A Diretoria-Geral de Polícia Penal (DGPP) vai adquirir 2 mil novas tornozeleiras eletrônicas para se adequar à Lei nº 14.843, conhecida como Lei das Saidinhas. A legislação, sancionada pelo presidente Lula (PT) no início deste mês, passou a permitir que o equipamento seja usado em pessoas que cumprem pena no regime aberto e liberdade condicional.
A nova lei prevê a necessidade do exame criminológico para progressão de regime. Goiás irá contratar 75 novos profissionais de saúde para atuar na área. Especialistas destacam que medidas são onerosas e podem prejudicar a ressocialização e a progressão de regime.
Em Goiás, de acordo com dados de dezembro de 2023, há 1,6 mil pessoas no regime aberto. Antes da mudança legislativa, o juiz podia definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica para pessoas cumprindo o regime semiaberto, saída temporária e prisão domiciliar.
A DGPP não detalhou quando o processo de compra das novas tornozeleiras será feita, mas afirmou que haverá um aditivo de contrato com a empresa que fornece os equipamentos utilizados em Goiás atualmente.
Em novembro de 2023, o jornal mostrou que a DGPP iria contratar o serviço de mais 2 mil tornozeleiras eletrônicas para serem utilizadas no estado. Na ocasião, Goiás já contava com 8 mil tornozeleiras, sendo que 98% estavam em uso, principalmente por pessoas do regime semiaberto (leia mais abaixo).
De acordo com a diretoria-geral, a aquisição dessas 2 mil unidades está “em fase final de liberação de empenhos, em virtude das janelas fiscais do estado, para finalização da aditivação.” Atualmente, conforme a DGPP, cerca de 90% das tornozeleiras disponíveis estão em uso.
O número de equipamentos no estado cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Em 2018, Goiás tinha contrato para 4 mil tornozeleiras. Cinco anos depois, o número dobrou. O negócio é firmado com a empresa Spacecom, que presta serviço para o Governo de Goiás desde 2014.
O custo total do contrato atual, que não inclui as 2 mil unidades anunciadas em novembro de 2023, é de R$ 69,9 milhões para a prestação do serviço durante 30 meses, de fevereiro de 2023 a agosto de 2025. Cada aparelho tem o custo mensal de R$ 274,50. De acordo com a diretoria-geral, o custo dos equipamentos que serão adquiridos depois da Lei das Saidinhas terá apenas a variação de reajuste da inflação.
O assessor de advocacy da Rede Justiça Criminal (RJC), Leonardo Santana, aponta que existe um estigma em relação ao uso da tornozeleira. “Já temos muita dificuldade na inserção social da pessoa presa. Os programas de ressocialização inexistem na maior parte do país. Pessoas marcadas com o uso da tornozeleira teriam cada vez mais dificuldade de serem ressocializadas”, frisa. Nesse sentido, o coordenador de advocacy do Justa, organização que atua no campo da economia da justiça, Felippe Angel, destaca que também é necessário considerar a individualização da pena.
Exame criminológico
Outro ponto da nova legislação é a necessidade do exame criminológico para a progressão de regime. Até então, ele não era obrigatório, mas poderia ser exigido pelo juiz em decisão fundamentada. A nova lei determina que o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, tendo ainda que apresentar “fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime.”
No mês passado, o governo estadual publicou um processo seletivo simplificado que visa selecionar 75 profissionais para vagas temporárias nos cargos de psiquiatra (24 vagas), psicólogo (12 vagas), assistente social (11 vagas) e terapeuta ocupacional (2 vagas) para atendimento na DGPP. De acordo com a diretoria-geral, eles irão atender servidores e custodiados. Atualmente a diretoria-geral conta com um quadro de 55 profissionais, totalizando 23 equipes integradas por psicólogos e assistentes sociais. Com o novo processo seletivo, as equipes também serão compostas por psiquiatras.
