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Fechamento de bibliotecas em Goiânia revolta educadores e provoca reação da comunidade

Secretaria Municipal de Educação
Sala de leitura da Escola Municipal Laurindo Sobreira do Amaral em registro feito pela secretaria

O fechamento de salas de leituras de escolas municipais de Goiânia é alvo de protestos de educadores. A medida também é objeto de duas representações: uma no Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e outra no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO). Na próxima quinta-feira (17), uma audiência pública vai discutir o assunto na Câmara de Vereadores. Além disto, especialistas em educação também fazem críticas à ação.

A Secretaria Municipal de Educação (SME) anunciou o fechamento de 50 salas de leitura para que estas deem lugar a salas de aula para alunos. Os estudantes, com idades de 4 a 5 anos, serão de Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis). Com isto, a pasta espera abrir cerca de 5 mil novas vagas nestas estruturas e reduzir o déficit, que hoje está em aproximadamente 8 mil.

Diretores e professores da rede municipal protestam contra o fechamento das salas de leitura e também contra o argumento da SME de que estes espaços estavam ociosos. 

Profissionais de seis unidades que estão na lista das que terão as salas transformadas rebatem a informação e contam que ao contrário do que diz a pasta os espaços são bastante utilizados.

Os diretores ouvidos contam que ficaram sabendo da mudança a partir de sábado (5). Nesta semana, todos precisam entregar assinado o estudo de rede, documento com o planejamento da unidade e informações como o número de salas e de turmas para o próximo ano. Na hora de assinar, pelo menos 50 diretores foram informados pelos respectivos profissionais de apoio – que faz uma ponte entre a pasta e a escola, acompanhando o trabalho de cada diretor – de que as salas de leitura seriam fechadas.

“A sala de leitura é o coração da escola, fechar é tirar esse coração. Teve uma pessoa que disse que se quiser conhecer uma escola como ela é visite a sua biblioteca”, revoltou-se uma diretora. “Muitos dos alunos da rede só têm acesso a material literário dentro da escola, não tem espaços assim fora da escola, não existem bibliotecas públicas na região, então você acaba dificultando o acesso das crianças aos livros.”

Após a imprensa ter tornado pública a mudança em reportagens nesta terça-feira (9), a comunidade escolar tem se manifestado em grupos de WhatsApp específicos e nas redes sociais para protestar e tentar reverter a decisão. 

Proposta foi rechaçada

A proposta da SME de ampliar o projeto Tenda da Leitura nas escolas que perderão as salas de leitura foi rechaçada pelos diretores ouvidos. O projeto é basicamente uma sala de leitura improvisada, com uma tenda tipo as de feira livre, só que um pouco maior, com duas ou três mesas de plástico e cadeiras em volta e caixas com livros, e o material é ofertado no pátio da unidade. Após o fim do turno escolar, a tenda e as mesas ficam na área externa e a caixa com livros é colocada dentro do prédio escolar.

As tendas, afirma a SME, foram distribuídas para cerca de 130 escolas das 178 até o momento. As demais ainda serão contempladas. Conforme a pasta, cada unidade recebeu um acervo de aproximadamente 2 mil livros.

“A tenda como um complemento é okay, mas não substitui uma sala de leitura, que é um espaço fechado, organizado, com maior controle, que funciona independentemente se está sol ou não, e onde professores desenvolvem vários projetos, é um espaço mais adequado para o aluno se concentrar na leitura e nos projetos”, comentou outra diretora.

Inicialmente, a SME não divulgou que o reordenamento se daria exclusivamente nas salas de leitura. A informação veio nesta quarta-feira (9) por meio da chefe de gabinete da SME, Débora da Silva Quixabeira.

A chefe de gabinete da SME afirmou que os livros e mobiliários atuais devem poderão ser remanejados dentro das escolas, quando possível. Os materiais poderiam servir para a implantação de cantinhos de leitura. “O que não tiver interesse pode devolver para o almoxarifado da SME.”

A chefe de gabinete da SME foi perguntada se não seria mais adequado promover ações para melhorar o uso das salas de leitura em vez de fechá-las. “Desde o ano passado, temos um levantamento dentro das instituições sobre o funcionamento dos ambientes de leitura. Detectamos em várias escolas que estas salas estavam servindo de depósito. Por causa disto, a secretaria encaminhou as tendas literárias para incentivar a leitura. A gente entendeu que não é justo haver fila de alunos enquanto há salas ociosas”, respondeu. 

