A Defensoria Pública da União (DPU) apura uma denúncia de que candidatos brancos estariam sendo beneficiados em vagas destinadas às cotas étnico-raciais em um concurso do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18).
O procedimento é recente. A DPU afirmou que encaminhou, nesta quarta-feira (30), um ofício à Procuradoria da República no Estado de Goiás para obter “subsídios”.
O Daqui apurou que, no certame, 56 candidatos que haviam sido reprovados pela comissão de heteroidentificação da situação étnico-racial foram incluídos após recurso.
Em nota, a DPU afirmou que coleta informações para verificar a denúncia. “Neste documento (ofício), foi solicitado o compartilhamento de informações sobre a existência de algum processo em andamento para a investigação da implementação das políticas de cotas no concurso para o cargo de oficial de justiça avaliador, a fim de evitar eventual atuação conflitante entre as instituições, bem como a possibilidade de atuação conjunta para apuração dos fatos”, apontou.
A DPU também informou que concedeu prazo de 30 dias para a resposta a respeito da manifestação. A reportagem não teve acesso à denúncia.
Ao todo, foram 42.333 inscritos. Inicialmente, havia 8.962 concorrentes às vagas destinadas à população negra. As provas objetivas e de redação ocorreram em 12 de fevereiro deste ano. No dia 1º de junho foram convocadas 1.785 pessoas autodeclaradas negras e que estavam habilitadas nas provas objetiva e discursiva.
Após avaliação da comissão de heteroidentificação, publicação de 4 de julho apontou 336 reconhecidos como negros. No entanto, após a avaliação de recursos, mais 56 foram habilitados a concorrer às vagas de cotistas, chegando a 392 o número total, ou seja, 16% a mais. As informações constam no site da seleção.
Ao todo, eram 24 vagas, metade para analista judiciário e o restante para técnico judiciário. Do total, três eram destinadas a candidatos negros. Uma no grupo de cargos de analista e duas no conjunto para técnico.
Os recursos são verificados pela comissão recursal em um procedimento não presencial. Esta é, conforme o edital, formada por dois integrantes do TRT-18 e um integrante designado pela realizadora do concurso.
“Em suas decisões, a comissão recursal deverá considerar a filmagem do procedimento para fins de heteroidentificação, o parecer emitido pela comissão e o conteúdo do recurso elaborado pelo candidato”, explica o edital do certame. Não há previsão de recurso para as decisões desta comissão.
A comissão de heteroidentificação era composta por cinco membros e suplentes: um desembargador, dois servidores do TRT-18 e dois membros especialistas indicados pela organizadora do concurso público.
Ao grupo cabia verificar as características fenotípicas do candidato em um procedimento que é filmado. O não reconhecimento, necessariamente, precisa ser fundamentado em um parecer. Uma candidata ouvida pela reportagem, que prefere não se identificar, afirmou que havia candidatos brancos, inclusive ao menos um de cabelo loiro e olhos da cor azul.
Resposta
O Daqui procurou o TRT-18 a respeito da apuração da denúncia pela DPU. O tribunal foi questionado sobre como era feito o filtro de atendimento ou não dos candidatos para o enquadramento na cota étnico-racial. A assessoria de comunicação do tribunal encaminhou na resposta o trecho do edital no qual o item é explicado.
“Tendo em vista a quantidade de pessoas avaliadas, informa-se que foram necessárias duas comissões de heteroidentificação, que seguiram a composição disposta no edital, sendo que em ambas as comissões, os dois membros especialistas indicados pela FCC foram recrutados entre professores da Universidade Federal de Goiás (UFG)”, acrescentou o tribunal.
O TRT-18 afirmou ainda que houve a realização, para os membros da comissão de heteroidentificação, de uma oficina sobre a temática.
Um levantamento não oficial, ao qual o Daqui teve acesso, mostra que alguns dos 56 candidatos reconhecidos como negros apenas após a análise de recurso no concurso do TRT-18 já tiveram o pedido de enquadramento como negros negado em outros certames.
As informações do levantamento foram checadas pela reportagem, por meio da divulgação de resultados de concursos públicos. Em um dos casos, o candidato que concorreu pelo TRT-18 teve o enquadramento como negro negado na comissão de heteroidentificação. Ele foi reconhecido negro após um recurso.
Em um concurso de 2022, no TRT-19, ele teve resultado “inapto” para usufruir da política de cotas. Antes, porém, em 2017, ao concorrer a uma posição para o TRT-AL, ele sequer se declarou negro. Após a reportagem entrar em contato, ele fechou o perfil no Instagram, antes aberto.
Outro candidato que foi reprovado pela comissão de heteroidentificação do TRT-18 e, após recurso, reconhecido com direito a concorrer às vagas reservadas às pessoas negras tem situação semelhante. Em um concurso do TRF-1 ele teve, inicialmente, negado o reconhecimento enquanto negro. No entanto, após recurso, conseguiu o direito de concorrer às vagas para cotistas negros.
Conteúdo de recursos não é divulgado
As listas de divulgação dos aprovados não expõem separadamente os nomes dos candidatos que passaram a integrar os habilitados na questão étnico-racial. Para saber quem seriam eles, é necessário conferir cada um dos 392 nomes nas duas relações e identificar os que foram incorporados à última. A reportagem fez a comparação para identificar os 56 incluídos por meio de recurso.
A candidata questiona a falta de transparência relativa à apresentação e ao tratamento dos recursos, pois não há publicação destes atos, como acontece com outras informações. “A banca goza de legitimidade. Qual a necessidade recursal?”
O edital em questão é o 01/2022, que é conduzido pela Fundação Carlos Chagas (FCC), contratada pelo TRT-18 para realizar o certame. A seleção destinada aos candidatos com curso superior é para os cargos de analista judiciário. A remuneração inicial varia de R$ 12.455,30 a R$ 14.271,70. As funções de técnico judiciário, que são para ensino médio, possuem vencimento inicial de R$ 7.591,37.
Esta não é a primeira vez que a disputa por vaga para pessoa negra motiva polêmica em Goiás. Em novembro do ano passado, O POPULAR revelou que um juiz havia nomeado um homem para uma vaga reservada a cotista.
Naquele caso, a diferença era o entendimento ao reconhecimento da aplicação da cota. O homem não se afirmava negro, apenas questionava a fórmula de cálculo e reserva de vaga.
A vaga era para professor na Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG). O caso motivou protestos e, após alguns meses, o homem desistiu da ação. A professora pode tomar posse no cargo para o qual havia sido aprovada. Isto aconteceu, no entanto, apenas em maio deste ano.