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Goiânia castiga pedestre com poucas faixas e calçadas ruins

Wildes Barbosa/O Popular
Calçada da Avenida 90, em Goiânia

Em Goiânia, há apenas 0,7 faixa de pedestres a cada quilômetro de ruas e ainda somente 0,06% das calçadas são consideradas ideais, de acordo com o Relatório Final do Estudo Mobilize 2022 - Mobilidade Urbana em dados e nas ruas do Brasil. A situação identifica a dificuldade para 26% da população que se locomove caminhando pela cidade, também de acordo com a pesquisa. Por outro lado, os carros e as motocicletas possuem toda uma estrutura de 5,2 mi quilômetros (km) espalhados pelos 421,5 km² de área urbana, ambos números acima da média das capitais do Brasil, mesmo para uma população abaixo da média.

O levantamento mostra uma cidade espraiada e com vias destinadas à locomoção por veículos motorizados, como as pontes e viadutos, que dificultam a mobilidade dos pedestres. Coordenadora da pesquisa em Goiânia, a arquiteta e urbanista Flávia Cirqueira lembra que todos são pedestres em algum momento. “Essa reflexão é importante para que possamos compreender que todos precisamos nos atentar para a qualidade do espaço urbano destinado ao pedestre, ou seja, a todos nós.”

A arquiteta e urbanista explica que a “qualidade das calçadas é imprescindível para que o deslocamento do pedestre ocorra, não existe outra opção que favoreça o pedestre a não ser qualificar o seu espaço na via”. Além disso, ela explica que a ausência de faixas de pedestres na cidade indica um problema grave de continuidade. Segundo Flávia, nesse caso, “o fluxo é interrompido por não ser possível atravessar a via do automóvel de forma segura e o percurso torna-se maior, o que demonstra que o modo a pé não é priorizado em relação ao automóvel”.

Os dados da pesquisa apontam que os veículos individuais motorizados são os modos priorizados no sistema de mobilidade urbana goianiense, “sendo ainda necessária uma mudança de postura da gestão pública e da comunidade como um todo”, de acordo com Flávia. O estudo informa que 36% das pessoas utilizam o veículo individual. Geógrafo e perito criminal especializado em eventos de trânsito, Antenor Pinheiro avalia que a pesquisa confirma que os investimentos para a infraestrutura viária da cidade “destinam-se à minoria da população que faz os seus deslocamentos diários por meio de carros e motocicletas”.

Na prática, a priorização dos meios de transporte individuais motorizados tem resultado na redução dos espaços mais calmos para os pedestres, que possibilitaria caminhadas e travessias seguras pela cidade. Há casos como as construções dos complexos viários, como da Avenida Jamel Cecílio, o que dificultou a travessia dos pedestres na via, e na Avenida 85 com a T-63. Outro exemplo é a construção, ainda em andamento, do corredor do BRT Norte-Sul, que provocou a redução das calçadas ao longo da Rua 90 para que fossem mantidas duas faixas para carros e motos. Há ainda problemas com a ocupação indevida de calçadas, com obstáculos, materiais e até mesmo com mesas e cadeiras.

“A maioria das pessoas (64%) que utilizam ônibus, bicicletas ou se deslocam a pé não conta com a mesma atenção. Ou seja, os que se utilizam de transportes ativos e coletivos continuam a não merecer a atenção do poder público, contrariando assim a Lei Federal da Mobilidade Urbana”, diz Pinheiro, que é membro da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Ele considera ainda que os dados apontam que as calçadas da cidade não são consideradas espaços de mobilidade públicos. “Isso corrobora para uma cidade cada vez mais brutalizada. A legislação prevê que as calçadas são vias públicas, mas não são assim consideradas.”

O engenheiro de Trânsito e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG) Marcos Rothen ressalta ainda que a inadequação das calçadas gera muitos acidentes. “A existência de uma calçada adequada é também um fator importante para a saúde das pessoas. Em Goiânia é visível que as condições para se andar a pé são inadequadas e inseguras”, diz. Ele afirma ainda que em suas aulas conversa com os alunos sobre as condições das vias para pedestres e os relatos apontam problemas até mesmo nas áreas mais urbanizadas, inclusive no Parque Vaca Brava, do Setor Bueno. “A falta de condições para caminhar leva as pessoas a utilizarem os veículos motores, e como há deficiência do transporte coletivo, acabam usando carros e motos”, explica o especialista.

Viagem a pé dura 35 minutos

O Estudo Mobilize 2022 indica que o tempo médio de viagem a pé em Goiânia é de 35 minutos. Levando em consideração a velocidade média de uma pessoa adulta, em torno de 5 quilômetros por hora, é possível estimar que o pedestre, na capital, se locomove entre 2,5 e 3 quilômetros. “Em relação ao modo ativo, a oferta de infraestrutura é relevante, mas não exclusiva, pois os destinos devem ser próximos, alinhando-se à outras políticas setoriais e de desenvolvimento urbano, entrando na questão macro do planejamento urbano e da gestão integrada”, afirma a urbanista Flávia Cirqueira, sobre a necessidade de organização da cidade para que os pedestres tenham para onde ir nas proximidades.

O professor do Instituto Federal de Goiás (IFG) Marcos Rothen ressalta que Goiânia tem longas distâncias para quem anda a pé. “Mesmo nas áreas mais centrais existem grandes espaços vazios, o que aumenta as distâncias.”

