Goiânia tem, proporcionalmente, seis vezes mais médicos que o interior de Goiás. Enquanto aqui há 6,78 médicos por mil habitantes, os demais municípios têm apenas 1,1 profissional para cada mil habitantes. A realidade faz com que 62,9% dos médicos estejam na capital, onde residem pouco mais de 20% da população estadual.
Do total de 16.782 médicos em Goiás, 10.553 estão em Goiânia. O interior soma 6.229. Os dados são da plataforma Demografia Médica no Brasil 2023, lançada nesta semana.
A disparidade na distribuição faz com que os moradores de municípios menores tenham o acesso à saúde dificultado. Os trabalhadores, por outro lado, atribuem a situação às condições desfavoráveis de estrutura para trabalho e de renda.
O principal ponto é realmente a má distribuição. Goiás tem ao todo 16.782 médicos. O número total faz com que o estado tenha 2,32 médicos por mil habitantes, a décima unidade da federação neste quesito. O Brasil tem média de 2,64 médicos por mil habitantes.
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), Fernando Pacéli Neves de Siqueira atribui a alta concentração dos profissionais na capital às condições estruturais de trabalho e de remuneração piores no interior, na comparação com a capital.
“Os contratos que existem hoje dos médicos com o governo, seja municipal ou estadual, são, em sua maioria de pessoa jurídica (PJ), são precários, sem direito a férias, 13º e todos os benefícios que a carteira assinada traz. O médico busca, de alguma forma, ficar em um lugar melhor”, explica o presidente.
Pacéli pontua que as condições de trabalho oferecidas na maioria dos municípios do interior não são atrativas para os médicos. “É toda uma questão estrutural, desde alvenaria à falta de recursos muito simples como ultrassom ou cardiotocografia, um exame que a mulher precisa fazer no fim da gestação para ver a vitalidade fetal. Você não vai encontrar isto nas maternidades do interior”, pontua.
As finanças são uma barreira. Mas a presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado de Goiás (Cosems-GO), e ex secretária municipal de Saúde de Chapadão do Céu, Verônica Savatim, entende que mesmo oferecendo uma boa remuneração ao profissional, outras questões desestimulam a interiorização, como a ausência de possibilidade de segunda renda, por em algumas localidades não haver rede privada. “A distância de um grande centro onde haja uma escola de línguas, uma faculdade para ele continuar os estudos, local de lazer, shopping, emprego para o companheiro. Isto acaba desestimulando”, elenca.
A presidente do Cosems acredita que o fato de implantar estruturas regionais ajuda a reverter o cenário de concentração de médicos na capital. “De Chapadão do Céu para Goiânia são pelo menos seis horas de viagem. No interior, há ausência de outros profissionais de referência, como na pediatria, por exemplo. Ele pode precisar estabilizar um paciente, para isto são necessários equipamentos específicos e profissionais de referência para operá-los. Quando tem uma estrutura regional próxima, ele já se sente mais seguro”, explica.
Verônica acrescenta também que quando leva-se uma estrutura de média e alta complexidade para uma região, abre-se a possibilidade de o médico atuar no município menor e na unidade regional, ou seja, é a chance de segunda renda. Desta forma, acredita ela, diretamente e indiretamente o estado contribui com a fixação dos profissionais longe dos grandes centros.
Condições contratuais prejudicam interesse
A presidente do Sindicato dos Médicos no Estado de Goiás, (Simego), Franscine Leão, afirma que a questão remuneratória é um fator negativo e muito importante como contribuição para que os profissionais prefiram a capital. Ela pontua também que contratação como pessoa jurídica, algo comum, desestimula e ainda há atrasos na remuneração e até o não pagamento de salários é uma realidade. “No interior o ganho é menor. Como o profissional, em alguns casos tem uma demanda menor, há um entendimento do município que ele poderia ter um salário menor.”
A presidente diz ainda que os médicos que atuam no interior, não raro, se defrontam com situações em que são coagidos. “Às vezes há solicitações por parte de vereadores e do próprio prefeito para emissão de receitas e atestados”, exemplifica.
