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Goiás teve 16 municípios sem registros de crimes violentos em 2020

Diomício Gomes
A 90 quilômetros de Goiânia, Santa Rosa, tem ruas tranquilas e moradores relatam não saber de crimes, mesmo os contra o patrimônio. Relatos são de calmaria tanto dia quanto noite
Diomício Gomes
Em Santa Rosa, o professor Eberson de Sousa diz se sentir um privilegiado

Todos os dias a vendedora Maida Lima, de 26 anos, acorda e vai para o sacolão onde trabalha limpando, organizando e vendendo os alimentos, em Santa Rosa de Goiás, a cerca de 90 quilômetros de distância de Goiânia.

Apreocupação se o portão de casa foi trancado ou se esqueceu alguma porta aberta e a casa com objetos de alto valor não fazem parte da rotina dela. “Eu não tenho medo de ser roubada aqui não. Todo mundo conhece todo mundo”, diz. 

A tranquilidade vivenciada por Maida faz parte da realidade dos outros moradores de Santa Rosa de Goiás e mais 15 municípios goianos que não registraram nenhum crime violento em 2020, de acordo com dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO).

Para montar a lista, foram considerados como crimes violentos pela SSP-GO homicídio doloso, homicídio tentado, latrocínio consumado e roubo consumado.

“Aqui o ritmo é mais pacato mesmo. Todo mundo se conhece”, conta Tainara Santana, de 20 anos, que mora em Santa Rosa. Não foram raras as oportunidades em que a reportagem entrou em estabelecimentos comerciais vazios na cidade.

Quando questionados, a explicação dos donos era a seguinte: tiveram de ir em casa rapidamente. O medo de serem roubados não passou pela cabeça de nenhum deles. “Aqui a gente nunca tem medo nem na hora de abrir, nem na hora de ir embora. É muito tranquilo”, revela Piedade Rodrigues Lemes de Santana, de 68 anos, a proprietária de uma farmácia no centro de Santa Rosa de Goiás.

Piedade, que trabalha no local ao lado de outras duas mulheres, afirma que a cidade sempre foi assim. “Antigamente era mais tranquilo ainda. Hoje, de vez em quando, aparece um ou outro fugitivo do presídio de Itaberaí. Mas é sempre gente de fora, nunca daqui”, conta. 

Dia a dia 

Em Heitoraí, o cenário é o mesmo de Santa Rosa de Goiás: uma cidade calma, com muitas pessoas sentadas na porta de casa ou na praça central da cidade. “Esses dias fechei meu pit dog e quando passei na porta da casa do meu vizinho a moto dele estava estacionada na porta com a chave na ignição. Ele tinha esquecido”, revela o comerciante Diego Cesar, de 27 anos.

O comerciante João Gonçalo Monteiro, de 49 anos, afirma que a cidade do interior já foi mais perigosa. “De uns três anos para cá, desde que fizeram umas mudanças no policiamento daqui melhorou muito. Antigamente tinha muito roubo em quintais e também de veículos. Não era nada grave, mas acontecia”, relata.

Escolha
A tranquilidade e segurança de Santa Rosa de Goiás fizeram o professor e diretor de Cultura e Lazer, Eberson de Sousa, de 35 anos, voltar a morar na cidade. “Dei aula por um tempo em Inhumas, mas quis voltar. Amo minha cidade. Não troco por nada esta liberdade que temos. Aqui todo mundo é amigo e se ajuda. Me sinto privilegiado”, conta. 

O frentista, José Alvarenga, de 40 anos, que mora em Heitoraí, conta que sempre se assusta quando viaja até cidades maiores. “Esses dias fui até Anápolis para conhecer e meu primo disse: ‘Fica esperto. Aqui não dá para você deixar carro destrancado não’. Eu prefiro morar aqui. Não precisamos passar por essas coisas”, comenta.

O entregador Zenobio Moreira de Matos, de 37 anos, que já morou em Goiânia por algum tempo, mas está em Heitoraí há mais de 10 anos, diz que não tem vontade de morar em um município maior. “Aqui eu tenho qualidade de vida. Posso criar minhas três filhas em paz e com segurança, sem preocupação. Foi onde escolhi viver e não me arrependo”, finaliza. 

 

Cenário típico de interior

A tranquilidade nas 16 cidades goianas que não tiveram crimes violentos em 2020 é típica de cidades pequenas. A opinião é de especialistas em segurança. Todas as cidades que compõem a lista têm menos de 5 mil habitantes, de acordo com a população estimada do Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE), e não possuem uma grande circulação de dinheiro. 