Infraestrutura determina escolha final do usuário

De acordo com o Relatório Final do Estudo Mobilize 2022 - Mobilidade Urbana em dados e nas ruas do Brasil, em Goiânia, 36% dos deslocamentos são feitos por transporte individual motorizado (carro e moto), sendo o modo mais utilizado. Em seguida está o transporte público coletivo, com 30% e o transporte a pé (26%), enquanto que a bicicleta é utilizada em 6% das viagens e os demais 2% se referem a outros modos. A coordenadora da pesquisa em Goiânia, Flávia Cirqueira, explica que a oferta de infraestrutura para o modal é extremamente relevante na escolha final do usuário.

“No entanto, devemos lembrar que a escolha do modo de deslocamento está, também, relacionada com a distância. De forma que destinos de percursos realizados a pé ou de bicicleta são, obviamente, mais perto, próximos, enquanto destinos mais distantes cabem ao modo motorizado”, diz. Desta forma, ela entende que a infraestrutura para realizar o deslocamento se torna um elemento no planejamento da mobilidade urbana, “visto que a estrutura espacial e o uso do solo são extremamente importantes para motivar os deslocamentos ativos por meio da proximidade”.

Para melhorar a distribuição modal, o ideal, para Flávia, é a priorização do transporte coletivo. “O carro já é dominante, e o investimento em infraestrutura para ele configura-se como um reforço, uma retroalimentação, tornando mais distante a possibilidade do TPC competir com o carro.”

SMM inclui ciclovias nos projetos

O secretário da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), Horácio Mello, embora afirme não ter conhecimento sobre a metodologia do Estudo Mobilize 2022, concorda com a conclusão de que a infraestrutura de Goiânia dá prioridade aos carros em detrimento à mobilidade ativa (pedestres e ciclistas). No entanto, ele ressalta que a melhor distribuição dos modais se dará em um processo que, segundo Mello, já está iniciado. “Estamos ampliando e muito a malha cicloviária da cidade, reformando as que já existem, e temos o projeto de triplicar a quantidade de ciclovias e ciclofaixas”, explica.

Como exemplo, Mello cita as duas principais intervenções feitas na cidade pela atual gestão do prefeito Rogério Cruz (Republicanos) no trânsito da capital. No Setor Jardim América, na região Sul, foram criados dois corredores nas ruas C-148 e C-149 que funcionam como binário (cada uma em uma sentido). “Foi a primeira grande intervenção. Criamos uma ciclofaixa em toda a C-148, tirando estacionamento dos carros. Assim como estamos fazendo na Rua 44”, conta sobre a área na região Central da cidade que abriga o Arranjo Produtivo Local (APL) da Moda e é sede da Feira Hippie.

Nas últimas semanas, está em andamento a reformulação da Rua 44 e da Avenida Contorno, ambos se tornando binários, cada uma com sentido oposto. Na Rua 44, uma faixa do transporte individual motorizado foi substituída por uma ciclovia. No futuro, o trecho fará parte de uma via ciclável que ligará a Avenida Universitária ao Câmpus da Universidade Federal de Goiás (UFG), na região Norte. “Toda intervenção nossa temos tido a implantação das ciclovias”, diz Mello. Válido ressaltar que o Complexo Viário da Jamel Cecílio, o viaduto Lauro Belchior e aqueles da Leste-Oeste estão sendo finalizados pela atual gestão, mas foram projetados na administração anterior.

O Estudo Mobilize 2022 aponta que Goiânia possui 88,64 quilômetros (km) de vias cicláveis, um total que está abaixo da média encontrada nas capitais brasileiras, que é de 166,11 km. Além disso, outro problema para quem escolheu a bicicleta como meio de transporte na cidade é a localização das ciclovias, já que a pesquisa aponta que apenas 6,6% das pessoas estão próximas à infraestrutura cicloviária. Mello afirma que o compromisso da atual gestão é triplicar a quantidade de ciclovias e ciclovias, pistas que são segregadas das vias dos veículos automotores. “Eu acho as ciclorrotas (vias compartilhadas) frágeis, não dá segurança, por isso apostamos nas ciclovias e nas ciclofaixas”, diz.

Coordenadora do Estudo Mobilize 2022 em Goiânia, a arquiteta e urbanista Flávia Cirqueira entende que, “primeiramente, a estrutura cicloviária deve ser pensada como modo de deslocamento efetivo, não apenas com caráter de lazer ativo”. Desse modo, a especialista acredita que a infraestrutura deve ser pensada como uma rede de vias conectando a cidade com rotas alternativas e mais curtas que a do automóvel. Para elas, as vias atuais são isoladas.

“Sobre estas vias nos corredores e avenidas pode-se pensar que existem elementos que desestimulam o ciclista, tais como, poluição sonora e do ar, falta de sombreamento, segurança viária, entre outros. Portanto a oferta de ciclovia em si não garante maior número de deslocamentos por este modo, é preciso pensar sistemicamente quais elementos influenciam e o favorecem”, aponta Flávia. O perito em trânsito Antenor Pinheiro ressalta que as vias cicláveis deveriam ser planejadas com a ideia de conectar as populações periféricas aos corredores de transporte coletivo por meio de estações ou pontos de conexão. 

Outro ponto, ressaltado pelo professor da Instituto Federal de Goiás (IFG) Marcos Rothen, é que para as bicicletas o importante é que o trânsito seja civilizado. “Mesmo nas cidades que tenham um bom sistema cicloviário o ciclista vai precisar, em diversos momentos, compartilhar o espaço da via com os carros. As ciclovias em Goiânia não levaram em consideração onde as pessoas iriam utilizá-las. Recentemente acompanhei o uso da ciclovia da T-63. São poucos usuários e mesmo assim há conflito com os carros e pedestres.”

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