriand, tem buracos e pontos de concreto quebrados, além da falta de pintura nos cruzamentos. Na Avenida Universitária, a pista se esfarela em diversos locais, além de outros que estão em desnível e propícios a acidentes.
Quem opta por usar a bicicleta como meio de transporte diário, como o arquiteto e urbanista Luiz Botosso, sofre e precisa encarar o medo. “Muita gente com quem converso diz que queria ter a minha coragem e tem vontade de usar só a bicicleta”, diz ele, que fez a opção em 2018 e pedala todos os dias 22 quilômetros, o trajeto de ida e volta do trabalho. Ele define a ciclovia da Assis Chateaubriand como perigosíssima. “Assim como os motoristas de carros, nem todo ciclista é bom e ter uma via com problemas, com desníveis é muito perigoso. A ciclovia da Assis pode matar alguém”, afirma.
Em dez anos, a malha cicloviária de Goiânia não vem recebendo manutenção e está se deteriorando, além de pouco avançar em quantidade. Entre 2012 e 2016, na gestão municipal de Paulo Garcia (PT), o trecho chegou a 92 quilômetros (km) para bicicletas, entre ciclovia (espaço exclusivo e segregado), ciclofaixa (espaço exclusivo na rua) e ciclorrota (compartilhado com demais veículos). No fim do governo Iris Rezende (MDB), a soma era de 94 km, e agora, dez anos depois do início da introdução das vias cicloviárias a Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) informa que a capital possui “cerca de 90 quilômetros de trechos cicláveis”.
A reportagem contou, no entanto, todos os trechos implantados desde 2012 e Goiânia chega a 105 km. Esta quantidade era a prevista para se ter ainda em 2016, o que demonstra pouco avanço para a diversificação dos meios de transporte na mobilidade da capital. Válido ressaltar que nesta relação não foram reduzidos os trechos que atualmente estão sem sinalização ou com a estrutura precária, o que praticamente impede de conceber alguns locais como trechos propícios aos ciclistas, como a ciclorrota da Rua 90 e da Região Noroeste.
Além disso, contabiliza-se trechos que só funcionam aos domingos, como nos arredores dos parques Areião, Vaca Brava e Lago das Rosas. Locais em que, afora problemas com a sinalização horizontal, que está apagada em muitos pontos, há constantes problemas com veículos estacionados, mesmo no único dia da semana em que ficam reservados apenas para as bicicletas. Isso também ocorre em ciclofaixas permanentes, como no entorno do Jardim Botânico Amália Hermano Teixeira, nos setores Pedro Ludovico e Vila Redenção.
Na tarde de quinta-feira (19), por exemplo, quatro veículos estavam sobre a via dos ciclistas na Avenida Bela Vista, que possui apenas 100 metros da ciclofaixa. Ao redor do Jardim Botânico ainda é possível verificar um buraco na Avenida Botafogo por onde deveriam ir os ciclistas, pintura apagada e carros usando o trecho na Avenida 3ª Radial. Neste mês, o Paço Municipal implantou uma nova ciclovia, na Rua C-149 do Jardim América, que liga as ciclovias da Avenida T-63 com a Avenida dos Alpes e na primeira semana de funcionamento o espaço foi ocupado por carros estacionados.
A SMM afirmou que a orientação de uso educativo da ciclofaixa seria mantido até a última segunda-feira (23), quando então começaria a fiscalização e autuação de motoristas que estacionarem no espaço das bicicletas. Mas mesmo as ciclovias na capital sofrem problemas. A do Setor Irisville já está mais para uma calçada, pois perdeu a maior parte da identificação de que se trata de um espaço exclusivo para bicicletas. Há ainda problema na cabeceira da pista de quem chega pela GO-457, em que é necessário passar por muitos buracos até chegar à ciclovia.
Falta plano cicloviário, afirma urbanista
Ciclista e ativista do uso da bicicleta, o arquiteto e urbanista Luiz Botosso, acredita que há uma dificuldade nas gestões do Paço Municipal em elaborar um plano cicloviário para a cidade. Para ele, a criação da malha cicloviária tem sido a partir de ações pontuais, sem um projeto executivo que detenha a elaboração dos trechos, seus custos e um cronograma de implantação. “A iniciativa que teve começo com Paulo Garcia não andou e essa gestão atual tem mexido muito, chama para conversar, tem interesse, mas não faz”, diz. Botosso entende que há a necessidade de elaborar ações mais além de transportar gargalos, como a criação de viadutos.
“É preciso diminuir os carros das ruas, eu ando de bicicleta e vejo que tem uma demanda reprimida de ciclistas sim, mas precisa ter segurança, ter estrutura”, alega ele ao ressaltar a necessidade de reformar as vias cicláveis já existentes. Segundo conta, é visível que nestes dez anos desde o início da implantação da malha cicloviária atual, em 2012, houve um aumento do número de ciclistas. “Claro que não é como na Europa, mas hoje a gente para em um semáforo na Avenida T-63 e conseguimos contar cinco ou seis ciclistas. Isso é mais do que era em 2018, quando comecei”, relata Botosso.
Geógrafo e membro da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Antenor Pinheiro afirma que a situação atual da malha cicloviária e o pouco avanço na extensão ao longo de uma década indica que “a gestão pública municipal é excludente, porque nega à população da cidade uma opção importante para o sistema de mobilidade, especialmente aos moradores da periferia que poderiam usar a bicicleta como meio de transporte no dia a dia”. Ele explica que uma forma de incentivar o uso do modal é garantir a estrutura viária de forma permanente, com a manutenção e expansão permanentes da infraestrutura ciclável.
