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Em Goiás, 100 mulheres são vítimas de violência doméstica por dia

Diomício Gomes/O Popular
Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher (DEAM), localizada no Setor Central de Goiânia

Nos primeiros três meses de 2022, 100 mulheres por dia foram vítimas de violência doméstica, conforme dados registrados pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO). Os números ainda mostram que um estupro é registrado a cada 32 horas e que pelo menos uma mulher é morta por feminicídio a cada 5 dias no estado.

De janeiro a março, foram registrados 9.232 casos de violência doméstica, com 16 mortes e 67 estupros. Os principais crimes são contra a honra, lesão corporal e ameaças.

Apenas no mês de março, três casos de feminicído foram confirmados pela SSP-GO. Em Edealina, no sudoeste goiano, Diana Souza de Urzêda, de 25 anos, foi encontrada morta dentro de um quarto de hotel. Em Novo Gama, no entorno do Distrito Federal (DF) um mulher de 32 anos foi encontrada com o corpo carbonizado em estado de decomposição. Em Goianápolis, a maquiadora Tayná Pinheiro Duquis, de 26, foi esfaqueada pelo companheiro com quem tinha uma filha de 10 meses.

Esses são apenas alguns dos casos que semanalmente ganham os noticiários. Além das mortes, diversas tentativas de feminicídio e mulheres que sobrevivem, com feridas eternas. No dia 19 de março deste ano, Iara Zacarias Siqueira, de 30 anos, teve o corpo queimado pelo marido. O caso aconteceu no Setor Cristina, em Goiânia, foi presenciado pelo filho da mulher de 6 anos e também registrado por câmeras de segurança.

O homem, que foi preso, disse que estava embriagado e que queria sair de casa para beber mais, mas a vítima teria pedido pra ele não ir.Irritado, pegou um frasco de álcool, jogou na vítima e ateou fogo. A vítima teve queimaduras nos braços, pernas e partes íntimas. Este, assim como outros casos não entram no detalhamento da SSP-GO. Os dados disponíveis não contabilizam separadamente tentativas de feminicídio.

Dados de abril e maio ainda não estão disponíveis

Os dados de abril e maio de 2022 ainda não estão disponíveis no site da SSP-GO, mas semanalmente novos casos chegam ao conhecimento da Polícia Civil.

Na última segunda-feira (16), o corpo da diarista Luiza Helena Pereira Lima, de 38 anos, que estava desaparecida desde o último dia 6, foi encontrado em uma cisterna na zona rural de Cristianópolis. O suspeito, Joaquim Bispo Costa, namorado da vítima, confessou o crime e disse que a matou esganada por uma crise de ciúmes.

De acordo com a Polícia Científica de Goiás, o corpo passou por perícia e está em processo de identificação em uma unidade da corporação de Caldas Novas. Por estar em estado de decomposição, a pele está passando por um tratamento com produto químico para reconhecimento da impressão digital. A previsão é de que o resultado saia nesta terça-feira (17).

Mais de 37 mil casos em 2021

Em 2021, 102 mulheres foram vítimas de violência doméstica por dia em Goiás. Os dados da SSP-GO apontam ainda que o estado teve pelo menos uma vítima de feminicídio por semana e que a cada 36 horas uma mulher foi estuprada em Goiás. O crime de ameaça liderou as estatísticas com 43 casos diários registrados pelo governo estadual. No total, foram 37.583 casos de violência doméstica registrados pelo governo estadual ao longo do ano.

Os números, de forma geral, aumentaram 6,50% comparados a 2020. São 35.287 casos em 2020 contra 37.583 em 2021. O maior aumento porcentual foi de feminicídios com 22,72%. Na sequência, os crimes contra a honra como calúnia, difamação e injúria: 17,19%.

Mariana* (nome fictício), tem 27 anos e é mãe de dois filhos, de 4 e 7 anos e após 6 anos de casamento, decidiu se separar. Os motivos envolviam alcoolismo, violência física e psicológica. No dia da separação, em novembro de 2021, o homem colocou fogo em todas as roupas dela, quebrou a televisão de casa e a motocicleta da vítima. Depois de 6 meses, ele responde a um processo judicial, mas nunca foi preso.

Com medo de se identificar, a mulher conta que o marido sempre teve defeitos, mas que ela passava por cima de muitas situações justificando pra si mesma que se tratava de personalidade.

