O aumento precoce de casos de síndrome respiratória grave (Srag) causados por influenza neste ano preocupa gestores de saúde em Goiás. Este ano, as crianças representam um porcentual maior dos registros na comparação com as demais faixas etárias, algo diferente do que ocorria em anos anteriores. O fato de a disponibilidade de UTIs pediátricas e neonatais ser baixa faz a situação atual ter contornos mais graves. O público de 0 a 9 anos soma 75 anotações de Srag, o equivalente a 56,8% do total neste ano.
Em anos anteriores, observando-se dados de um período mais amplo, a faixa etária de crianças tinha menor participação nos casos. De 2013 a 2018, por exemplo, de um universo de 4.832 anotações, a faixa etária de 0 a 5 anos representava apenas 28,6%. O dado foi retirado da dissertação de mestrado de Kamilla Lelis Rodrigues de Araujo, apresentada à UFG em 2020. O painel de Srag da SES-GO iniciou a série histórica em 2020.
Em Goiás, de acordo com o Localiza SUS, do Ministério da Saúde, há 2.172 leitos classificados como pediátricos, 1.436 deles pertencentes ao SUS.
Os leitos de UTI pediátrica sob a gestão do governo estadual nomeados como pediátricos somam 84. Na tarde desta quarta, havia 15 disponíveis e a ocupação era de 82%. A situação é mais complicada para as vagas de UTI neonatal. São 44 nesta modalidade. Na hora da consulta, a taxa de utilização era de 98%, com apenas um disponível (veja quadro). Os leitos não são exclusivos para Srag.
“Não é só em Goiás, mas em todo o Brasil, o número de leitos pediátricos é insuficiente. Nós temos, inclusive, um número de profissionais aquém do que a gente gostaria de ter em relação a pediatria, mas nós vamos nos mobilizar junto aos municípios e aos planos de saúde para tentar ter um plano de ação conjunto para evitar (faltar vagas)”, afirma o secretário estadual de Saúde, Sérgio Vêncio.
Os dez óbitos deste ano estão distribuídos dentre todas as faixas etárias. A que tem o maior número é a de 10 a 19 anos, com três mortes. Os demais são de 0 a 2 anos (2), 20 a 29 (1), 40 a 49 (2), 50 a 59 (1) e maior que 60 (1). “Antes a gente via casos graves e óbitos de influenza, mas mais em adultos e idosos. Agora vemos uma quantidade significativa de óbitos e de casos em faixas menores. Isto com certeza é um alerta”, avalia a superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO), Flúvia Amorim.
A população pode se proteger e evitar a contaminação por influenza. O sistema público de saúde oferta a vacina para 17 grupos prioritários. No caso das crianças, a taxa de vacinação em Goiás atingiu apenas 4,01%, menos da metade da estadual (8,91%), que já é considerada baixa pelos gestores do setor. A média nacional está em 8,8% de cobertura. A meta é chegar a 90% do público-alvo.
Além da circulação mais intensa da influenza ser precoce, há outro diferencial. O vírus influenza B Victoria teve 29 casos, ou seja, 21,3% do total. Ele é o prevalente na amostragem, desconsiderado os casos de influenza B que não foram subtipados. Estes somam 65.
Dentre as mortes, o influenza B Victoria teve seis dos dez registros. Vêncio, considera que o estado vive o surto deste subtipo de influenza. “Não é para causar pânico na população, mas para direcionar para vacinação dos grupos prioritários”, frisa.
O influenza B Victoria apresenta, conforme Flúvia, os mesmos sintomas e evolução dos casos. A vacina disponível no SUS também protege contra este tipo de vírus da gripe.
Goiás deve vacinar 2,58 milhões da população. A campanha de imunização foi antecipada e iniciou no último dia 23. O prazo é até o fim de maio.
As doses estão disponíveis nos postos de saúde para idosos com 60 anos ou mais, crianças de 6 meses a menores de 6 anos (5 anos, 11 meses e 29 dias), gestantes e puérperas, povos indígenas, trabalhadores da saúde, professores das escolas públicas e privadas, pessoas com deficiência permanente, forças de segurança e salvamento, forças armadas e pessoas com comorbidades, entre outros grupos. Neste ano, conforme a SES-GO, a condição é autodeclaratória.
Sazonalidade do vírus mudou
Neste ano, conforme o painel de Srag da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO), são 132 casos considerando os dados até a semana epidemiológica 16, ou seja, até o último sábado (15). Em todo o ano de 2019 foram 207 anotações do tipo. O comparativo da pasta evita os anos de 2020 a 2022 por serem atípicos em função da pandemia da Covid-19.
Diante do alerta, que não se restringe apenas aos mais novos, gestores públicos preparam ações para atrair a população para se vacinar, providenciam ações para atendimento, como capacitação para médicos, e orientam a retomada de cuidados como o uso de máscaras.
A SES-GO também tem um plano de contingência que será revisado para aplicação a fim de evitar a disseminação do vírus.
De 27 de março para cá, data da primeira morte, dez pessoas já perderam a vida por causa do problema de saúde.
O crescimento neste ano veio fora da sazonalidade habitual. Historicamente, os casos de influenza, vírus causador da gripe, começam a aumentar com a chegada do frio e o avanço do tempo seco. Por este motivo, a SES-GO convocou uma reunião de emergência nesta quarta-feira (19) para avaliar os números e decidir sobre medidas de contenção do aumento.
A partir de segunda-feira, os médicos da rede estadual devem passar por uma capacitação. A SES-GO também orienta que as crianças com sintomas gripais não sejam enviadas para escolas, seja retomada a etiqueta social e o uso de máscaras em casos suspeitos.
O aumento foi verificado por meio de unidades sentinelas. Este nome é dado a postos de atendimento que realizam uma vigilância por meio de amostragem das pessoas que procuram unidades de saúde. São cinco casos selecionados por semana. Este recorte é submetido a testagem que permite verificar a presença da influenza e qual subtipo do vírus em circulação. O Laboratório Central de Saúde Pública Dr. Giovanni Cysneiros é utilizado nesta tarefa. Estas informação subsidiam a fabricação do vírus no ano seguinte.
A busca pelo serviço de saúde por parte de pessoas com sintomas gripais também foi percebida pelos gestores de saúde. “O que nos preocupa no momento é ver que adiantou-se este adoecimento”, pontua a presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado de Goiás (Cosems), Patrícia Palmeira de Brito Fleury.