Franscine considera que por causa destes fatores recorrentes, as prefeituras têm, de maneira geral, menos credibilidade perante os médicos.
A falta de estrutura nos municípios é outro ponto citado por Franscine que afasta os médicos do interior de Goiás. A falta de um suporte para casos graves e equipamentos para exames incorporam esta lista.
Como muitas vezes os municípios do interior de Goiás são pequenos, são poucos profissionais de saúde, o que dificulta que eles possam se mobilizar em prol de melhores condições de trabalho e remuneração. “Logo o profissional é trocado.”
A rotatividade impacta diretamente na qualidade do serviço para o cidadão. “Neste mês a pessoa é atendida por um médico, no outro por outro e depois por um terceiro.”
A proximidade com os “bolsões” de saúde são uma questão que na visão da presidente do Simego ameniza as dificuldades nos municípios menores. Ela cita que estas localidades são, por exemplo, Catalão, Ceres, Santa Helena, Rio Verde e Itumbiara.
Regionalização
O governo estadual tem 5.980 médicos que estão sob a gestão dele. No entanto, apenas a minoria em exercício é concursada: 672. Uma quantidade importante dos médicos está em funções administrativas. São 134, ou seja, um em cada cinco dos servidores efetivos.
Superintendente de Atenção Integral à Saúde, da Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO), Paula dos Santos Pereira reconhece que também há a concentração por parte do estado, mas enfatiza que o maior volume está na atenção básica, de competência dos municípios. “No caso do estado, ele administra diretamente média e alta complexidade. Então, quando você trabalha com média e alta complexidade, você traz questões que são de grandes hospitais, e na capital nós temos os maiores, onde se encontra parte desses profissionais que são mais especializados”, explica.
Paula considera que o grande desafio para a saúde estadual é a descentralização. “Nós temos diferentes regiões com diferentes quantidades de profissionais, não só médicos. Dependendo da especialidade médica, é ainda mais complicado”.
A superintendente acrescenta que a regionalização da saúde é uma questão que “melhorou muito nos últimos anos”. Ela afirma que a implantação pela SES-GO de unidades regionais em Uruaçu, Formosa, Luziânia e São Luis de Montes Belos, por exemplo, caminha no rumo da necessidade estadual de contribuir para reduzir a concentração existente.
Média de idade dos profissionais de Goiás é inferior à nacional
A demografia em Goiás revela um profissional de média idade, com equilíbrio entre os sexos masculino e feminino e formado há menos tempo que a média nacional (veja quadro).
A pirâmide etária ilustra que entre os médicos mais jovens, as mulheres predominam. À medida que a idade avança, esta diferença se equilibra, na casa dos 35-39 anos. A partir daí, os homens predominam, chegando a ser 5,9 vezes mais numerosos que elas entre os com 70 anos ou mais de vida.
O presidente do Cremego, Fernando Pacéli Neves de Siqueira, atribui a maior proporção de mulheres entre os médicos mais jovens ao fato das conquistas delas ao longo das últimas décadas. “Em qualquer profissão, se você fizer um histórico, sempre houve mais acadêmicos do sexo masculino, mas com a força da mulher, ela vem mostrando seu potencial. Ela conseguiu suplantar tudo isto”, considera.
Sobre o fato de os profissionais de Goiás serem mais jovens, Pacéli considera que isto é porque surgiram muitas faculdades de Medicina nos últimos anos. Entre os cursos presenciais, esta formação é a quarta na rede federal, com 41,3 mil matrículas, conforme o Censo do Ensino Superior. Nas instituições privadas, esta graduação ocupa a quinta posição com 158 mil alunos.
A taxa de médicos por mil habitantes aumentou com mais profissionais. O indicador de Goiás que hoje é de 2,32 já foi de 1,65 em 2011. Àquela época, o estado era o nono neste quesito, posição praticamente estável hoje.
Mas não foi só o estado que aumentou esta razão. O País, por exemplo, passou de 1,95 para 2,64. O Brasil somava em 2011, 371,8 mil médicos para uma população estimada de 190,7 milhões.