Geral

Fila da vacina deixa para trás em Goiás pessoas com comorbidades

Wildes Barbosa
Rhayanna sofre com problema no coração e está exposta a riscos

Em Goiás, aproximadamente 616.561 pessoas com comorbidades na faixa etária menor que 60 anos aguardam pela imunização contra a Covid-19, ainda sem previsão de início. De acordo com Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19, do Ministério da Saúde, o grupo seria imunizado logo após os idosos. Isto porque, em todo o País, de uma forma geral, pessoas com comorbidades representam mais de 60% das mortes. Em Goiás, de um total de 12.606 óbitos por complicações do coronavírus (Sars-CoV-2) até a manhã do dia 8 de abril, 5.882 tinham alguma comorbidade e 1.208 idade inferior a 60 anos, ou seja, ainda não inclusos na vacinação que ocorre atualmente. 

Superintendente de Vigilância em Saúde do Estado, Flúvia Amorim explica que ainda não foi encerrada a vacinação dos dois primeiros grupos: idosos e trabalhadores da saúde, e que por isso é difícil prever a data dos demais. No caso dos profissionais da saúde, ainda faltam 42% do total de 207 mil pessoas. Além disso, assim como outros 14 Estados, Goiás já iniciou a vacinação de profissionais da segurança e salvamento que ultrapassa 25 mil pessoas. Também há previsão de vacinação dos trabalhadores da educação, logo na sequência, similar ao que como ocorre com vacina de Influenza.

De acordo com o Ministério da Saúde, em todo o País, o grupo com comorbidades tem população estimada em 17,79 milhões. O Plano de Imunização prevê estes como o grupo 14 na prioridade pela imunização, logo depois de idosos de 60 a 64 anos. Apenas em 2021, das 81 mil mortes confirmadas até o fim de março, 62,7% das vítimas apresentavam alguma comorbidade. Os dados divulgados no Boletim Epidemiológico número 56, do Ministério, apontam que cardiopatia e diabetes foram as condições mais frequentes, sendo que a maior parte das mortes foi de pessoas acima de 60 anos.

Apesar de grande parte das pessoas com comorbidade também estar inclusa no grupo de idosos, nos três primeiros meses deste ano, 21.580 pessoas que morreram por complicações da Covid-19 no Brasil e que tinham alguma comorbidade, estavam abaixo dos 60 anos. O número corresponde a 26,39 % do total de óbitos neste grupo. No ano passado, das 191.552 mortes, 65,7% pertenciam a este grupo e destes, 33,5% não eram idosos, que equivale a 42.149 óbitos. No quesito obesidade, que contabilizou 4.550 mortes de janeiro a março de 2021, 98,24% tinha menos de 60 anos. 

Giuliano Ciambelli, cardiologista do Ânima Centro Hospitalar e médico titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia explica que pacientes com doenças cardiovasculares, diabéticas e de mais idades são mais suscetíveis às formas graves da Covid-19 devido ao mecanismo pelo qual o vírus entra no organismo. Ele pontua que existe uma enzima, chamada ECA2, existente em maior expressão nos tecidos pulmonares e do coração. “Os indivíduos que possuem essas comorbidades geralmente têm níveis maiores desta enzima. Ao se ligar a esta enzima, o Sars-CoV-2 é introduzido na célula e inicia a replicação”, acrescenta. 

No Estado de Goiás, são 5.882 óbitos com pelo menos uma comorbidade e 1.332 sem nenhuma. O número, entretanto, pode ser ainda maior porque conforme dados da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO), 4.913 pessoas que morreram constam como ignorados em todas, ou seja, não foram checadas as possíveis complicações. Além disso, 391 aparecem como dados incompletos, com negativo ou ignorado em alguma das comorbidades. 

Apenas duas pessoas foram confirmadas para quatro classificações: doenças cardiovasculares, respiratórias, imunossuprimidas e diabéticas. O problema da qualidade do preenchimento das fichas de óbito, segundo Flúvia Amorim, é recorrente. “Nosso pedido é que as unidades de saúde preencham as fichas de forma completa e legível porque aos dados são importantes e a ausência dos números pode mascarar o cenário”, completa. 

“O que acontece em Goiás, não é diferente do que acontece no Brasil e no resto do mundo. E a saída para esta pandemia, além do isolamento social e das medidas protetivas como máscara, higiene das mãos e álcool em gel, é a imunização. Precisamos ser propagadores de que a vacina é a única saída em curto prazo e se não encararmos isso como mecanismo eficaz e cientificamente comprovado, muita gente morrerá em virtude desta pandemia que cada dia mais assola o País”, completa o cardiologista Giuliano Ciambelli.

De acordo com a SES-GO, serão contempladas as pessoas com diabetes mellitus, pneumopatias crônicas graves, hipertensão arterial resistente (HAR), hipertensão arterial estágio 3, hipertensão arterial estágios 1 e 2 com lesão em órgão-alvo e/ou comorbidade, doenças cardiovasculares, doença cerebrovascular, doença renal crônica, imunossuprimidos, anemia falciforme, obesidade mórbida, síndrome de down e cirrose hepática. A pasta disse, entretanto, que a ordem de prioridade ainda será definida conforme orientações do Ministério da Saúde após envio de doses aos Estados. 

