O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou a abertura de uma série de apurações preliminares para averiguar a conduta do presidente Jair Bolsonaro, de dois dos seus filhos, do ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, e do general Eduardo Pazuello, ex-titular da Saúde, além de outros nomes do alto escalão bolsonarista.
Integrantes da Procuradoria-Geral da República criticam o fato de as apurações não avançarem. E afirmam que a medida se tornou uma estratégia de Aras para dar uma resposta aos erros do governo federal sem, contudo, perder o controle nem dar visibilidade aos casos.
Entre os casos mais relevantes, o chefe do Executivo motivou ao menos 13 investigações dessa natureza --6 ainda estão em tramitação e 7 já foram arquivadas.
No caso do seu filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), outro com número significativo de situações analisadas, são ao todo seis, mas apenas uma ainda está aberta e as demais já foram encerradas.
Os motivos dessas apurações vão da ineficiência do Executivo no combate à pandemia da Covid-19 às ameaças à democracia. A defesa que o presidente faz do uso de hidroxicloroquina no tratamento da Covid também faz parte do conjunto de procedimentos preliminares. O medicamento não tem eficácia comprovada.
O passo seguinte desses procedimentos é o pedido de abertura de inquérito perante o Supremo Tribunal Federal, quando um ministro da corte passa a ter a atribuição de autorizar a maioria das diligências contra os investigados.
Das apurações preliminares abertas pela PGR contra Bolsonaro e seu entorno, apenas uma delas resultou até aqui em inquérito. Em janeiro, após aumentar a pressão contra Pazuello por indícios de que sabia que estava prestes a eclodir um colapso no sistema de saúde no Amazonas, Aras instaurou apuração preliminar contra o então ministro da Saúde e requisitou informações sobre o ocorrido.
O procurador-geral analisou o ofício de mais de 200 páginas do Ministério da Saúde sobre o caso e considerou necessária a abertura de inquérito junto ao Supremo.
O ministro Ricardo Lewandowski autorizou a abertura da investigação, mas determinou seu envio à Justiça Federal em Brasília, após Pazuello deixar a Saúde e perder a prerrogativa de foro. O caso deixa de ser atribuição da PGR.
Interlocutores de Aras, por sua vez, ponderam que o governo Bolsonaro passou por inúmeras turbulências políticas desde seu início e que partidos de oposição têm acionado com mais frequência a PGR, muitas vezes sem provas.
Segundo esses auxiliares, por dever de ofício a Procuradoria instaura procedimentos preliminares para apurar os fatos, mas a maioria deles não chega a lugar algum e acaba ocupando o tempo da equipe destinada a isso --que integrantes da PGR dizem não ser numerosa.
Há seis meses de concluir o mandato, Aras calcula bem seus movimentos. É atualmente o nome do Palácio do Planalto para comandar o MPF (Ministério Público Federal) na segunda metade do mandato de Bolsonaro.
Aras trabalha hoje pela recondução ao cargo, mas não esconde o desejo de ser indicado à vaga do STF que abrirá em julho com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Bolsonaro, no entanto, já afirmou que Aras é um nome forte para eventual terceira vaga ao Supremo. A princípio, porém, o presidente só poderá indicar um terceiro nome caso se reeleja em 2022.
As apurações preliminares contra o chefe do Executivo, seus familiares e auxiliares têm sido anunciadas pelo procurador-geral em manifestações enviadas ao Supremo.
Geralmente, quando é noticiada alguma irregularidade envolvendo integrantes do Executivo, além de familiares do presidente, os adversários do governo apresentam pedidos de investigação à corte.
É de praxe que o Supremo peça uma manifestação da PGR sobre essas solicitações. A Procuradoria é a encarregada de tocar as apurações. Na resposta aos pedidos, Aras tem afirmado que já determinou a abertura de apurações preliminares sobre os casos.
Esses procedimentos são conhecidos como notícia de fato, um instrumento legal do Ministério Público que consiste no levantamento de informações, incluindo requisições a órgãos públicos, acerca das irregularidades apontadas.
Na apuração contra Heleno devido à suposta produção de um relatório pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), subordinada ao GSI, para a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das "rachadinhas", a Procuradoria está colhendo depoimentos e solicitou informações sobre o caso.
No caso de Heleno, Aras já havia aberto outra apuração, em junho de 2020, devido à divulgação de um texto intitulado "Nota à nação brasileira".
Assinado e divulgado pelo general do GSI, o texto afirmava que a eventual apreensão do celular de Bolsonaro seria "inconcebível" e traria "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".
O ministro se referiu à medida sugerida ao STF por um partido político no contexto da apuração em que Bolsonaro foi acusado pelo ex-ministro Sergio Moro de interferência na Polícia Federal.
Em relação a Eduardo Bolsonaro, a PGR instaurou apuração preliminar para analisar pagamento em espécie feito pelo deputado na compra de dois apartamentos na zona sul do Rio, entre 2011 e 2016. "Caso, eventualmente, surjam indícios razoáveis de possíveis práticas delitivas por parte do requerido, que teve seu primeiro mandato como deputado federal iniciado em 1º de janeiro de 2015, será requerida a instauração de inquérito nesse Supremo Tribunal Federal", informou Aras ao STF.
Contra Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Aras já abriu cinco investigações preliminares e arquivou três delas.
Ainda está aberta a apuração sobre a suposta atuação dela nos bastidores para impedir que uma menina de 10 anos vítima de estupro tivesse acesso à interrupção da gravidez. Em manifestação enviada ao tribunal, Aras disse que, se essa primeira apuração encontrar indícios suficientes, a PGR pedirá a abertura de inquérito formal.
Em relação ao próprio presidente, a PGR abriu procedimento para averiguar eventual irregularidade nas movimentações salariais de parte das pessoas lotadas entre 1991 e 2018 em seu gabinete de deputado federal.
O agravamento da pandemia motivou a abertura de novas investigações preliminares contra Bolsonaro e auxiliares.
Questionada pela Folha a respeito das investigações, a assessoria da PGR afirmou que chegam à Procuradoria mais de 300 representações por mês contra autoridades com foro. "Para que uma representação possa ser apreciada, precisa ser autuada como notícia de fato. A mera autuação não significa que haja ali indício de crime."
Os arquivamentos, segundo a PGR, não se restringem à gestão de Aras. "Notícias de fato abertas com base em representações de cidadãos e parlamentares historicamente têm sido, em sua grande maioria, arquivadas por diferentes gestões na PGR", diz.