Os casarios, praças e minas de Olhos D’Água, distrito da cidade de Alexânia, a 118 quilômetros de Goiânia, estão na rota do patrimônio histórico de Goiás. Desde o início da semana que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) promove uma oficina de inventário participativo com a comunidade com intuito de elaborar um levantamento sobre os bens materiais e imateriais do vilarejo.
Para a primeira etapa do projeto, são os próprios moradores que ajudam a identificar os patrimônios focados em cinco pontos de pesquisa: formas de expressão, a exemplo do teatro de mamulengo e da catira; celebrações, como festas populares e a Feira do Troca, a maior vitrine turística do povoado; objetos, a exemplo dos artesanatos; lugares, como a Praça Santo Antônio; e saberes, oriundos de artesãos que formam a identidade cultural do distrito.
“Trata-se de um inventário desenvolvido na Coordenação de Educação Patrimonial que coloca a própria comunidade para dizer o que é ou não patrimônio. É a primeira vez que está sendo executado, pioneiro em todo País”, explica a arquiteta e urbanista do Iphan Beatriz Otto. A oficina também promove rodas de conversa com moradores mais antigos e mapeia bens que devem ser preservados nos próximos anos.
A ideia é de que o resultado da pesquisa sirva para um possível tombamento e registro de Olhos D’Água, vila que conta parte da história do Brasil Central. De acordo com Beatriz, todas as informações coletadas servem de dados para a identificação dos bens históricos que podem ser reconhecidos formalmente e incluídos nos livros de proteção. “A importância do processo é porque a própria comunidade reflete e diz o que é patrimônio, muito além de um especialista ou do poder público”, destaca a profissional.
Polêmica
O possível futuro tombamento de Olhos D’Água começou a ganhar forma depois que o antigo pároco da Igreja Santo Antônio, Cleyton Garcia, anunciou, em 2023, que aquela seria a última edição da Feira do Troca na praça. Um dos eventos mais tradicionais da região, surgido há mais de 50 anos, o projeto é realizado sempre nos primeiros fins de semana de junho e dezembro, e promove o escambo de diversos tipos de serviços e produtos. Também serve de janela para o turismo e artesanato do vilarejo.
Depois do comunicado, entidades culturais de Olhos D’Água entraram em contato formal com o Iphan pedindo o tombamento da Praça Santo Antônio. O presidente da Associação dos Artesãos de Olhos D’Água, Djalma Valois, explica que a Feira do Troca é uma das expressões que mais oxigenam o turismo e a economia local e que a praça é de toda a comunidade, e não apenas da igreja.
“Ainda não sabemos qual será o futuro da feira e se a próxima edição, agora em junho, será realizada no espaço. O que desejamos é que, com esse tombamento, a Feira do Troca, a praça e os outros bens da vila possam ser resguardados”, reitera o artesão, que vive no distrito há quase 20 anos. “Em um fim de semana, o evento já chegou a reunir 10 mil a 15 mil pessoas, que chegam para participar da feira e aproveitam para conhecer o povoado”, completa.
Moradora do distrito há mais de duas décadas e presidente da Associação Comunitária de Olhos D’Água, a carioca Mariana Bulhões explica que o terreno da praça e da paróquia foi doado por um fazendeiro para a construção da capela como pagamento de uma promessa. “Isso pode ter acontecido há décadas, mas hoje a praça é de todos os moradores que podem usufruir do bem comunitário. Por aqui são feitos vários projetos ao longo do ano, muito além da Feira do Troca”, diz Mariana.
Sobre a proibição da feira na praça central, o subprefeito da vila, Cristian Bublitz, explica que o evento nem sempre foi realizado no local e que o espaço pode ser propriedade da igreja, mas também pertence aos moradores. “Ninguém consegue conversar e ninguém abre mão de seu ponto de vista, então é legal que haja uma terceira via, como o Iphan, que utiliza uma metodologia participativa”, acredita.
A reportagem entrou em contato com a paróquia, mas o atual padre que coordena o local, Allan Carlos, está em viagem ao continente africano e só poderá falar após o retorno da missão.
Atrativos
Diversos casarões em arquitetura colonial rodeiam a praça Santo Antônio, coração do povoado. Entre eles está o Memorial de Olhos D’Água, que reconta a história da formação da vila, as tradições herdadas e passadas de geração em geração, e resgata fotos, objetos e adornos sobre hábitos culturais e religiosos do distrito. É Mariana Bulhões que também toma conta do espaço. Para a gestora, que participa da oficina do inventário, a ação do Iphan colabora para que a comunidade possa contar suas próprias histórias.
“É preciso que os órgãos públicos, como o instituto, possibilitem que os moradores decidam sobre o que é ou não patrimônio e o deve ou não ser tombado. É uma iniciativa que beneficia a todos os envolvidos”, comenta Mariana, que abandonou o barulho dos carros e das ondas do mar do Rio de Janeiro e foi parar no vilarejo goiano com o marido. “Tive meus dois filhos na vila, que hoje ainda moram aqui. Eles são formados, podem viver em qualquer lugar do mundo, mas decidiram estar em Olhos D’Água”, comenta.
A charmosa vila tem atraído turistas nos fins de semana, principalmente de Brasília (DF), e moradores de outras regiões brasileiras que vão para visitar e acabam ficando. É o caso, por exemplo, da professora aposentada Alda Ilza de Lima, de 75 anos, que mora em Olhos D’Água desde 2020 e diz que não há melhor lugar para se viver. “Existe um potencial turístico e um encanto sem igual por aqui”, comenta a colaboradora comunitária.
Além da Praça Santo Antônio, o distrito oferece um roteiro de barzinhos tradicionais, artesanato focado em tecelagem e cerâmica e atividades ambientais, como cachoeiras e trilhas. “É um lugar encantado no meio do Cerrado”, reflete Alda.