A Justiça tornou réus o engenheiro civil Flávio Tomaz de Aquino Musse, de 61 anos, e o gerente Cristiano Vilela Reis, de 42 anos, pela morte do estudante David Lucas de Miranda, aos 8 anos, após cair de uma altura de 13,8 metros de um toboágua em manutenção em um parque aquático de Caldas Novas. O acidente foi no dia 13 de fevereiro de 2022, um domingo à tarde.
Flávio e Cristiano respondem por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, sendo que o engenheiro ainda poderá ter a pena agravada por inobservância de regra técnica de profissão. É que o acidente teria ocorrido por uma falha dele enquanto responsável pelas obras no local, segundo o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO).
Antes da denúncia, o promotor Cristhiano Menezes da Silva Caires, da 2ª Promotoria de Justiça de Caldas Novas, chegou a propor um acordo de não persecução penal aos dois pelo qual não seriam denunciados caso concordassem em pagar uma indenização de R$ 100 mil aos pais de David e cumprir 300 horas de serviços comunitários em um período de até um ano. Porém, eles não se manifestaram sobre a proposta e o promotor decidiu denunciá-los.
No caso do gerente, como a pena mínima é de um ano, o promotor fez uma nova proposta, de suspensão condicional do processo se ele aceitar pagar uma indenização de R$ 50 mil e o cumprimento dos serviços comunitários, além de outras medidas previstas na lei federal 9.099/1995. O juiz Flávio Pereira dos Santos Silva, da 3ª Vara Criminal de Caldas Novas, deu 10 dias após a notificação para o réu se manifestar.
A oferta não foi feita para o engenheiro porque no caso dele, com o acréscimo do agravamento pela responsabilidade técnica na denúncia, a pena mínima passou a ser de um ano e quatro meses, o que pela lei impede que o benefício lhe seja estendido.
Na decisão, o magistrado diz que na audiência que tratou do acordo de persecução penal apenas o gerente se fez presente, mas nenhum dos réus apresentou uma resposta final se acatava ou não a oferta. O prazo para que se manifestassem venceu em 19 de junho, mas o mês seguinte foi de recesso no Judiciário.
“Além disso, o exame das peças que instruem o inquérito revela que a proemial acusatória está embasada em dados empíricos que são fortes indícios de materialidade e autoria delitivas, aporte factual que viabiliza o desembaraçado exercício do direito de defesa, o que impõe o recebimento da denúncia ofertada”, escreveu o juiz.
Entenda o caso
David morreu após subir em um brinquedo interditado sem proteção para impedir o acesso de pessoas não autorizadas. As rampas do toboágua, que imitava um vulcão, haviam sido retiradas, e o garoto conseguiu subir pela escada no interior da estrutura. Ele passou pela única entrada possível, que não estava devidamente lacrada.
O toboágua tinha quatro rampas, todas desmontadas. A obra havia sido iniciada em 13 dias antes, e o local estava cercado por tapumes de madeira, mas havia uma brecha para entrada e saída de veículos delimitada apenas por uma fita plástica zebrada.
A vítima foi socorrida no local pelos guarda-vidas e por uma enfermeira do empreendimento, além de socorristas do Samu e dos bombeiros, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no Hospital Municipal de Caldas. Além de traumatismo craniano, ela sofreu lesões pelo corpo e afogamento.
A criança estava com os pais e irmãos em Caldas. Eles são de Conselheiro Lafaiete (MG) e estavam pela quarta vez no parque. De acordo com a denúncia, David pediu para ir ao banheiro. Como ele já conhecia o local e sabia nadar, o pai deixou. Entretanto, no caminho, acabou se dirigindo ao toboágua.
“A vítima acabou indo até a atração chamada Vulcão, que, como já dito, estava em manutenção, porém Davi Lucas, em razão da pouca idade, não percebeu esta situação, subiu as escadas do brinquedo, e entrou em um dos tobogãs, que se encontrava parcialmente desmontado, vindo a cair de uma altura de mais de dez metros, atingindo ainda a estrutura metálica do brinquedo durante a queda, antes de atingir o chão”, afirmou o promotor na denúncia.
Ainda segundo Cristhiano, a morte se deu a partir de uma série de “condutas imprudentes e negligências” por parte do gerente e do engenheiro. O primeiro por não limitar a área em obras adequadamente nem posicionar um funcionário no local para impedir o acesso de pessoas e orientá-las, “notadamente porque o público infanto-juvenil é abundante no respectivo complexo aquático”.
Ambos também teriam errado ao deixar uma brecha na barreira de tapume ao redor do brinquedo em manutenção. No caso de Flávio essa negligência foi agravada por, segundo o promotor, como engenheiro ter deixado de atender a uma norma técnica. “Como engenheiro-civil, FLÁVIO detém a função-dever, já que atua como garantidor, de acompanhar o trabalho de seus funcionários, para assegurar que tudo esteja em consonância com as regras técnicas.”
Defesa
No processo constam os depoimentos dados pelos agora réus à Polícia Civil em que apresentam suas versões na época ainda da investigação. Cristiano disse que havia cartazes informando sobre a manutenção do brinquedo e que a responsabilidade pela obra é do engenheiro, negando ter pedido a retirada do tapume na escada.
Já Flávio afirmou que foi surpreendido com a notícia da queda da criança por acreditar que a área estava devidamente isolada e que havia segurança por parte do parque. Ele também disse que não partiu dele a ideia de não ter o tapume na base da escada, mas concordou que ali não seria tão urgente. Segundo o engenheiro, o pedido para deixar a faixa zebrada foi feito por uma pessoa que cuidava da obra e que morreu dias antes e que não percebeu a alteração.