Além do remanejamento, a Prefeitura tem obras de Cmeis em andamento e anunciou no mês passado a construção de mais 20 estruturas do tipo, com previsão de término até o fim de 2024.

Reversão

Ao menos dois diretores já teriam sido informados nesta quarta-feira (9) que a SME decidiu nestes dois casos manter a sala de leitura funcionando. Profissionais de apoio estiveram também nesta quarta em algumas das escolas que teriam o espaço fechado para conhecê-lo e verificar se estavam ou não ociosos. O prazo para fechar os estudos de rede vence nesta quinta-feira (10), para que a partir daí se possa calcular o número de vagas disponíveis para o período de matrículas para o ano letivo de 2023.

Diretores afirmam que a informação sobre o fechamento das salas os pegou de surpresa, que só foram avisados na hora de assinar o estudo de rede ou quando foram chamados para assinar o documento. E que os professores de Português e aulas afins ficaram indignados, pois o espaço era usado para diversos projetos. 

Além dos projetos que são sugeridos pela SME, cada professor tem propostas de ensino envolvendo leitura, além de algumas escolas que premiam e estimulam os alunos por livros lidos. Por falta de bibliotecários, as escolas não contam com bibliotecas, mas de certa forma isso é adaptado nas salas de leitura, que têm servidores públicos capacitados pela secretaria para que alunos também possam pegar emprestados os livros.

“Não tem isso de espaço ocioso, é um absurdo. As salas são muito bem utilizadas, sempre tem algum projeto sendo trabalhado, alunos lendo ou fazendo alguma produção em cima do que leu, crianças que vão no recreio para ficar lendo algum livro, tem sempre movimento. Não dá para pegar um caso isolado, se é que tem alguma sala ociosa e dizer que é assim em todas as escolas”, comentou uma terceira diretora.


MP e TCM são acionados por fechamento

O fechamento dos espaços de leitura por parte da administração municipal motivaram o acionamento do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) pelo vereador Mauro Rubem (PT). Na representação, ele afirma que a medida fere o direito à educação de qualidade e à lei 12.244 de 2010. 

O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO) também foi provocado por Rubem. O pedido às duas instituições é para que a medida da secretaria seja vetada. Na próxima quinta-feira (17), às 14h, uma audiência pública vai discutir o assunto na Câmara de Goiânia. “Nós acionamos o TCM-GO do ponto de vista que a administração municipal tem a responsabilidade de fazer novas salas, novos Cmeis. A gente quer que o TCM-GO nos ajude nesta mesma ação, não só de manter o padrão de ensino atual, que vai diminuir com a mudança, mas forçar a Prefeitura a ter um calendário de novas construções”, diz o vereador.

A Lei federal 12.244 de 2010 estabelece a obrigatoriedade de bibliotecas nas escolas, inclusive, com quantidade mínima de títulos no acervo com base na quantidade de alunos. O prazo venceu em 2020 e há uma nova discussão sobre o assunto na Câmara Federal (veja quadro). 

Doutora em educação e coordenadora do Laboratório do Livro, Leitura. Literatura e Biblioteca (Libris) da UFG, Maria das Graças Monteiro Castro se posiciona contra a retirada das bibliotecas nas escolas. “A biblioteca é um equipamento social e o processo de atuação dela junto ao indivíduo começa na educação infantil. Vai se desenvolver na escrita e oralidade, vai complementar os diferentes tipos de texto que você tem de ter domínio”, explica.

Maria das Graças afirma ainda que a biblioteca é uma importante ferramenta para os profissionais e alunos. “Biblioteca é um acervo vivo, que precisa ser pensado a partir de atividades desenvolvidas pelos professores da sala de aula junto com a coordenação e que atenda ao projeto pedagógico e às necessidade do aluno, conforme a etapa do ensino.”

A doutora em educação relatou ainda que atuou no projeto Leia Goiânia, ainda na gestão de Pedro Wilson (PT), que implantou bibliotecas volantes e físicas em 196 unidades de ensino. “Amanhã (quinta-feira, 10) vamos fazer reunião no Libris com uma série de pessoas para tirarmos um documento que vamos levar na audiência pública do dia 17. Nós não vamos dar arrego, não dá mais para aguentar este tipo de ataque e falta de política pública na área educacional e cultural.”

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