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Goiás celebra os 135 anos de nascimento de Cora Coralina

Hélio Nunes
Cora Coralina comemoraria 135 anos de nascimento nesta terça-feira (20)

Cora Coralina caía na gargalhada quando alguém chegava na cidade de Goiás perguntando “o endereço da velhinha que faz doce na casa da ponte”. É o que garante Vicência Brêtas Tahan, de 95 anos, a caçula e última filha ainda viva da poeta. “Era uma mulher decidida, muito católica e ajudava todo mundo sem esperar retorno”, conta. Nesta quarta-feira (20), se comemoram os 135 anos de Anna Lins dos Guimarães Peixoto, a Anninha, figura mais emblemática da cultura goiana.

Os tempos em que morava em Andradina, no interior paulista, ainda reverberam na memória de Vicência. “Os meus irmãos mais velhos contavam que ela era muito rigorosa. Comigo, por ter sido a caçula e vivido sozinha com ela, foi diferente. Nós tínhamos mais liberdade, conversávamos muito. Ela me mostrava o que estava escrevendo”, rememora Vicência, que mora há 50 anos na capital paulistana, mais precisamente no Paraíso, bairro nobre da zona sul.

Vicência também é escritora. Entre os livros que publicou, está Cora Coragem, Cora Poesia (Global Editora), uma biografia romanceada da matriarca. A artista, detentora de toda a obra da mãe, está trabalhando junto à editora de São Paulo um novo livro com poesias inéditas de Cora Coralina. “Estamos no processo de selecionar e escolher as poesias que vão entrar na nova obra. Tudo está guardado comigo desde a sua morte, em 1985”, revela.7

Antes de voltar para a antiga Vila Boa, Cora tinha uma loja de tecidos chamada Bambolê. Vendeu o imóvel e comprou um sítio. Por lá, cuidava de porcos para, depois, vendê-los. “Cozinhava de tudo, fazia linguiça para nós. Começou a vender doces só depois, em Goiás, para juntar dinheiro para poder comprar a parte da casa dos sobrinhos se o imóvel entrasse em leilão”, rememora a filha.

Cora e Vicência moraram juntas até 1956, quando a goiana retornou à cidade natal e a filha continou em Andradina com o esposo e os filhos. Foi nesse instante que a vida de Anna Lins mudou completamente. “Primário incompleto. A vida não me deu cargos; deu-me encargos. Comecei a escrever aos 14 anos, fiz uma grande pausa enquanto criava os filhos, aprendi e guardei as grandes lições da vida. Voltei à minha terra sem a intenção de permanecer. Insensivelmente fui me ligando às minhas velhas raízes, sozinha na casa ancestral”, contou a poeta em entrevista ao jornal O Popular em 1971.

Cântico

A casa da ponte, museu há 35 anos, serviu de refúgio, asilo, comércio, cozinha e escritório para Cora. Vicência a visitava com mais frequência durante os anos em que morou em Anápolis. “Eram tempos diferentes e as distâncias também eram outras”, comenta. Depois, quando a filha foi para São Paulo, a lonjura geográfica separou mais uma vez as duas.

“Moro aqui com meus 28 anjos da guarda. No porão residem quatro fantasmas que fazem mal a ninguém. Radarzinho é meu principal protetor. Eu o chamo assim porque ele me dá um sinal aqui na veia jugular e compreendo que a hora de tirar o tacho da fornalha. Quando não posso atender, ele mesmo cuida de apagar o fogo, mas me adverte: anjo da guarda apenas ajuda, quem deve fazer é você”, aferiu Cora Coralina ao jornal O Popular então com seus 79 anos.

Anna não fazia a linha velhinha doce e meiga. Considerava-se satisfeita com a vida que levava e uma criatura realizada. Sobre o primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás (1965), exclamava: podia ser melhor, mas não é um livro medíocre. “Sou uma sobrevivente; convivo com os vivos e com a sombra dos que se foram”, dizia. A lápide da poeta, no Cemitério Municipal São Miguel, guarda um dos versos que a caçula Vicência mais gosta de reiterar: “Não morre aquele que deixou na terra a melodia do seu cântico na música de seus versos.” Cora, mais uma vez, estava certa.

Há 35 anos, museu da ponte 

As comemorações do aniversário de Cora Coralina também servem de pretexto para as festividades dos 35 anos do Museu de Cora, localizado na cidade de Goiás. Um dos pontos turísticos mais visitados no estado, o local recebe mensalmente em torno de 2 mil pessoas que desejavam entrar na residência, ver os livros originais, as roupas, a cozinha e os tachos de cobre. 

“É um museu privado sem fins lucrativos que tomamos conta para preservar a memória de Cora”, revela Marlene Velasco, diretora do local. Há mais de três décadas que o espaço segue firme, após uma enchente que derrubou parte do imóvel e uma pandemia, que precisou ficar seis meses de portas fechadas. “Seguimos na luta para que todos possam estar perto de uma das escritoras mais importantes do Brasil”, completa. 

Para as festividades, o Museu de Cora ficará aberto durante todo o dia para visitas guiadas. O cemitério onde a poetisa está enterrada também ficará aberto. No período da noite, às 19h, o Frei Cristiano Bhering comandará a missão de ação de graças e, depois, acontece a partilha do bolo, que desde 1980 é uma tradição vilaboense em comemoração ao Dia do Vizinho. “Cora sempre dizia que o vizinho é aquela pessoa mais próxima para ajudar e socorrer. É com essa mensagem de fraternidade que cantamos os parabéns à nossa eterna poetisa”, destaca Marlene. 

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