Geral

Goiás dobra proporção de mortes por intervenção policial em 5 anos

Fábio Lima
Em 2023, Goiás registrou 517 mortos decorrentes de intervenções policiais, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024

Em cinco anos, a proporção de mortes decorrentes de intervenções policiais em relação às mortes violentas intencionais dobrou em Goiás. Em 2018, as mortes por ação policial representavam 15,9% do total de mortes violentas. Em 2023, o número subiu para 32,2%. O dado referente ao ano passado é do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, divulgado nesta quinta-feira (18). De acordo com o documento, em 2023, Goiás foi o estado brasileiro que registrou a terceira maior proporção do país, perdendo apenas para o Amapá (33,7%) e o Sergipe (33,3%).

Quando comparado com 2015, ano em que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) começou a apresentar a proporção no anuário, a discrepância é ainda maior. Naquele ano, apenas 4,6% das mortes violentas ocorreram pelas mãos das forças de segurança. Atualmente, o número é sete vezes maior. Desde 2019, primeiro ano da gestão do governador Ronaldo Caiado (UB), a proporção não ficou abaixo dos 20%.

Depois de um crescimento até 2020, as mortes por intervenções policiais vem registrando queda quando analisados os números absolutos de Goiás. Em 2022, foram 539. Em 2023, 517. A redução foi de 4,1%. Ainda assim, o estado foi o quarto com a maior taxa por 100 mil habitantes de mortes decorrentes de intervenções policiais no ano passado. Em relação às mortes violentas intencionais, Goiás também apresentou queda de 9,9% no mesmo período. Em 2022, foram 1,7 mil registros. No ano passado, 1,6 mil. O cenário de retração se sustenta desde 2018. Entretanto, a proporção de um pelo outro só aumenta. Isso significa que mesmo com menos mortes violentas, cada vez mais as forças de segurança têm sido as responsáveis por elas. Atualmente, a cada 10 pessoas que morrem violentamente em Goiás, três foram vítimas das forças policiais. 

O coordenador de projetos do FBSP, David Marques, aponta que em todo o Brasil as mortes por intenvenções policiais aumentaram desde 2013 e destaca que a maioria das vítimas são homens jovens e negros. Para se ter ideia, o anuário deste ano aponta que o risco relativo de um negro morrer por intervenção da polícia é 3,8 vezes maior. O especialista explica que o aumento dessas mortes em intervenções policiais costuma estar ligado a uma resposta do poder público aos crimes violentos, como homicídios e roubos. “As pessoas se sentem muito inseguras (com esses crimes). O ambiente político se alimenta dessa insegurança. A resposta tem sido a utilização da força policial que, não raro, tem altos índices de letalidade”, discorre. 

Recorrência

O governador de Goiás é um defensor das ações policiais. Em fevereiro deste ano, durante uma entrevista ao programa Diálogos, da GloboNews, conduzido pelo jornalista Mario Sergio Conti, ele afirmou que “a minha polícia entra para resolver, ela não entra para tomar tiro”. Na mesma ocasião, ele reforçou ser contra o uso de câmeras corporais em uniformes policiais, experiência que já se mostrou exitosa na redução da letalidade policial em São Paulo. "Acho que a câmera não traz resultado nenhum, só faz inibir o policial hoje, que está pela frente com uma .50", enfatizou.

Em abril, ele disse que "exceções devem ser tratadas como exceções” em relação a possibilidade de reavaliar o uso de câmeras corporais nos policiais militares após o suposto confronto alegado por agentes do Comando de Operações de Divisas (COD) que culminou na morte de dois homens no Setor Jaó, em Goiânia, no mesmo mês. Uma gravação mostra que ambos não portavam armas. Peritos do Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Técnico-Científica (PTC) de Goiás já apontaram, com base no laudo de reprodução simulada dos fatos, uma série de falhas na versão dos policiais militares. Outras ocorrências nos últimos anos mostram que este não foi um caso isolado.

Um dos casos ocorridos em 2023 foi o do mecânico Marcus Phelipe de Souza Almeida, de 27 anos. O jovem foi baleado por policiais militares após o motorista do carro em que estava evadir de uma blitz, no Jardim Itaipu, em Goiânia. A mãe do motorista que tentou evitar a fiscalização contou em inquérito aberto pela Polícia Militar que ouviu do filho que o amigo não estava armado, o que contradiz a versão dos policiais de que Marcus teria atirado duas vezes contra eles na fuga. No Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 não está disponível o detalhamento de quantas mortes por intervenções policiais em Goiás foram de autoria da Polícia Militar e quantas foram de autoria da Polícia Civil.

