A Justiça analisa pedido da Corregedoria da Polícia Militar de Goiás para transferir o cabo Thiago Marcelino Machado, de 36 anos, do presídio militar em Goiânia, onde se encontra detido desde setembro de 2023, para alguma penitenciária federal ou então que possa ficar em regime disciplinar diferenciado (RDD). O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) se mostrou favorável à medida, sugerindo que o RDD seja aplicado com a transferência. Além de Thiago, foi feito o pedido do regime diferenciado para outros dois policiais, porém estes conseguiram um habeas corpus antes de sair qualquer decisão.
O RDD torna mais rígido o cumprimento de uma pena e funciona como uma forma de sanção disciplinar temporária. Previsto na Lei de Execução Penal (LEP - lei federal 7.210/1984), o regime consiste na permanência do preso em uma cela individual, com restrições ao direito de visita e de saída da cela. Pode ser aplicado tanto a quem já foi condenado como a quem ainda espera por julgamento (provisório), como é o caso de Thiago.
O cabo responde, junto a outros policiais, a oito homicídios em Anápolis e região que tiveram repercussão na imprensa, entre elas o do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante, aos 38 anos, em 23 de junho de 2021, e o de Lucas Eduardo Lima Dutra, aos 23, em 25 de maio de 2023. As outras seis mortes estão relacionadas ao caso de Fábio. Mas o que motivou o pedido de transferência, segundo ofício ao qual o Daqui teve acesso, é o comportamento do cabo no presídio, que estaria prejudicando a rotina interna.
O pedido da Corregedoria veio após uma operação da Delegacia Estadual de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) dentro do presídio militar em 18 de outubro, quando foram encontrados 15 aparelhos celulares em oito das 15 celas existentes no local. O ofício da corregedoria aponta que dois aparelhos pertenciam a Thiago. Ainda segundo o documento, foi relatado “por diversos detentos que não quiseram se identificar” que após a chegada do cabo ao presídio “houve alteração negativa na rotina prisional, onde o ambiente carcerário se tornou de difícil convivência”.
A corregedoria não detalha no documento o quê no comportamento do policial estaria causando o problema entre os colegas de cela. O texto é idêntico ao que consta nos ofícios com o mesmo pedido de RDD para o primeiro tenente Jhonatan de Andrade Oliveira e o sargento Felipe Galvão Fraga. Os dois foram presos em 31 de agosto por um roubo com mais dois policiais em uma casa no Setor Estrela Dalva, em Goiânia, em julho, mas conseguiram o direito de responder ao processo em liberdade em 23 de novembro. No caso de Felipe e Jhonatan não foi cogitada a transferência.
É a segunda passagem de Thiago pelo presídio militar. Ele ficou detido por quatro meses entre 2014 e 2015 por causa de uma acusação de homicídio. O cabo voltou para o estabelecimento prisional em 6 de setembro de 2023 pela morte de Lucas e se encontra lá desde então. Em dezembro, surgiu um novo mandado de prisão, desta vez no caso de Fábio Escobar. No dia da operação da Draco, o policial se encontrava em uma cela com mais oito presos. Um deles era o sargento Paulo Antônio de Souza Júnior, condenado pela morte de um estudante de 16 anos. Paulo fugiu dois dias depois da apreensão dos celulares.
O pedido da Corregedoria passou da Vara de Execuções Penais para a 1ª Vara Criminal de Anápolis, onde tramita o processo envolvendo a morte de Fábio Escobar. Na última terça-feira (16), o grupo de promotores que cuida da ação encaminhou petição concordando com a transferência e argumentando que o cabo oferece, sim, alto risco para a ordem do estabelecimento prisional e para a sociedade, pois a presença de celulares na cela permitia que ele tivesse contato com pessoas de fora do presídio. Tal situação causa, segundo o MP-GO, “extremo risco à sociedade e, principalmente, aos envolvidos na elucidação dos fatos perpetrados pelo preso”.
Ainda segundo o MP-GO, há indícios suficientes para apontar a “fundada suspeita” de envolvimento do policial com organização criminosa. Para isso, é citada informação do caso Fábio Escobar mostrando a articulação de Thiago com outros policiais para a morte de três pessoas numa possível tentativa de encobrir os rastros pelo assassinato do empresário.
A defesa de Thiago diz que o requerimento do MP-GO não apresenta “nenhuma justificativa hábil a fim de embasá-lo” e que a afirmação de que a presença dele no presídio ocasionou uma alteração negativa na rotina da unidade partiu de “afirmações genéricas” de “supostos detentos que não quiseram se identificar”. Também afirma que o cabo tem mantido um bom comportamento.