“Mudei muito pra me encaixar. Ouvia que eu falava demais e que devia mudar. Mudei pra agradar. Ele sempre bebeu bastante, mas era mais controlado. No fim do nosso casamento ele ameaçava tirar meus filhos se eu largasse ele. Dizia que eu ia passar fome, que eu não era ninguém sem ele mesmo eu sempre tendo ganhado mais. Dizia que eu era feia e que ninguém ia me querer com filhos, que eu ia ficar sozinha. Ele quebrava as coisas dentro de casa e no outro dia chorava e pedia desculpas. Dizia que estava em momento ruim. Eu relevava”.

No dia da separação, Mariana* conta que colocou as crianças para dormir e que ele tentou bater nela. Ela correu pro quarto dos filhos, mas o então marido arrombou a porta e acordou os meninos. A vítima, entretanto, já havia acionado a polícia e tinha ligado para o cunhado, que a apoiava. Natural de outro estado, sem pai e mãe, afirma que não tinha uma rede de apoio consistente.

“Estava sozinha, com duas crianças, sem roupas. Ele quebrou meu celular, pegou todo meu dinheiro porque tinha acesso às minhas contas bancárias e quando finalmente fui a uma delegacia, o delegado disse que sem exame de corpo de delito não havia o que fazer. Disse que brigar, todo casal briga. Me senti humilhada e decidi só seguir a vida”, lamenta.

Falta mapeamento

Nos dados disponibilizados pela SSP-GO não há detalhamento das vítimas de violência doméstica por classe social, idade, cor ou demais especificidades. Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-GO, Fabíola Ariadne Rodrigues explica que, nacionalmente as estatísticas nacionais mostram que as mulheres mais pobres e negras são as maiores vítimas, e acredita, portanto, que há grande probabilidade do mesmo cenário em Goiás.

“O não levantamento destes dados sobre classe social e cor deveria ser repensado, porque são com essas informações que o poder público elabora com maior assertividade políticas públicas de combate à violência”, completa a advogada.

Titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), Ana Scarpelli diz, entretanto, que no cotidiano dos atendimentos, o “perfil da vítima é, na maioria das vezes, de uma que mulher está inserida em um relacionamento abusivo, independentemente de classe social, escolaridade, raça”.

Subnotificação, educação e legislação

A advogada Fabíola Ariadne Rodrigues, assim como a delegada Ana Scarpelli defendem a necessidade da mudança de comportamento, educação e cultura. Isso porque, segundo ambas, apenas a pena elevada e a mudança na legislação que, desde 2015 prevê o feminicídio como um homicídio qualificado, não têm sido suficientes no combate à violência.

“Segundo os estudiosos do tema, o modo de enfrentamento dos crimes contra a mulher no Brasil ainda é muito segmentado, consiste, basicamente, em agravamento das penas e já percebemos que, embora necessário, não está conseguindo conter a violência.Não vamos conseguir combater a discriminação e violência existente desde 1.500 só com o recrudescimento das penas, precisamos de educação, de debater o machismo, mudanças na cultura patriarcal e de intenso investimentos em políticas públicas”, afirma a representante da OAB-GO.

Scarpelli defende que a apuração do crime pela Polícia Judiciária é célere e feita com rigor. Acredita, entretanto, que é necessário focar em uma educação que não banalize a violência contra as mulheres. “É necessário um processo de desconstrução da naturalização do tratamento das mulheres como objeto, como cidadã que desempenha um papel secundário em uma sociedade com bases patriarcais”.

A delegada também afirma que a estimativa da subnotificação é extremamente difícil. Por isso, diz que é importante a realização de campanhas informativas para esclarecer o que pode ser enquadrado como violência de gênero para que as vítimas saibam sobre o ciclo da violência e possam se reconhecer neste contexto.

Operação nacional foi realizada em março

No último dia 16 de março, a Polícia Civil de Goiás apresentou os dados da Operação Reguardo, coordenada de forma nacional pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) em todo o país.

Apenas em Goiás, a operação resultou em 133 prisões; 21 mandados de busca e apreensão; 607 solicitações de medidas protetivas de urgência; atendimento a 1.872 mulheres vítimas e conclusão de 1.334 inquéritos policiais. Os números foram contabilizados entre os dias 7 de fevereiro e 8 de março deste ano, em 79 municípios goianos.

Diana Souza de Urzêda, de 25 anos, foi encontrada morta dentro de hotel
Reprodução/Redes Sociais
Joana Santos desapareceu em Novo Gama no dia 12 de março e seu corpo foi encontrado carbonizado e em estado de decomposição no dia 14
Reprodução/ TV Anhanguera
Corpo de Tayná Pinheiro foi encontrado com duas perfurações nas costas
OAB-GO
Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-GO, Fabíola Ariadne Rodrigues
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