O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) determinou e revogou a interdição de uma unidade de saúde de Goiânia em menos de 24 horas. A decisão que impedia médicos de atenderem no Cais Deputado João Natal, no Leste Vila Nova, foi publicada na manhã desta quinta-feira (5) e descreveu graves problemas estruturais, de pessoal e insumos, totalizando 11 pontos. Em revisão publicada horas depois, o Conselho diz que a revogação observou promessas da gestão municipal. O recuo surpreendeu representante dos servidores da Saúde.
A determinação do Cremego dizia que a interdição ética total, que na prática vetava o trabalho dos médicos na unidade, entrou em vigor à zero hora desta quinta e teria validade de 60 dias, podendo ser prorrogada caso as deficiências encontradas pelo Conselho não fossem sanadas no prazo. Assim, o Conselho detalhou que a liberação dependia da correção das deficiências detectadas pela fiscalização do próprio Cremego.
Para a revisão quase imediata, o Conselho diz que levou em consideração a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pelo secretário municipal de saúde, Durval Pedroso. “No TAC, o secretário, que também participou da reunião, compromete-se a sanar as deficiências apontadas pela fiscalização do Cremego. As correções acontecerão de forma escalonada, sendo algumas imediatas, ao longo dos próximos 15 dias, e outras em até 30 dias”, diz o Cremego.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) diz que em nenhum momento a unidade de saúde esteve fechada, ou interditada. No entanto, pacientes considerados menos graves foram transferidos para outros locais durante a tarde e, dos quatro médicos escalados, apenas dois trabalharam para atender os casos mais graves.
Segundo a SMS, a gestão buscou, junto ao Cremego, a solução de pendências para evitar prejuízos para a população. “A empresa contratada, via licitação, para fazer reparos e manutenção nas unidades de saúde, já está trabalhando no Cais. Todos os reparos necessários, apresentados em um relatório feito pela diretoria de infraestrutura da secretaria, serão realizados”, afirma a SMS. As intervenções prometidas devem ser iniciadas nesta sexta-feira (6).
Na decisão que impedia o atendimento médico no local, o Cremego descrevia a falta de cadastro da unidade no Cremego; falta de diretor-técnico; escala de médicos incompleta; inadequação da estrutura física; falta de medicamentos e materiais básicos; ausência de diversos equipamentos indispensáveis à prestação de serviços médicos; falta de Comissão de Controle de Infecção em Serviços de Saúde; não possuir Núcleo de Segurança do Paciente; faltam roupas de cama, chuveiro, pia e sanitário na área de repouso médico; falta de cadeiras para médicos e pacientes em consultórios, além da falta de lençóis nas macas.
Segundo a autarquia, a SMS já havia sido alertada diversas vezes sobre os problemas. “O Ministério Público Estadual e a Vigilância Sanitária também já tinham sido alertados sobre as falhas que comprometem a segurança e a qualidade do exercício da Medicina na unidade”, diz.
A presidente em exercício do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde), Néia Vieira, classificou a revogação como “lamentável”. A representante diz que o Sindicato concordava com a interdição e que a decisão inicial do Conselho, inclusive, havia sido considerada tardia. “Temos feito denúncias sobre as condições de trabalho nas unidades do município há muito tempo falando sobre esta necessidade de interdição e intervenção para todas as instituições que têm condições de fazê-lo”, afirma.
A representante destaca, porém, que a unidade do Vila nova não é, em sua avaliação, a que mais demanda interdição. “Não é a única e nem é a mais necessária. Temos denúncias do Cais de Campinas reiteradamente, por exemplo. Achamos que é pertinente e precisamos desta intervenção do Conselho em várias outras unidades”, aponta.
“Esperamos que isto seja mais uma pressão para que o prefeito tome providências e realize as ações necessárias para reconstituir a possibilidade de atuação digna dos trabalhadores nas unidades de saúde. Elas passam por situação de carência de todos os tipos, desde a estrutura física até a falta de materiais, então é realmente mais uma voz se elevando para dizer que é necessário ter competência para administrar a Saúde de Goiânia.
A reportagem perguntou para o Cremego se há previsão de vistorias em outras unidades, mas a questão não foi respondida.
Problemas aguardam intervenções
Recentemente, a jornal mostrou que servidores e pacientes do Centro de Saúde da Família (CSF) Leste Universitário, temem que o teto da unidade caia sobre as cabeças deles. Do lado de fora é possível ver o telhado curvado. Dentro do prédio, o forro de gesso tomado por mofo já tem vários pedaços que caíram e outros estão dependurados.
Em dezembro o Sindsaúde protocolou, junto ao Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), denúncia de graves problemas estruturais em unidades de saúde da capital, com destaque para a situação do Centro de Referência em Diagnóstico Terapêutico (CRDT).
Um relatório apresentado em dezembro pela Comissão de Saúde e Assistência Social da Câmara Municipal mostrou que das 104 unidades visitadas em julho, 65 apresentaram situação estrutural precária. “Condições físicas incompatíveis com a atividade de saúde: paredes rachadas, infiltradas e mofadas, consultórios sem ar-condicionado, salas sem ventilação nem iluminação, banheiros interditados”, destaca trecho do relatório.
A própria SMS reconhece a precariedade estrutural generalizada. Em entrevista na terça-feira (3), quando falava sobre o lançamento da construção de uma unidade, o secretário municipal de Saúde, Durval Pedroso, disse que há trabalho acumulado. Segundo o secretário, a gestão herdou problemas e que os dois primeiros anos de gestão foram impactados pela pandemia da Covid-19. “Quando assumimos a gestão, tínhamos mais de 850 ordens de serviços abertas sem atendimento de manutenção”, disse Pedroso para dar dimensão ao quadro crítico.
No fim do ano a gestão municipal anunciou a reforma de seis unidades, a construção de 14 e a contratação de um plantão de manutenções corretivas e preventivas para trabalhos de menor porte. Este plantão, no entanto, tem encontrado dificuldades, conforme narra o secretário. “A intenção é fazer a manutenção corretiva de várias unidades para aí sim iniciar a manutenção preventiva. Hoje não temos condições de fazer manutenção preventiva em praticamente nenhuma unidade, já que quase todas as unidades estão com condições inadequadas”, afirmou.
A empresa TCI Projetos e Construções, contratada pelo Paço, inicia nos próximos dias a construção da primeira unidade de saúde modular da capital. A ordem de serviço foi assinada na quarta-feira (4), autorizando os trabalhos para a edificação com peças pré-moldadas. A expectativa da gestão municipal é de que o novo modelo, que será empregado em outras 13 unidades, proporcione maior agilidade para as obras, com promessa de qualidade e durabilidade das estruturas. Parte destas deve substituir prédios precários.
A ordem de serviço para as edificações da Unidade de Saúde da Família (USF) Lorena Parque é a primeira do programa municipal de investimentos “Goiânia Adiante”, anunciado em outubro pelo prefeito Rogério Cruz. Segundo a gestão municipal, mais de R$ 1,7 bilhão serão destinados para infraestrutura, Educação e Saúde. A maior quantia é para a infraestrutura, mais de R$ 1,4 bilhão. Do total, cerca de R$ 144,2 milhões são prometidos para a Saúde.