As escolas são um dos principais canais de denúncias de violações sexuais contra crianças e adolescentes. Em meio ao Maio Laranja, mês de enfrentamento e prevenção ao abuso e à exploração sexual desta parcela da população, palestras se intensificaram nas instituições de ensino goianas e, consequentemente, as denúncias também. “Em toda escola que eu vou dar palestras, pelo menos uma criança faz uma denúncia”, diz Samuel Rolindo, presidente da ONG Instituto Family, organização especializada em ações de combate à violação sexual infantil.
De acordo com o painel de dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, Goiás registrou 386 denúncias de violação sexual pelos canais Disque 100, Ligue 180 e aplicativo Direitos Humanos Brasil até o dia 15 de maio de 2023. A média foi de praticamente três denúncias por dia. Nesta semana, a rádio CBN Goiânia divulgou dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) que demonstraram que, em 2022, aconteceram 2,5 mil estupros de vulneráveis no estado, o que representa sete estupros por dia.
Depois de uma palestra promovida na última quarta-feira (17), em torno de 20 estudantes de uma escola estadual de Gouvelândia, na região Sudoeste de Goiás, denunciaram que foram importunadas sexualmente por um professor. As vítimas têm entre 13 e 14 anos. De acordo com a Polícia Civil do Estado de Goiás (PC-GO), uma das vítimas relatou que o suspeito passava a mão pelo corpo dela e dizia que era brincadeira. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) informou que o Conselho Tutelar e a polícia já foram acionados e que já repassou para a unidade de ensino todas as orientações, providências e procedimentos que devem ser adotados em relação ao professor.
Em maio de 2021, situação semelhante aconteceu em Campo Limpo de Goiás, na região Central do estado. Nove estudantes da rede pública municipal e estadual da cidade denunciaram três homens por violação sexual depois que assistiram palestras nas escolas em que estudavam. A PC-GO já concluiu o inquérito do caso e decidiu pelo indiciamento de um deles, que está preso preventivamente. Em março deste ano, após receber denúncias, a PC-GO flagrou um professor de uma escolinha de futebol, de 41 anos, abraçando e apalpando uma criança de 7 anos, em Rio Verde, na região Sudoeste de Goiás. O homem foi preso em flagrante sob a suspeita de estupro de vulnerável.
O presidente do Instituto Family foi o responsável pela palestra ocorrida em Campo Limpo. “Muitas vezes essas denúncias não são feitas porque as crianças e adolescentes não têm consciência que aquele toque que estão recebendo é um abuso. Quando esclarecemos o que é uma violação sexual, muitos deles percebem que estão vivendo uma situação do tipo”, explica.
Rolindo esclarece que nem sempre a violação vai envolver o toque físico. “O abusador ficar nu na frente dessa criança ou então troca mensagens de cunho sexual por telefone, já configura uma situação de abuso. É importante trazer esse diálogo para dentro da escola, pois muitas vezes essas crianças e adolescentes não falam sobre o assunto por estarem sob ameaça, se sentindo culpadas ou até mesmo com medo dos pais deixarem de amá-las. Elas precisam entender que são apenas vítimas”, conta.
Ações
O gerente de Programas e Projetos Intersetoriais da Seduc, Marcos Pedro da Silva, aponta que desde 2019 a secretaria tem realizado palestras e rodas de conversa para conscientizar as crianças e adolescentes sobre a violação sexual. “Já foram quase 500 ações e mais de 160 mil estudantes atingidos”, diz. As palestras são ministradas por servidores qualificados da própria Seduc ou então por convidados como, por exemplo, o Programa Saúde na Escola (PSE), do Ministério da Saúde.
Em 2021, a pasta chegou a enviar um protocolo para que as unidades de educação saibam como agir em casos de suspeita ou denúncia de violação sexual. “A orientação é para que eles procurem as autoridades policiais e o Conselho Tutelar”, esclarece Silva. No caso de Gouvelândia, o gerente aponta que as estudantes que denunciaram o professor serão acompanhadas pela Gerência de Saúde e Segurança do Servidor e do Estudante.
Danos
A psicóloga infantil Ana Lídia Fleury explica que as violações sexuais causam impactos psicológicos e comportamentais a curto, médio e longo prazo. “A pessoa começa a manifestar disfunção na área sexual ou ficando aflorada sexualmente e aberta a todo tipo de estímulos sexuais ou o oposto extremo, que percebemos inclusive em adultos que depois de se casarem começa a ter problemas na intimidade sexual, como um bloqueio gerado nessa área”, explica.
Ana Lídia esclarece que além de manter um canal de diálogo aberto com as crianças e adolescentes, as medidas de prevenção contra esse tipo de violência precisam ser ajustadas devido à tecnologia acessível a toda idade. “Vários tipos de violência sexual na atualidade são feitas pelas redes sociais. Percebemos crianças e adolescentes vulneráveis a esse tipo de violência por meio dos jogos e das páginas de redes sociais, que precisam ser monitoradas pelos pais”, finaliza a psicológica infantil.