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Goiás registra mais de 300 denúncias de stalking por mês

Wildes Barbosa
Ynaê procurou a polícia após homem que a persegue ir em seu escritório

Há alguns meses a vereadora de Pirenópolis, Ynaê Siqueira Curado (União Brasil), 24 anos, percebeu que alguém estranho à sua rotina tentava insistentemente se aproximar. Inicialmente, ela não levou muito a sério as constantes mensagens pela internet até ser surpreendida com a presença física do homem em seu escritório quando ela estava desacompanhada. Este foi o gatilho para que a vereadora procurasse a polícia para denunciar uma situação de stalking. O caso dela não é incomum em Goiás e os números têm crescido, com mais de 300 registros por mês.

Ynaê, que está em seu primeiro mandato, denunciou na última semana à Delegacia da Polícia Civil de Pirenópolis o homem que a persegue. Nesta segunda-feira (18), diante da continuidade de tentativas de aproximação, ela pediu medidas protetivas. “Ele está obcecado e é muito persuasivo. O último contato dele foi no sábado (16) e ele comentou coisas que postei em 2011”, disse a vereadora. O alerta acendeu na semana passada quando o homem, num momento de distração de Ynaê, entrou abruptamente no escritório de advocacia dela. “Eu estava sozinha, e acho que ele só não fez nada porque achou que eu era menor”.

Durante 30 minutos, o homem, que se diz morador de Ceres, município do Vale do São Patrício a cerca de 100 km de Pirenópolis, conversou com Ynaê sobre temas diversos, “sem um padrão de coerência”, conforme a vereadora. Ele comentou que Ynaê tinha entregue a hóstia a ele durante a missa, falou da poluição do Rio das Almas que atravessa Pirenópolis, e também sobre a cobrança de ICMS. “Eu mantive a calma e conversei com ele, mas tive muito medo. Agora, após fazer a denúncia na polícia, estou mais tranquila porque o delegado me informou que ele está focado em mim e não oferece ameaça a ninguém que me cerca.”

Há três anos à frente da Delegacia da Polícia Civil de Pirenópolis, Tibério Martins Cardoso já tem informações de que L.O.A, o homem que tem atormentado a vida da vereadora, tem passagens anteriores pela polícia na cidade onde mora. “Ele entrou numa loja dizendo que era fiscal do trabalho e exigiu documentos da vendedora. Em outro caso invadiu uma biblioteca. A polícia é chamada, mas ele é liberado porque tem problemas mentais”, detalha. Em Pirenópolis, segundo o delegado, o homem foi procurado incansavelmente após entrar no escritório de Ynaê. “Ele desapareceu da pousada onde estava hospedado. E lá houve muitas reclamações contra ele.”

O delegado Tibério Martins Cardoso falou com um familiar de L.O.A. em Ceres e foi informado de que acreditava que ele tinha viajado para Goiânia. “Estou aguardando a definição do pedido de medida protetiva, porque se ele tentar se aproximar novamente da vereadora, vamos prendê-lo.” Para o delegado, embora o perseguidor tenha um comportamento estranho que indica ser portador de problemas mentais, ele entende o que está se passando. “Ele ligou para o dono da pousada reclamando de a polícia estar atrás dele.”

Evolução

Dados fornecidos pelo Observatório de Segurança Pública, da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO), revelam que os casos de perseguição têm crescido no estado (leia nesta página). Para o delegado Tibério Martins Cardoso, o que pode ter ocorrido é que a partir da entrada em vigor da Lei 14.132, em 31 de março de 2021, que ficou conhecida por Lei do Stalking, termo em inglês que significa perseguição, muitas situações que envolvem casais em fim de relacionamento, passaram a ser tipificados desta forma. “Perseguições por parte de desconhecidos não são muito comuns. Desde que estou em Pirenópolis, este é o segundo caso que investigo.”

A titular da Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher (Deaem), Ana Elisa Gomes Martins, concorda. “Me arrisco a dizer que não houve aumento, mas agora essa passou a ser uma conduta prevista em lei, está no Código Penal. Eu fiquei na Deam entre 2012 e 2019 e naquela época o crime não existia e eu recebia muitas mulheres reclamando de perseguição. Era apenas uma contravenção. Voltei no início deste ano e agora podemos tipificar o crime. Quase 100% dos casos envolvem ex-relacionamentos. De um indivíduo que não aceita o fim.” A delegada lembra que as ocorrências em que desconhecidos protagonizam a perseguição, principalmente com ofensas sexuais, também são uma realidade.

Lei de 2021 criminalizou a perseguição 

Sancionada em 31 de março de 2021, a Lei nº 14.132 alterou o Código Penal e incluiu o artigo 147-A que transformou o ato de perseguir uma pessoa em crime. Antes disso, a perseguição era apenas uma contravenção penal de “perturbação da tranquilidade alheia”, punida com prisão de 15 dias a dois meses e multa. Com a criminalização, se praticar uma obsessiva caçada, o indivíduo pode pegar de seis meses a dois anos de cadeia e pagar multa, que pode ser acrescida em 50% em caso de agravantes: se a vítima for criança, adolescente ou idoso; se o crime for cometido por dois ou mais indivíduos; e se tiver uso de armas.

Stalker é um termo em inglês usado desde os anos 1980 para descrever uma pessoa que persegue. Naquela época, era direcionado a casos de acossamento a celebridades. Como em várias outras situações, a cultura brasileira adotou o termo. Quando a perseguição ocorre no mundo virtual, a prática é denominada de cyberstalking. 

Casos de prisão e medidas cautelares 

Em maio de 2021, quando a Lei do Stalking estava recém-sancionada, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Aparecida de Goiânia, com apoio da Delegacia de Polícia (DP) de Piracanjuba prendeu um homem que vinha sendo investigado em cinco inquéritos policiais em desfavor da mesma vítima, sua ex-namorada. Por não aceitar o fim do relacionamento, o autor passou a perseguir a mulher, restringindo sua locomoção, enviar mensagens, ligar de forma insistente e chegou a criar um perfil falso nas redes sociais somente para ofender a ex-companheira. As investigações revelaram que o homem já tinha perseguido outras seis ex-namoradas. 

Em maio de 2022, o 23º Distrito Policial de Goiânia passou a investigar um homem de 56 anos que estava perseguindo um delegado da Polícia Civil de Goiânia. Foram obtidas provas de que o indivíduo, que tinha trabalhado como comissionado na mesma delegacia da vítima, passou a invadir sua privacidade, realizar filmagens e a perturbá-lo nos locais que frequentava. Pelas redes sociais, houve ameaças, calúnias, difamações e injúrias em desfavor do delegado. Após pleito formulado pela PC foram expedidas medidas cautelares contra o ex-comissionado, como a proibição de contato pessoal ou virtual com o delegado e obrigatoriedade de retirada das publicações ofensivas, impedimento de novas postagens nas redes sociais. O inquérito foi remetido para o Judiciário em julho do ano passado.

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