“Este é o maior grupo, com mais de 600 mil pessoas e vamos depender da quantidade de doses para definir o início. Ainda não há uma definição de como será priorizado, mas teremos uma reunião com o Ministério da Saúde para definir isso. O mais lógico seria por comorbidade e idade, mas ainda não podem afirmar que será assim”, pontua a superintendente de Vigilância em Saúde do Estado, Flúvia Amorim. 


“Em decorrência da doença, organismo já carrega debilidade”, diz presidente da ACCG 


Doenças respiratórias e imunossupressões também possuem números significativos. Entre os imunossuprimidos estão pacientes transplantados, pessoas vivendo com HIV, com doenças reumáticas e em tratamentos oncológicos. Desde o início da pandemia, 234 pessoas deste grupo já tiveram morte confirmada por Covid-19, segundo dados oficiais da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO). Destes, 134 com idade inferior a 60 anos. 

Presidente da Associação de Combate ao Câncer em Goiás (ACCG), Cláudio Francisco Cabral explica que os pacientes oncológicos já sofrem com impactos de distúrbios que ocorrem dentro e fora das células tumorais, entre elas as de defesa que compõem o sistema imunológico. Assim, em decorrência da própria doença, o organismo já carrega alguma debilidade.

Cláudio Cabral pontua que as pesquisas indicam, até o momento, que a taxa de mortalidade chega a ser seis vezes maior entre os pacientes em tratamento contra alguma neoplasia. “Todos esses são fatores que reforçam a necessidade e a urgência da vacinação de quem sofre a doença, porque os tratamentos são inadiáveis. O câncer também mata se não for tratado no tempo adequado”, acrescenta. Explica também que no Hospital de Câncer Araújo Jorge, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia todos os profissionais da unidade que entram em contato com os pacientes foram vacinados. 

O presidente da ACCG diz que a Coronavac é a vacina mais indicada aos pacientes oncológicos. Isto porque um guia publicado pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) aponta o imunizante em caso de opção de escolha. “Para os imunossuprimidos, havendo a possibilidade de escolha, o médico deve priorizar ouso da vacina Coronavac, baseada em vírus inativado, que é o tipo de vacina mais usada para este grupo”, informa o documento. 

“Além de cirurgias, geralmente de grande porte, a maioria dos pacientes com câncer procedimentos oncológicos, radioterapia e quimioterapia, que adicionam efeitos supressores da plena capacidade imunológica, comprometendo as defesas do organismo nessa fase. Assim, por vários motivos, todos os pacientes com câncer devem ser protegidos ao máximo do contágio de eventuais doenças transmissíveis, recomendações que demandam cuidado dobrado em situações de surtos e epidemias ocasionais, exigindo uma operação radical em caso de pandemias como a que assola o mundo e o País há mais de um ano”, finaliza Cabral. 

 

Demora leva preocupação a membros de grupo de risco

Rhayanna Bernardes Gomes, de 27 anos, é professora de Ciências e possui a chamada cardiopatia congênita complexa. Com um conjunto de malformações no coração, ela tem Comunicação Intraventricular – uma espécie de abertura entre os ventrículos; dupla saída do ventrículo direito, isomerismo esquerdo e uma saturação baixa que varia entre 79% e 86%. Isso porque, para um adulto, a saturação normal é de 95% a 100%. Antes com aulas virtuais, agora voltou para a escola e se preocupa porque ainda não há previsão para a vacina. 

“Como eu tenho 27 anos, a minha expectativa para tomar a vacina está longe de acontecer. Ainda não sabemos quando acontecerá para os cardiopatas e pela idade, posso demorar ainda mais. Não faço tratamento em Goiânia, meu tratamento é em São Paulo, no Instituto Dante Pazzanenze. Isolamento é fundamental para nós, mas, se tivéssemos com a vacina, essa preocupação de pelo menos ir ao médico, seria mais leve”, completa. A professora conta que, anualmente, precisa ir ao médico para acompanhamento. No ano passado, foi de máscara, luva e disse que o voo estava lotado. “Sem contar que em São Paulo temos casos graves e posso ainda ser contaminada lá e trazer para minha mãe a avó”, lamenta. 

Filipe Avelino A Silva, de 33 anos, é programador de automação e tem diabetes tipo 1. Desde março do ano passado ele trabalhou em home office. Nesta quinta-feira (8), retornou ao trabalho presencial e confessa que acreditou que este momento aconteceria depois de ser imunizado com a vacina. “Achei que em outubro passado eu já teria me vacinado. Não entendia como funcionava a fabricação, testes e compra de uma vacina e minhas perspectivas eram de vacinar mais rápido”, completa. 

O programador afirma que, desde o começo da pandemia acompanhava notícias sobre a ocupação de leitos e também sobre os processos envolvendo a vacina e que era mais otimista. “Infelizmente não temos data para vacinar. Eu me preocupo muito com minha família e é sempre um misto de sentimento. Meus pais irmãos todos estão longe de mim. Aqui em casa somos eu, minha esposa e filhos e consigo ver que eles estão tomando os cuidados precisos, mas mesmo assim fico muito preocupado”, lamenta.

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