Jornadas de trabalho que passam de 12 horas diárias e, muitas vezes, avançam até pelos fins de semana e feriados. Esta é a dura rotina de muitas costureiras autônomas donas de facções que prestam serviços para outras empresas de confecções em Goiás. Como chegam a receber menos de R$ 2 por peça costurada (os valores recebidos dependem muito do padrão da roupas), elas precisam ter uma produção muito grande para conseguir uma renda de menos de R$ 2 mil mensais.
A costureira Euza Pereira Di Sena conta que trabalha das 7h30 às 21 horas todos os dias. Muitas vezes, sua jornada também se estende para os finais de semana. Ela recebe os vestidos cortados e conta que recebe apenas entre R$ 1,90 e R$ 2,30 para costurar e montar cada peça, entre blusas, saias e vestidos. Chega a fazer mais de 250 peças por semana. “É uma rotina muito puxada porque, como trabalho em casa, vou revezando as costuras com os afazeres da casa e os cuidados com meus filhos”, conta. Tudo isso para ter uma renda de pouco mais de R$ 1 mil mensais.
Trabalhando há 34 anos com facção, Cirlene Dias de Souza recebe entre R$ 2,50 e R$ 4,50 por peça. Ela lembra que ainda precisa arcar com o custo das linhas de oito cores diferentes, que dobraram de preço do ano passado para cá. “Estamos quase pagando para trabalhar”, diz a costureira, que trabalha das 6h30 às 22 horas, inclusive finais de semana e feriados. “Se eu não fizer assim, não consigo nem pagar meu aluguel porque, mesmo trabalhando tanto, consigo uma renda de apenas R$ 1,2 mil”, garante.
Para a mestre em Sociologia Débora Alves Lopes, que já realizou estudos sobre este mercado de trabalho e participou do documentário Mulher Máquina - O dilema das costureiras que vivem em Goiânia, a forte concorrência de preços entre as empresas do polo confeccionista goiano reflete nos valores pagos aos profissionais da cadeia. “Com os baixos valores por peça, elas precisam ganhar na produção e, por isso, chegam a virar a noite costurando”, destaca.
As confecções também vendem mais barato, por isso também precisam ganhar no volume e, muitas vezes, produzir na informalidade para reduzir custo. A socióloga lembra que muitas destas mulheres se sujeitam aos baixos preços porque precisam trabalhar em casa para cuidar dos filhos e também dos afazeres domésticos, o que resulta numa rotina estressante.
Atualmente, os baixos valores pagos pelas peças geram uma pressão ainda maior sobre os custos nas facções, por causa das fortes altas nos preços da energia elétrica que move as máquinas e dos aviamentos, que ficam por conta delas. A costureira Elisa Aparecida Costa recebe R$ 15 para costurar um vestido que, segundo ela, teria que valer, pelo menos, R$ 25, porque cada peça demanda, em média, entre três e quatro horas de trabalho. “Ainda falam que estão pagando bem porque outros pagam, no máximo, R$ 13”, pontua. Para terem uma renda de R$ 1,5 mil mensais cada uma, Elisa e a filha trabalham todos os dias das 7 às 21 horas.
Dona de uma facção, Luciana Cardoso diz que recebe R$ 1,80 por cada camiseta de malha costurada, acabada e dobrada. Ela conta que trabalha com os dois filhos e, juntos, produzem cerca de 1,4 mil peças por semana. “Tem gente que paga só R$ 1,5”, ressalta a costureira, lembrando que ainda precisa arcar com as linhas, que estão bem mais caras. Luciana diz que precisa ter uma produção muito grande para que os três consigam uma renda razoável de R$ 2 mil mensais cada um. Para isso, trabalham das 7h30 às 21 horas. “Muita gente já está desistindo da facção, vendendo máquinas e partindo para outras áreas. Mesmo com baixos preços, muitas vezes ainda ficamos sem trabalho.
Depois de sofrer um AVC por conta do alto nível de estresse, a costureira Hister Moura de Jesus foi obrigada a reduzir sua jornada de trabalho, que começava às 7 horas e chegava a se prolongar para até depois da meia-noite. Hoje, ela conta que produz peças de moda evangélica, num ritmo menor, para uma confecção de São Paulo, que paga entre R$ 15 e R$ 20 por peça. “Antes, eu ganhava no máximo R$ 5. Mesmo com o aumento, o ganho é pequeno, porque a linha passou de R$ 1,50 para R$ 3,75.”
Mercado tem carência de profissional e busca mão de obra qualificada
Goiânia é o segundo maior polo distribuidor de vestuário do Brasil. Com a expansão da Região da 44, a estimativa é que existam cerca de 2,2 mil confecções legalizadas e outras seis mil informais na capital, que já tem carência de profissionais qualificados.
Mas a presidente do Sindicato das Trabalhadoras em Confecção de Goiás (Sindicato das Costureiras), Jasminy Maria Medeiros, conta que as profissionais do setor muitas vezes enfrentam problemas como falta de EPIs e até de insumos básicos, como tesouras.
“Muitas vezes, nós mesmos compramos. Não é atrativo para ninguém trabalhar 8 horas por dia sentada numa cadeira, ganhando baixo salário e sem benefícios”, afirma. O presidente do Sindicato das Indústrias de Vestuário no Estado de Goiás (Sinvest), José Divino Arruda, diz que os valores praticados para costureiras em geral são regulados pelo mercado
“Estamos levando mais indústrias para os municípios, o que deve elevar os valores praticados”, prevê. O projeto Confecciona Mais está qualificando mão de obra em municípios do interior e ajudando a atrair investimentos para estas cidades.
Ele lembra que a mão de obra para o setor ficou mais escassa após a pandemia porque há dificuldade para recontratação dos que foram dispensados no período. “O próprio mercado vai regular esta questão dos valores. Com a maior procura, os preços vão subindo com o tempo”, estima José Divino.
Ele afirma que as costureiras que trabalham em confecções contam com o piso salarial e, muitas vezes, também recebem um adicional por produção. Com isso, as profissionais chegam a ganhar R$ 1,8 mil mensais, dependendo do segmento. Para alta costura, os valores são maiores.