“Caso de fato houvesse tais denúncias, quem efetivamente estaria alterando negativamente a rotina prisional? Em que consistiria tal alteração negativa na rotina prisional? De que forma o investigado estaria causando tal alteração? Nada disso foi mencionado”, escreveu na reposta à Justiça a advogada Rosângela Magalhães, que também rebate a informação de que dois dos celulares apreendidos pertenciam ao cabo.
Também de acordo com a defesa, Thiago não se enquadra em quaisquer das situações previstas para justificar o encaminhado ao RDD, “tanto porque não praticou nenhuma infração disciplinar, ainda mais grave e que configure crime doloso, quanto porque não há qualquer indício, muito menos comprovação concreta que apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento prisional ou da sociedade”.
Mortes
Thiago foi denunciado no começo de dezembro junto com mais dois policiais, o cabo Glauko Olívio de Oliveira e o sargento Érick Pereira da Silva, e com o empresário Carlos César Savastano de Toledo, o Cacai Toledo, ex-auxiliar do governo estadual, pela morte de Fábio. Cacai está foragido há dois meses, os outros estão presos. Os dois empresários trabalharam na campanha do governador Ronaldo Caiado nas eleições de 2018 e desde então passaram a ter fortes desavenças. Segundo o MP-GO, inconformado com as acusações, Cacai passou a se manifestar em busca de vingança, momento em que teriam entrado em ação os policiais. O suposto autor dos disparos, o sargento Welton da Silva Vieiga, foi morto durante uma operação da Polícia Civil em sua casa em janeiro de 2023.
Thiago também responde pela morte de outras seis pessoas entre junho de 2021 e janeiro de 2022, com estes dois policiais citados e outros cinco, todos já denunciados. Estas vítimas teriam ligação com Bruna Vitória Rabelo Tavares, de 19 anos, que teve o celular roubado por Glauko, segundo as investigações, e depois foi morta por ele. O aparelho foi usado para atrair Fábio para a emboscada e as mortes seguintes teriam sido uma forma de não permitir as investigações chegarem até Bruna.
Em novembro, o MP-GO também pediu para que Thiago vá a júri popular pela morte de Lucas Eduardo, o Zoim, junto com o sargento Denilson de Oliveira Custódio e o soldado Isac Fernando Bastos Sousa. Os três teriam rendido o jovem em uma casa em Anápolis e executado ele em um matagal ao lado. Segundo as investigações, a vítima estava com os braços amarrados e ajoelhada. A namorada de Lucas foi levada para a rodoviária e obrigada a ir para a cidade natal, no Tocantins. O jovem era usuário de crack e procurado pela morte de um homem, também usuário, que seria parente de um oficial da PM.
38 presos em celas com celulares
Quando a Polícia Civil entrou no presídio militar para a operação de busca e apreensão no dia 18 de outubro, havia 28 policiais militares e 10 ex-PMs detidos nas oito celas em que foram encontrados os 15 aparelhos celulares. Em cinco aparelhos não foi possível identificar chamadas e mensagens, segundo laudo pericial. Também foram encontrados um cabo USB e sete carregadores para celular.
Em um dos aparelhos, a perícia encontrou uma mensagem para Thiago Marcelino, no dia 6 de setembro, em que um policial em liberdade diz que ficou sabendo da prisão do cabo e se coloca à disposição para resolver qualquer coisa que ele precisar. Esse mesmo policial flagrado na conversa com Thiago aparece em conversa no dia 7 de setembro com outro denunciado pela morte de Fábio Escobar dizendo os dois que iriam visitar o cabo na cadeia. Eles foram presos 12 dias após esta conversa.
Foram encontrados em alguns aparelhos documentos relativos ao processo pelo qual eram investigados em Anápolis, como interrogatórios, inclusive o de Thiago, e diversas decisões judiciais.
A operação foi feita dentro da investigação sobre a execução de Fábio em Anápolis, por isso os relatórios feitos a partir da análise do que foi encontrado dentro dos celulares se restringiu ao que estivesse relacionado ao caso. O pedido de busca dentro do presídio e a autorização judicial se encontram em um processo que está arquivado e sob segredo de Justiça.
Nos relatórios e no pedido feito pela Corregedoria à Justiça não consta quais aparelhos estariam em posse de Thiago ou dos outros dois policiais que a corporação queria que fossem para uma penitenciária federal.