“Em municípios muito pequenos, esses crimes violentos são raros”, diz Dalva de Souza, socióloga e membro do Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência (Necrivi). Segundo a pesquisadora, é comum que a violência seja maior em regiões que concentram a maior parte da população. No caso de Goiás, isso ocorre em Goiânia, região metropolitana e Entorno do Distrito Federal. 

Por isso, municípios pequenos do interior tendem a registrar menos casos de crimes violentos. “Utilizando como fonte a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-GO), de 2008 a 2012, Água Limpa tem zero homicídios desde 2008; Amorinópolis, não teve nenhum de 2008 até 2011 e um em 2012, e Cachoeira de Goiás um em 2009 e zero nos outros”, aponta o especialista.

Em 2019, de acordo com a SSP-GO, foram 10 cidades, todas com menos de 5 mil habitantes, sem registro de crime violento: Água Limpa, Amaralina, Bonópolis, Diorama, Lagoa Santa, Ouvidor, Perolância, Santo Antônio de Goiás, São João da Paraúna e Sítio D’Abadia.

Dinheiro
Entretanto, a pesquisadora aponta que, de uma maneira geral, as pesquisas sobre homicídios como, por exemplo, o Mapa da Violência, têm registrado um espalhamento dos crimes violentos, que eram antes característicos das grandes cidades, para as cidades pequenas.

A professora diz que a violência acompanha a riqueza, que migra para as cidades do interior, especialmente com o desenvolvimento do agronegócio. Essa riqueza acaba atraindo atividades criminosas. “Ela atrai o tráfico, os roubos e outros crimes que se praticam com violência”, pontua. 

Dalva esclarece que essas 16 cidades tiveram nos últimos anos uma taxa geométrica negativa de crescimento da população e são desprovidas de elementos que impulsionam o desenvolvimento.

Dados
Os dados que levaram à lista da SSP-GO também precisam ser visto com um olhar crítico. É o que afirma o professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG Diego Mendes. Ele esclarece que as categorias usadas para definir os crimes violentos são jurídicas. “Não existe regulamentação de como a violência deve ser registrada e estimada. Por isso, existe uma dificuldade nessa área”, afirma.
 
Também é necessário, de acordo com ele, saber se mortes decorrentes de feminicídios e confrontos policiais estão incluídas nas estatísticas. “É possível que, com esses registros, os números cresçam”, explica. De acordo com a SSP-GO, o feminicídio está incluído na lista organizada pela pasta. O especialista relata ainda que existem, em determinados territórios, mortes que ocorrem e não são registradas pelas autoridades.

Além disso, Mendes diz que mortes violentas ocorridas nessas cidades podem estar sendo computadas em outros municípios. “Podem ter ocorrido na fronteira de duas cidades ou então as pessoas podem ter sido levadas para um hospital maior, em uma cidade maior, e procurado a polícia por lá mesmo”, esclarece. O especialista explica que todas essas variáveis têm que ser levadas em conta. “É preciso fazer uma análise cautelosa dos dados de cada município para se ter certezas”, destaca.


“Não tem polícia todos os dias”

Moradores de Santa Rosa de Goiás e Heitoraí, municípios que estão entre os 16 que não registraram crimes violentos em 2020, disseram à reportagem que as cidades não têm presença da Polícia Militar todos os dias. 

Em Heitoraí, as reclamações foram maiores. Entretanto, nenhum dos entrevistados disse que se sente inseguro. “Eles (os policiais) vêm de vez em quando, mas na minha opinião é sempre bom ter. Faz falta”, diz o produtor rural Vagmar Moraes Bueno, de 58 anos.

A socióloga Dalva de Souza explica que a presença reduzida da polícia não é necessariamente ruim.

“Sabemos que nas grandes cidades do Estado a polícia exerce um papel positivo de coibir os crimes, mas também um papel negativo de agir com extrema violência. A presença da polícia é necessária onde há índices altos de criminalidade e quando há sentimento de insegurança na população.”

Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) disse que os 246 municípios goianos contam com o policiamento ostensivo e preventivo, acesso aos telefones de emergência (190 e 197) e de viaturas da PM responsável pelo policiamento de área, além da delegacia virtual para registro de alguns tipos de crimes.

A pasta ressaltou que as ações de segurança traçadas pelo governo estadual em cidades como as que não registraram crimes violentos no último ano “estão conseguindo devolver a segurança ao cidadão de bem.”

Diomício Gomes
Rápido e barato: trabalhadores de uma fábrica de Heitoraí, na Rua Jorge Gama, deixam as bicicletas na calçada, sem correntes ou cadeado
Diomício Gomes
Município de Heitoraí
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