BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai exigir dos empreendimentos considerados de alta complexidade, como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, uma ampla avaliação ambiental estratégica -e deve se comprometer com o estudo para que a Petrobras possa insistir no plano de perfuração.
Ao negar o pedido da Petrobras sobre a foz do Amazonas, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) afirmou que os planos de segurança apresentados pela empresa eram insuficientes para garantir a segurança do projeto e que não foi apresentada uma AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar).
"O governo tomou a decisão de que projetos de altíssimo impacto terão que ser vistos olhando ou para a bacia hidrográfica ou para a abrangência do empreendimento a partir da avaliação ambiental estratégica", afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em audiência no Congresso nesta quarta-feira (24).
A AAAS é, justamente, o tipo de avaliação ambiental estratégica usada para casos como este e pode demonstrar os possíveis impactos regionais amplos da atividade, não restritos apenas à área em questão -portanto, em toda a bacia da foz do Amazonas e não apenas no bloco 59, que seria perfurado.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o Ibama calculou que, segundo os estudos ambientais apresentados pela Petrobras, caso houvesse vazamento de óleo no mar, a equipe de socorro demoraria 43 horas para chegar ao local -enquanto o resíduo, apenas dez horas para atingir águas internacionais.
A negativa do instituto, porém, gerou embate entre áreas do governo e reclamações por parte de políticos do Amapá -estado onde fica a bacia de petróleo- e do setor energético.
A ideia agora, segundo integrantes do governo afirmaram à reportagem, é que seja realizada essa avaliação ambiental ampla para que se tenha clareza dos efeitos do projeto da Petrobras.
O Ministério de Minas e Energia pediu que a estatal insista no projeto de exploração na área. Técnicos do Ibama dizem que o novo estudo pode ser anexado à uma contestação do veto ou mesmo fundamentar novos pedidos de exploração ao órgão.
No entanto, segundo membros do governo, essa análise ambiental pode demorar meses ou até mais que dois anos. Portanto, não se espera uma solução rápida para o impasse que opõe os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Marina Silva (Meio Ambiente).
Nesta terça-feira (23), o ministro Rui Costa (Casa Civil) se reuniu com Silveira, Marina, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates.
Após o encontro, Marina defendeu a necessidade de uma avaliação ambiental.
"Como está previsto na portaria, que estabeleceu a avaliação ambiental estratégica, para novas áreas de exploração de petróleo ou para projetos de altíssima complexidade, deve ser feita a avaliação ambiental estratégica, como é a recomendação do Ibama, no relatório que deu, para todos os lotes que foram ali apresentados para a margem equatorial, exatamente como está previsto na lei", afirmou a ministra do Meio Ambiente.
A AAAS foi instituída em uma portaria interministerial de 2012 na qual era previsto que o estudo fosse apresentado para licenciamentos ambientais. A regra, porém, quase nunca foi seguida.
Ainda pela portaria, quem realiza este estudo é o Ministério de Minas e Energia em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente.
Na manhã desta quarta-feira (24), a Petrobras confirmou que vai insistir da exploração do local e prometeu novas medidas para proteção da fauna, mas reiterou, em nota, que a AAAS é responsabilidade dos ministérios, não dela.
"A companhia defende que atendeu além dos requisitos previstos na legislação de referência ao processo de licitação do bloco FZA-M-059 e que cumpriu todas as exigências técnicas demandadas pelo Ibama para o projeto", afirmou a empresa.
Marina ressaltou que, desde 2012, existe a exigência deste estudo. "Nas regiões em que já há um processo consolidado são procedimentos do passado", disse.
Segundo integrantes do governo, se tivesse sido aplicada anteriormente, a AAAS deveria ter sido apresentada para o licenciamento da usina de Belo Monte -estopim para a saída de Marina do governo Lula em 2008- ou o leilão de óleo e gás no Parque Nacional de Abrolhos.
Na semana passada, após o veto do Ibama, a Petrobras declarou que segue comprometida com o projeto da margem equatorial brasileira, "reconhecendo a importância de novas fronteiras para assegurar a segurança energética do país e os recursos necessários para a transição energética justa e sustentável".
No plano estratégico da empresa para o período de 2023 a 2027, estão previstos quase US$ 3 bilhões (cerca de R$ 17 bilhões) para a exploração da margem equatorial, onde ela já adquiriu outros blocos.
A ala ambiental do governo afirma que a decisão do Ibama foi técnica -feita por dez integrantes do órgão, de forma unânime.
Agostinho descartou nesta terça um acerto político para a questão da exploração de petróleo na foz do Amazonas, tema que vem dividindo o governo, colocando de um lado a ala ambiental e de outro a chamada ala desenvolvimentista e parlamentares da região Norte.
"Eu emito 3.000 licenças por ano, não tenho como ficar em cada licença chamando todas as partes, buscando uma composição, porque não cabe composição [política] em decisões que são técnicas. Muitas vezes a gente vai tomar decisões que vão agradar um grupo de pessoas, desagradar outro grupo de pessoas", afirmou o presidente do órgão.
O ministro da Casa Civil foi escalado para auxiliar Lula a mediar o debate.
Nesta segunda (22), o presidente não descartou a possibilidade de exploração na região.
"Se explorar esse petróleo tiver problema para a Amazônia, certamente não será explorado, mas eu acho difícil, porque é a 530 quilômetros de distância da Amazônia", afirmou Lula, no Japão, antes de embarcar de volta ao Brasil.