Uma nota técnica assinada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em conjunto com diversas outras instituições, discorre sobre o fato dos exames criminológicos não possuírem base científica e afirma que a exigência do exame “significa retirar a importância do comportamento carcerário na execução, na medida em que, ainda que ostente boa conduta carcerária, o/a sentenciado/a poderá ser retido/a em regime mais gravoso, por tempo indeterminado, com base em supostos ‘traços de personalidade’ que forem mencionados no laudo.”
Os especialistas consultados pelo POPULAR consideram que o exame criminológico vai causar um atraso na progressão de regime das pessoas que estão no sistema penitenciário. “Justamente em uma linha de diminuir, ou criar empecilhos para que a progressão aconteça”, diz Santana. De acordo com ele, em alguns casos essa progressão vai ficar inviabilizada. “Não existem profissionais, psicólogos, médicos e assistentes sociais, dentro das unidades para fazer essa avaliação.”
Angel reforça que o exame era previsto na legislação brasileira até 2003. “Foi retirado da Lei de Execução Penal (LEP) por não ter nenhuma serventia”, avalia. Os especialistas também chamam atenção para o fato de que não existiu uma análise do impacto financeiro que a adoção desse exame e das tornozeleiras vai gerar nos estados brasileiros. “Deixou a desejar do ponto de vista de avaliação de impacto econômico”, diz Santana.
Lei
Ao sancionar a Lei das Saidinhas, o presidente vetou o trecho que impedia o preso do regime semiaberto de visitar a família. Ao mesmo tempo, a nova legislação revogou a parte que concedia o direito a cinco saídas temporárias anuais aos presos que tinham este direito. A nova lei também impede que os condenados que cumprem pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa deixem a prisão temporariamente. Nesses casos, enquadram-se crimes como estupro, homicídio, latrocínio e tráfico de drogas. Até então, eram impedidos apenas os condenados que cumprem pena por praticar crime hediondo com resultado morte.
Saidinha é benefício do semiaberto
A saída temporária, conhecida como saidinha, é um benefício concedido aos apenados no regime semiaberto. Entretanto, em Goiás, uma parte deles já está fora de unidades prisionais por conta do uso de tornozeleiras eletrônicas. Para se ter ideia, em novembro do ano passado, dos 2,9 mil monitoramentos por tornozeleira eletrônica na região metropolitana de Goiânia, 1,7 mil eram apenados no regime semiaberto. A proporção se explica pelo fato de que o uso das tornozeleiras eletrônicas é a única forma que o regime semiaberto funciona na capital e na região metropolitana. Em dezembro de 2023, eram 3,3 mil pessoas no regime semiaberto em todo o estado.
O Ministério Público de Goiás (MP-GO) já reforçou diversas vezes a importância da colônia, agrícola ou industrial, para o cumprimento da pena em regime semiaberto, o que é garantido pela Lei de Execução Penal (LEP). Nesses locais, o condenado pode trabalhar e ser alojado em compartimento coletivo.
O prédio que abrigava a Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto de Aparecida de Goiânia foi desativado. A área ficou disponível para a construção do Distrito Agroindustrial Norberto Teixeira (Dianot). Em contrapartida, será construída uma nova unidade prisional ao lado do Complexo Prisional da cidade.
De acordo com a DGPP, a construção segue em processo de elaboração das peças técnicas da licitação, sendo que a DGPP planeja cumprir o pactuado dentro do prazo estipulado. Em novembro de 2023, a previsão era de que a licitação ocorresse ainda no primeiro semestre deste ano.
O projeto é para criação de 500 vagas para atender a capital e Aparecida de Goiânia, em paralelo ao uso da tornozeleira eletrônica. Pela proposta, quatro módulos serão integrados com galpões de trabalho independentes por ala, ou seja, dois por módulo. Além disso, a estrutura contará com pátio de sol com banheiros, espaço educacional com salas de aula e espaço de vivência coletiva, além de setores técnicos, como área administrativa e área para descanso dos policiais.