O Colégio Visão, de Goiânia, demitiu o professor de sociologia Osvaldo Machado após um vídeo publicado pelo influenciador e pré-candidato a deputado federal Gustavo Gayer, em que o youtuber contesta a didática do profissional. O conteúdo, que foi postado na segunda-feira (27) e viralizou, obteve ainda mais repercussão nesta quarta-feira (29) depois do desligamento do docente na escola. Gayer alegou que em uma das listas de exercícios elaboradas pelo professor para os alunos do Colégio Visão o sociólogo “ensina jovens a odiar a polícia”.
No material preparatório para cerca de dez alunos que estavam de recuperação consta a charge do cartunista André Dahmer. A tira representa um personagem lendo um jornal e dizendo “Mais um assalto em São Paulo, ainda bem que temos a polícia para combater a violência em prol da barbárie”, de forma alusiva aos casos de agressão policial. Com isso, o professor questiona no enunciado: “Qual elemento do Estado está sendo retratado na tira abaixo?”.
No entanto, o conteúdo foi visto por Gayer como uma “questão ideológica”, que inicia o vídeo afirmando “embora a doutrinação hoje seja muito mais forte e evidente em escolas públicas, não pense que ela não seja feita em escolas particulares” e, em seguida, apresenta a charge escolhida pelo profissional de educação, que é graduado em Direito e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Professor explica que houve distorção na interpretação do enunciado
“A tirinha trata do uso legítimo da força pelo Estado, essa é a resposta. É o contrário do que ele pensa e vai de encontro com o que ele deseja.”, destaca Machado. O professor, que mora em Uberlândia, cidade de Minas Gerais, trabalhava na escola há seis anos e diz que a oportunidade, na época, era “inimaginável, por ser de origem humilde”. Ele salienta que durante os anos exercendo o ensino no local, ele nunca havia recebido uma advertência de conduta da direção.
De acordo com o profissional, ele sempre prezou a ponderação entre narrativas, inclusive em sua vida pessoal. “Eu jamais diria em sala de aula que um cidadão deve amar bandidos e odiar policiais, eu só levo as tirinhas dele (André Dahmer) para que os alunos possam ter informação sobre a sociedade em que estamos vivendo“. Machado garante que não há intenção de contactar Gayer sobre o caso, “não é meu perfil querer gerar mais atrito e não quero processar o rapaz, só quero voltar das férias empregado”, diz.
Com o intuito de informar o colégio sobre o ocorrido, o próprio professor foi quem levou o vídeo à direção na segunda-feira e, em um primeiro momento, diz ter sido acolhido pela gestão. Já no dia seguinte, após a postagem repercutir, ele foi comunicado que houve uma decisão para seu desligamento. “A diretora me perguntou o que eu sugeria para situação e eu disse que só queria minha paz e minha vida de volta, e que eles sabiam o profissional que sou”, aponta. A demissão resulta, segundo Machado, na perda do plano de saúde que ele possuía e em queda de aproximadamente 50% da sua renda mensal.
Osvaldo segue se apoiando nos ensinamentos que obteve na área de humanas para racionalizar os últimos eventos em sua vida que o deixaram, como ele ressalta, perplexo. “A humanas me permite ter um pouco mais de equilíbrio, de entender quem são os atores sociais envolvidos nesse processo e lidar com esse momento, por mais difícil que seja”, comenta.
Apoio de pais e alunos
Assim que receberam a notícia da demissão do professor, alunos se movimentaram no intervalo do colégio com gritos a favor do retorno do docente e recados espalhados pela estrutura da escola. Mensagens como “vai censurar mais quantos?” e “sociologia não é ideologia política!” foram pregadas pelas paredes do Colégio Visão. Também, nas redes sociais, uma série de comentários foram feitos nas publicações da escola e na plataforma Twitter.
“Como aluna, posso dizer que Osvaldo sempre nos ensinou que a formação do senso crítico dos alunos vem do ensinar outras realidades, do respeito e justiça, sempre nos ensinando a enxergar a vida com outros olhos.”, escreveu uma das estudantes. As declarações proferidas também por ex-alunos, majoritariamente em cursos superiores de universidades federais do país, que ressaltam o fato do professor sempre os incentivou ao debate civilizado com senso crítico. “Ele era o extremo oposto de doutrinador, nunca impôs nada”, publicou uma jovem no Twitter.
Além disso, posicionamentos de pais e responsáveis reforçaram o repúdio. “Decepcionada com a escola a quem dei crédito na formação sociocognitiva dos meus filhos.”, escreveu uma mãe. Outra, argumenta que a instituição de ensino está sendo “submissa a um cara em busca de votos e likes”. Ela comenta que é a favor do professor, e que a escola deveria “repensar sobre isso, pois não criei meu filho pra viver na censura, o indivíduo deve ser criado livre e pensante”, acrescenta.
O então cartunista André Dahmer também reforçou as manifestações contrárias à decisão do colégio, e escreveu “o colégio Visão não sabe, mas meu trabalho aparece com frequência em concursos públicos e vestibulares”.
O colégio Visão não sabe, mas meu trabalho aparece com frequência em concursos públicos e vestibulares. Em 2011, um dos meus quadrinhos foi tema de redação do ENEM: https://t.co/dxJGbCwIHK https://t.co/29uXCyW6vb
— André Dahmer (@malvados) June 29, 2022
Em nota, a instituição declarou que “a escola possui um Código de Conduta que veda manifestações políticas, partidárias ou ideológicas em ambiente escolar. A direção do Colégio mantém um canal de diálogo aberto com alunos e familiares, sempre pautando suas ações no Código de Conduta”, escreveu.
Manoella Bittencourt é estagiária do GJC em convênio com a PUC-Goiás