Pinheiro reitera, no entanto, que isso vai além de propor novas rotas, pois inclui “a otimização do pavimento, pintura e sinalização adequadas, arborização apropriada dos trechos longos, iluminação e instalação de paraciclos nos polos geradores de viagens, como bancos, loterias, repartições públicas, supermercados e áreas de grande fluxo de pessoas”. “O cidadão que conta com infraestrutura adequada na sua cidade se sente estimulado ao uso da bicicleta como meio de transporte”, diz.
Projeto deveria contemplar conceito de intermodalidade
O geógrafo Antenor Pinheiro acredita que um dos problemas para a melhoria da mobilidade urbana, com a maior inserção das bicicletas na política pública, se dá com as propostas feitas até então e que não tiveram prosseguimento. “O que foi implantado em Goiânia se aproxima mais da ideia de conceber a bicicleta como equipamento de esporte e lazer, e menos como opção de transporte. Tanto que o desenho cicloviário implantado cuidou de conectar os parques mais nobres da cidade, o que sugere adequado para passeios e prática de esporte, o que não significa que seja incorreto.”
No entanto, para ele, o desenho de Goiânia deveria inicialmente “adotar estratégias voltadas ao conceito de intermodalidade metropolitana entre bicicleta e ônibus, onde a bicicleta seria também um veículo alimentador dos eixos de transporte coletivo já estruturados”. Pinheiro explica que essa seria uma opção vantajosa porque a bicicleta seria o modal apropriado para curtos e médios deslocamentos, especialmente nas áreas com menor fluxo de pessoas e de veículos. O resultado disso seria a melhora na integração da rede metropolitana de transporte público coletivo.
“Iniciando assim, ganharíamos tempo. Em síntese, quanto mais infraestrutura, segurança e incentivo, mais ciclistas teremos em circulação”, considera o geógrafo. Ele complementa ainda que quanto mais popularizado o uso da bicicleta como uma opção viável de deslocamento por meio de infraestruturas e com incentivo constante, “mais pessoas seriam incluídas nos sistemas viários urbanos, o que faria bem para a mobilidade urbana e para saúde pública”. “Acima de tudo, investir no uso de bicicletas é desenvolver uma política fundamental de inclusão social”, garante.
Paço quer implantar até 30 km de ciclovias
A gestão da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) pretende implantar, até o fim de 2023, de 20 a 30 quilômetros de ciclovias na capital. Além disso, não há mais o interesse de investir em ciclorrotas, que são as vias compartilhadas com os demais veículos, isso porque se entende que não houve evolução quando a intenção foi aumentar esse tipo de via por ser uma obra mais barata. “Precisa de muita educação de trânsito para os motoristas e ciclistas compartilharem a via, precisamos de mais estrutura”, afirma o diretor de Transportes Públicos da SMM, Jean Damas.
Ele conta que assumiu o cargo há três meses com a missão de avançar na implantação das vias cicláveis. Damas diz que foi em função disso a realização da ciclofaixa do Jardim América, iniciada neste mês. “Nós verificamos aqui que o Jardim América era o bairro com o maior número de acidentes com bicicletas em Goiânia e fizemos uma pesquisa lá. Em 30 minutos vimos mais de 15 ciclistas na Rua C-149. Ou seja, faltava a infraestrutura lá e agora tem, que está terminando a sinalização.”
Damas assegura que ainda será feita nova rota que atenderá a região, desta vez pelo lado oeste. Desta feita o projeto vai seguir o previsto nos corredores T-63 e T-7, ligando a primeira avenida ao Terminal Bandeiras via Parque Anhanguera, pela Rua Suécia. A previsão é que esta via fique pronta até dia 15 de junho. Outro ponto em que estava previsto uma ciclorrota e que poderá ser trocado por uma ciclovia é no Corredor T-7 entre a Avenida Castelo Branco e a Rua C-120, onde ligaria com a ciclofaixa criada neste mês. “Até a Avenida T-3 é fácil fazer a obra, usando o espaço do canteiro central que não tem ali, mas temos de estudar ainda depois.”
Para se ter uma ideia, em 2020, foram aplicadas 97 infrações por transitar com veículos em ciclovias e ciclofaixas, além de 1.627 infrações por estacionar sobre ciclovia ou ciclofaixa. Já no ano passado, as infrações por estacionar em via ciclável somaram 3.064, e neste ano já foram feitas 105 autuações por transitar com veículos em ciclovias e ciclofaixas e 1.878 por estacionar nos trechos reservados para as bicicletas. Os números demonstram a necessidade de manter estruturas mais seguras para os ciclistas na capital.
O diretor diz que os técnicos da SMM já visitaram mais de 80 quilômetros de vias cicláveis na capital para verificar onde será possível implementar novas vias. A ideia é fazer uma parceria com a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) para a execução das obras, enquanto que a SMM fica com a sinalização e fiscalização. A parceria também deve ser usada para revitalizar a malha já existente. Damas conta que está sendo feita a vistoria em todos os trechos e aguarda para o próximo semestre a homologação do processo licitatório que adquiriu três caminhões de sinalização horizontal. Ele acredita que a utilização destes veículos vai agilizar o processo de finalização dos trechos que receberam reconstrução asfáltica em Goiânia e ficaram sem a sinalização, o que inclui as vias cicláveis.