Além da queda nas mortes por intervenção policial, os números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 também apontam para uma redução dos crimes violentos letais intencionais separadamente. Os homicídios dolosos caíram de 1,1 mil para 1 mil (-11,4%). Os latrocínios saíram de 33 para 15 (-54,5%). As lesões corporais seguidas de mortes tiveram uma queda tímida, de 27 para 26 (-3,7%). No passado, dois policiais militares morreram em confronto em serviço. Houve um outro registro relacionado a uma morte de um policial militar em confronto ou por lesão não natural fora de serviço. Os números relativos à Polícia Civil não estão disponíveis. 

Brasil

As mortes violentas intencionais também apresentaram queda no Brasil. Saíram de 47,9 mil, em 2022, para 46,3 mil, em 2023. “Deve ser comemorado. Temos uma tendência de redução bem leve, mas constante, desde 2018”, pondera o coordenador de projetos do FBSP. Entretanto, a violência exacerbada ainda é um destaque no país. No ano passado, a taxa foi de 22,8 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes, a mesma de Goiás. Em termos globais, a taxa do Brasil é quase quatro vezes maior do que a taxa mundial de homicídios, que, segundo dados das Nações Unidas (UNODC1) é de 5,8 mortes por 100 mil habitantes. “Temos 3% da população mundial e 10% dos homicídios. Uma desproporção muito grande”, frisa Marques. 

Goiânia

Na contramão de Goiás e do Brasil, Goiânia apresentou crescimento no número absoluto de mortes violentas intencionais. Em 2022, foram 240. Em 2023, 260. O aumento foi de 8,3%. Considerando os crimes violentos intencionais separadamente, os homicídios registraram aumento, saindo de 138, em 2022, para 143, em 2023. Um crescimento de 3,6%. Já os latrocínios caíram de 10 para 7 (-30%). As lesões corporais seguidas de mortes reduziram de 5 para 2 (-60%). Já as mortes decorrentes de intervenções policiais aumentaram de 87 para 108, um crescimento de 24,01%. No ano passado, nenhum policial morreu em situação de confronto na capital.

Em nota, a Prefeitura de Goiânia informou que a segurança pública é um desafio das grandes cidades e exige o trabalho conjunto entre os governos municipal, estadual e federal, sendo que a administração municipal desempenha seu papel por meio da Guarda Civil Metropolitana (GCM), que conta com 1,2 mil agentes operacionais e 80 viaturas. A nota destacou que “a administração de Rogério Cruz (SD) também investiu R$ 300 mil na compra de 17 fuzis de uso militar, fortalecendo a capacidade de resposta da GCM."

A prefeitura ainda comunicou que GCM monitora mais de 3 mil câmeras de videomonitoramento espalhadas pela cidade e que, recentemente, ampliou o Centro de Controle Integrado, instalando 345 novas câmeras de videomonitoramento para auxiliar na segurança da cidade. Com isso, a capital passou a contar com 3,1 mil câmeras em todas as regiões.

No âmbito da infraestrutura, a Prefeitura apontou que, por meio da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra), iniciou, em 2023, a substituição das lâmpadas de vapor de sódio (amarelas) por lâmpadas de LED, que possuem maior durabilidade, oferecem maior luminosidade e maior sensação de segurança. A nota reforçou que “apesar de ter uma licitação em andamento neste sentido, a administração optou por adiantar essa substituição com o material que tinha em estoque”, com mais de 45 mil pontos já substituídos. A promessa é de que, com o final da licitação, o restante do parque luminotécnico de Goiânia seja modernizado até o final de 2024.

SSP-GO

Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) informou que "monitora e acompanha todos os índices citados no Anuário" e enfatizou que "há planejamento estratégico para todas as ações que garantiram as reduções de índices, principalmente, dos crimes violentos tanto letais intencionais, quanto contra o patrimônio."

Sobre a capital, a pasta comunicou que as ações tomadas foram de redução da criminalidade e apresentou números referentes a um comparativo entre o primeiro semestre de 2023 e mesmo período de 2024, recorte que registra queda de 3% na quantidade de homicídios dolosos e 50% no número de latrocínios. A secretaria ainda destacou que  "não houve nenhum roubo de carga em 2024 e também permanece zerado o roubo a instituição financeira em Goiânia."
 

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